Autora: Márcia Felomena Alves
Orientadora: Profª Regina Soares Oliveira
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal do ABC.
A orientadora Prof.Regina Soares Oliveira, pelo acompanhamento pontual e competente.
Aos professores do Curso de Especialização.
A todos os meus familiares que pacientemente colaboraram comigo.
Aos alunos que contribuíram significativamente para a produção deste trabalho e a todos que direta ou indiretamente colaboraram para a realização desta pesquisa.
(in memória)
A meu pai Osvaldo Francisco Alves Filho, que foi o primeiro migrante, trabalhador e analfabeto que aprendi a amar, respeitar e admirar.
“Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais”. PAULO FREIRE
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO
- MATRIZ CURRICULAR O NORTEADOR DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
- AS RELAÇÕES COM O MEIO AMBIENTE
- MIGRAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NO CURRÍCULO ESCOLAR
- RELAÇÕES DE TRABALHO E PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NA PROPOSTA CURRICULAR
- PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
- CONCLUSÃO
- BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
O tema “A migração e as relações de trabalho”, surgiu como interesse para o desenvolvimento dessa monografia, a partir das atividades desenvolvidas em sala de aula com os alunos da Educação de Jovens e Adultos, moradores do Bairro Jardim Revista, no município de Suzano, localizado na zona Leste do Estado de São Paulo. O município possuía em 2010, segundo o Censo demográfico 262.568 habitantes, o que resulta numa densidade demográfica de 1.275,43 hab./km.
A estruturação ferroviária de Suzano no final do século passado articulou a cidade de São Paulo e o porto de Santos às áreas cafeeiras do interior da Província. Até a década de 1950, o município viveu, principalmente, da agricultura comercial dinamizada por imigrantes dedicados a horticultura e da agricultura de subsistência ou agricultura caipira.
A partir desta década a produção industrial em grande escala provocou a reestruturação na vida urbana local e introduziu muitos problemas urbanos específicos da capital, como por exemplo, a expansão urbana não planejada. Segundo Nidia Pontuschka:
“Entendemos por progresso não apenas aqueles aspectos puramente matérias como, por exemplo, o afluxo maior de bens de consumo, postos à disposição da população e sim as possibilidades de auto-realização humana, por via de maiores e melhores condições de educação, saúde, trabalho e lazer.” (1979, p115).
É neste contexto que muitos alunos migraram para Suzano em busca de condições melhores, constituíram famílias e trabalharam. Mas principalmente se organizaram em comunidades de bairro para melhorar as condições de alguns bairros, como por exemplo, onde está localizada a escola EMEIF Amália Maria de Jesus no Jardim Revista, que foi uma reivindicação da comunidade e que teve na igreja Católica Apostólica Romana uma aliada nas reuniões de comunidades eclesiais de base para pensar, reivindicar e transformar o bairro que hoje apresenta um crescimento populacional e comercial razoável que atende seus moradores. Apesar das melhoras ainda sentimos falta de muitas coisas, como, uma unidade básica de saúde, espaço de lazer, segurança extensiva e outros equipamentos públicos.
Os alunos da unidade escolar EMEIF Amália Maria de Jesus do Termo II (3ª e 4ª série) que tem entre 21 e 63 anos, dos que nasceram no nordeste a maioria, cerca de 80%, residem em São Paulo a mais de 20 anos. Poucos nasceram em São Paulo ou Suzano e entre esses, cerca de 20%, tem origem nordestina.
São pessoas que vieram em busca de constituir família, conquistar emprego e melhorar suas condições. Cada um, do seu jeito e de acordo com sua realidade, conquistou ou está em busca de conquistar algo. A impossibilidade de estudar da maioria, se deu por não ter unidade escolar próxima da casa ou devido ao trabalho infantil. Alguns pararam de estudar e outros não iniciaram. Ao chegar a São Paulo, para alguns, o estudo não estava incluído nos seus objetivos ou não houve “tempo para isso”.
O que prevalecia nesta turma era a vontade de concluir o Ensino Médio e para os mais jovens fazer uma graduação. O interessante desses alunos é que eles vêem o fato de freqüentar uma universidade como a realização de um sonho e sua auto-afirmação como individuo.
As discussões sobre migração e as condições que os levaram a sair de suas cidades natais foram temas inseridos no planejamento para construção de um projeto que envolvesse de forma significativa o tema Horticultura “Corredor Ecológico” que organizou nosso trabalho no decorrer do ano letivo e compunha a grade do curso Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária, da Universidade Federal do ABC.
Ao iniciar as atividades relacionadas com a migração vieram à tona sentimentos de tristeza e alegrias em relação a essas experiências vivenciadas e as narrativas tratou da relação dos alunos com o ambiente de trabalho após chegar a São Paulo, retratando situações de subordinação e experiências marcantes que surpreenderam a mim, como professora. Por exemplo, ao apresentar um vídeo sobre o Trabalho Escravo nos dias de hoje, da rede de televisão Bandeirantes, do programa “A Liga”, um dos alunos comentou que assim como a reportagem retratava as péssimas
Condições de trabalho na carvoaria, ele também passou por esta experiência em sua terra natal. É com base nos relatos e atividades desenvolvidas com os alunos que esta monografia retrata, através de fotos do meu arquivo e atividades, as mudanças significativas do planejamento anual, que a princípio tinha um objetivo responsável, mas muito simples e que, através do curso, teve inserido projetos e saberes que tornaram o currículo flexível e significativo aos alunos no ano letivo de 2011.
MATRIZ CURRICULAR O NORTEADOR DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
O grande desafio do curso Especialização da Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária da Universidade Federal do ABC era inserir no currículo escolar, já planejado no inicio do ano letivo de 2011, uma prática pedagógica que fosse significativa para os alunos e coerente com as propostas dos projetos estabelecidos pelo curso, inserindo no currículo escolar os saberes trazidos pelos alunos e que pudessem ser vivenciados em sala de aula.
Helena Singer descreve que:
“A pesquisa-ação é um processo coletivo, no qual sujeito e objeto do conhecimento não estão dissociados, que segue um ciclo no qual se planeja, desenvolve, descreve, avalia e analisa uma transformação social, aprendendo mais, no seu decorrer, a respeito tanto da prática quanto da teoria.” (2009, p106).
A pesquisa–ação remete a prática de exploração sobre os diversos aspectos da vida e experiência do aluno para a construção de significados e conhecimentos. Segundo Paulo Freire (1981) seria necessário ter o entendimento de que todos somos sujeitos dentro das relações dinâmicas e que deveríamos desempenhar uma prática que potencializasse e libertasse esses sujeitos.
Os trabalhos propostos nas disciplinas do curso de especialização Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária da Universidade Federal do ABC, possibilitaram várias reflexões das práticas que desempenhamos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Citar a riqueza das experiências dos alunos nos trabalhos não é o bastante se não soubermos reverter em práticas da sala de aula. A necessidade de buscar significados para iniciar os trabalhos materializou tais riquezas e teorias, como por exemplo: as relações de trabalho dos alunos ficaram evidentes quando partimos dos motivos de sua migração e de seus familiares e a exploração que muitos vivenciaram ou vivenciam.
Esses alunos sentiam que suas experiências eram ricas quando as situamos no tempo-espaço e mostramos a importância histórica dos acontecimentos. Quando muitas ações que para eles não passavam de simples formas de sobrevivência, são motivos de estudos e pesquisas para muitos estudiosos, tornam essas ações significativas e os alunos sentem prazer em dar sua contribuição.
Discutir com os alunos sua participação e ação nos processos históricos situa-os como sujeitos e ajuda-os a desenvolverem reflexões sobre o presente.
A pesquisa-ação tem encontrado barreiras nas formas autoritárias de educação, que infelizmente predominam em nossos sistemas educacionais. Por mais que instrumentos legais busquem práticas reflexivas para facilitar a integração, o resgate de identidade e potencialidades dos alunos, ainda tem formas avaliativas e práticas educativas que não levam em conta os sujeitos no processo educativo. Investir em formações para que estes profissionais reavaliem sua prática é uma das formas de contribuir para a pesquisa-ação.
Pensando no conceito da pesquisa-ação, era necessário repensar nossa prática para que pudéssemos de uma forma significativa, desenvolver atividades que estavam sendo discutidas e principalmente aprendidas no curso. Como primeira ação era claro a necessidade de conhecermos nossos alunos, não apenas com uma informação geográfica, como por exemplo, saber onde moravam, mas, o que estes lugares representavam em suas vidas ou qual o contexto histórico que os levaram a migrar para outros Estados.
Para isso, tínhamos a organização no curso que estava estruturado de maneira a permitir que a cada quinze dias, nós professores nos reuníssemos na cidade que trabalhávamos com uma equipe contratada pelo Projeto e realizássemos as chamadas reuniões de pólo. Nessas reuniões, tratávamos das atividades referentes a estudos e trabalhos das disciplinas do curso e o planejamento de práticas pedagógicas que iríamos desenvolver em sala de aula.
Tínhamos uma característica interessante que, a princípio, poderia ser prejudicial ao nosso pólo, mas que enriqueceu muito nossas práticas: éramos oito professores de escolas distintas com características específicas quanto à região e alunos, sendo que a cada discussão sobre trabalhos e projetos percebíamos que poderíamos colaborar uns com os outros.
A diversidade de ações pedagógicas ficou evidente, pois, apesar de termos o mesmo tema como Horticultura e Resíduos Sólidos, quando nos reuníamos, as práticas eram as mais diversas, porém a necessidade do que pesquisar e o que estudar era comum.
Quando foi apresentado pelos assessores do pólo, a sistematização de uma matriz curricular, que seria o primeiro orientador para que as práticas pedagógicas fossem estruturadas nas unidades escolares, entendemos que a matriz seria um diferencial para pensar sobre os saberes necessários que complementariam o trabalho com os alunos, quando inseríssemos para cada tema, as atividade e os conceitos a serem trabalhados. O aprofundamento teórico seria ajustado à vivência do aluno, sendo um grande aliado para todas as questões levantadas.
No decorrer do curso a matriz foi complementada por todos, de acordo com as práticas desenvolvidas em sala de aula e, a cada discussão, tínhamos a possibilidade de rever ou sugerir ações, o que foi fundamental para a realização dos projetos propostos pelo curso. No final do ano letivo cada professor acabou criando sua própria matriz curricular que se tornou o resultado real do que havia sido trabalhado. Segue a matriz curricular da unidade escolar Amália Maria de Jesus.
RELAÇÕES COM O MEIO AMBIENTE
A necessidade de desenvolver um trabalho de horticultura proposto pelo curso Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária da Universidade Federal do ABC, levou a uma reflexão, com os alunos, sobre o significado do tema e sobre as ações que poderiam ser feitas a partir deste. Com isto, o objetivo das atividades propostas em sala de aula foi o de resgatar valores e significados da relação do homem com o meio ambiente para que os alunos escolhessem o trabalho a ser desenvolvido na escola, referente à Horticultura. Era necessário entender o que representava para os alunos a Horticultura e qual a relação que os mesmos possuíam com o tema proposto. E, foi a partir deste trabalho que o tema Migração e as Relações de trabalho surgiu como um fator relevante a ser desenvolvido em sala de aula e no projeto da monografia.
Atividade Horticultura “Corredor Ecológico”
1ª Etapa
Sem maiores explicações sobre o objetivo, já que os alunos determinariam o que seria desenvolvido, iniciamos com a apresentação de imagens o seguinte temário: Zona rural, zona urbana, seca nordestina, plantações de verduras, flores e paisagismo.
(Imagens numeradas com temas rurais e urbanos)
Cada aluno teve que escrever uma lista com palavras ou frases que representassem um sentimento, lembrança ou sensação com a imagem apresentada. Em média, cada aluno observou de 5 a 10 cartões que foram enumerados. A riqueza da atividade consistiu nas diferentes interpretações que os alunos tiveram em relação a mesma imagem. Por exemplo, as flores que, para a maioria, indicava beleza, para seu Manoel representava a morte, já que descobrimos que o mesmo trabalhou com “sepultador” (coveiro). Outro exemplo foi a imagem do local urbano que para uns, representou estresse e, para outros progresso. Em seguida, cada um escolheu três cartões que mais chamaram sua atenção.
Os alunos receberam de volta suas folhas com a escrita de suas lembranças e sensações em relação às imagens. Sem identificação na lousa foram coladas folhas digitadas com a correção da lista. Todos os alunos, ao mesmo tempo, tiveram que encontrar e reconhecer as palavras que escreveram, realizando uma comparação entre o “errado e o certo”, verificando a correção de suas palavras com a folha digitada, alguns apontamentos foram feitos individualmente pela professora com o aluno ou entre os alunos.
Aproveitando a lista de palavras, observamos e discutimos sobre a escrita por eles realizada, apontando valor sonoro das letras, ortografia e itens alvo de dúvidas.
2ª Etapa
Com o intuito de trabalhar com gráficos, foi apresentado aos alunos o material de escala CUISENAIRE [1], eles manipularam e realizaram exercícios para identificar suas quantidades e relacioná-las com suas cores. No decorrer da atividade foi identificado que alguns alunos tinham dificuldades em identificar cores, o que seria trabalhado nas próximas aulas. Logo em seguida cada um escolheu três cartões de imagens que mais chamaram sua atenção e foi entregue a tabulação dos cartões mais votados para que os mesmos fizessem gráficos com base no material (cuisenaire) e respondessem no caderno algumas questões como:
- Quais os cartões mais votados?
- Quais os cartões menos votados?
- Houve empate? Entre quais cartões?
Os alunos chegaram à conclusão de que os cartões com as imagens de flores e campo foram as que mais chamaram sua atenção, que por sua beleza ou por trazer sensações positivas.
3ª Etapa
Em seguida discutimos que por morarmos (já que eu também moro no mesmo bairro que eles) em um bairro urbanizado, perdemos a noção de que não temos uma relação com o meio ambiente e discutimos sobre a importância desses ambientes na nossa vida e no nosso bairro.
Os alunos compreenderam muito bem sobre os efeitos negativos de um ambiente sem nenhuma vegetação. Após análise do nosso bairro, concluímos que ações voltadas para modificarmos nossa paisagem, trariam benefícios para cada um de nós, para a escola e para o bairro.
Foi apresentado o documentário “Céu e Água” que trata sobre a cultura e as mudanças ambientais na vida de pantaneiros. Esta apresentação teve o objetivo de sensibilizar e mostrar para os alunos as relações que o homem tem com a natureza, pois o vídeo retrata o pantaneiro em busca da preservação de suas origens, de sua cultura e sua relação com a invasão do turista e das indústrias no entorno de suas vilas.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=UxUJ9hv232U[/youtube]
A interpretação do documentário foi iniciada com as seguintes questões:
- Em que região acontece o documentário?
- Qual a relação do pantaneiro com sua região?
- O pantaneiro tenta mudar ou se adaptar a nova realidade?
No momento da discussão alguns alunos lamentaram situações em que o homem dá espaço para o “progresso” e esquece o que de fato é importante: a preservação do meio ambiente.
4º Etapa
Em seguida assistimos ao vídeo musical “Paciência”, de Lenine, ilustrada com imagens de vários animais, tipos de vegetações e também a degradação desses ambientes e a extinção de alguns animais.
Paciência
Autor: Lenine
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não para…
Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara…
Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência…
O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência…
Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara…
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não…
Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara…
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para…
A vida não para…
De acordo com a letra da música foram feitos três questionamentos:
- O que o mundo espera de nós?
- O que esperamos do mundo? (natureza)
- O mundo gira e volta para o mesmo lugar. Porque ele não volta do mesmo jeito?
Durante as questões foi necessário utilizar um globo terrestre para que os alunos visualizassem movimento de rotação e translação, para entender a idéia de tempo indicada na letra da música.
5ª Etapa
Essas atividades culminaram em discussões que levaram a uma reflexão sobre o que poderíamos fazer para modificar a paisagem do nosso meio ambiente (escola ou bairro). A maioria dos alunos conheceu o bairro em uma época em que o verde predominava e concluíram que a urbanização é crescente sem preocupações referentes à preservação da vegetação. Com isso, foi apresentado aos alunos o conceito de “Corredor Ecológico” [2] e proposto por mim que fizéssemos uma maquete da rua comercial do nosso bairro inserindo tal conceito.
Partindo de uma imagem de satélite da rua, alguns alunos realizaram uma pesquisa exploratória, sobre a quantidade de casas e comércio da rua, o que ocasionou uma discussão interessante sobre o quanto nosso bairro cresceu e algumas lembranças foram marcantes para avaliar a história do nosso bairro, como por exemplo, o casarão que havia na época da Escravidão e que foi derrubado há poucos anos devido ao aumento de residências. Os alunos montaram a maquete com a reprodução fiel em pequena escala de como ficaria a rua com o Corredor Ecológico.
(Maquete do Corredor Ecológico na Rua Bandeirantes Jd. Revista – Suzano rua próxima a unidade escolar)
Ao término das atividades foi possível refletir sobre as relações que os alunos tinham com o meio, mas não diretamente no local em que vivem e sim sua terra natal. Várias lembranças e discussões foram focadas no que os alunos vivenciaram quando crianças ou jovens. Alguns alunos tiveram dificuldade em participar da realização da maquete ou as atividades diversificadas por acreditarem que a aula deve ser a mais tradicional possível, com “cópias” e “continhas”. Mas acredito que uma das funções do educador é quebrar paradigmas e mostrar que a aprendizagem também está em todo ato que realizamos com reflexão e atitudes.
No decorrer dessas atividades os aspectos da migração começaram a se destacar em sala e motivos e significados começaram revelar sentimentos diversos como de saudade, traumas, indiferença, esperança e principalmente o interesse em destacar saberes referentes à sua cultura. É neste momento que começo a perceber que o tema Migração não se restringe ao tema de início de ano e sim a partida para uma longa jornada de relatos, experiências e conceitos.
MIGRAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NO CURRÍCULO ESCOLAR
Quando tratamos dos sonhos e das trajetórias de cada aluno verificamos em suas falas algumas experiências negativas e frustrantes vivenciadas por momentos de subordinação, marcado por anos de trabalho. Essas reflexões expressam relações latentes e equivocadas sobre vários aspectos de suas vidas e fez com que acreditassem ser natural que suas trajetórias tenham sido desta forma. A todo o momento alguns alunos afirmavam que “a vida é assim mesmo” e que a vitória consiste, em passar por tudo isso, sem desistir dos sonhos. E por tudo isto, a intenção era discutir em sala, o contexto histórico do período de migração relacionando-o com as experiências de vida que cada aluno demonstrou ter vivenciado.
Na primeira atividade sobre migração os alunos tiveram que apenas montar um mapa a partir do fragmento das regiões, todo o processo foi tranqüilo, mas, quando tiveram que indicar com seta a região de origem e o local de destino, que o aluno vivenciou ou seus familiares, houve certo desconforto, alguns não sabiam de onde os pais tinham migrado ou se tinham migrado e outros não queriam realizar a indicação, mas a maioria realizou com tranqüilidade.
Entender o que está por traz de marcas profundas no rosto e posturas curvadas, que às vezes não interagem com seu interlocutor, vergonha por acreditar em uma desvalorização humana por não ter uma formação acadêmica, e principalmente, histórias de vida que aconteceram de forma continua e despercebida pela maioria, despertou em mim, reflexões sobre em que momento os sonhos desses alunos deixaram de ser projetados, buscando compreender como a sociedade os recebeu e como os condicionou a algumas situações, que por seu caráter exploratório, minou as suas auto – estimas. Segundo Paul Singer:
“As migrações internas são decorrentes tanto de aspectos históricos e institucionais como de mudanças estruturais e espaciais da economia. Devem ser vistas sob a ótica de um processo global, sendo caracterizadas como um processo social em que a unidade atuante não é o individuo, mas o grupo e/ou classe social”. (1975; p.33).
Esta afirmação pode ser observada nos relatos das experiências vivenciadas pelos alunos, mostrando que quando buscamos o início de tudo (os motivos que os levaram a migrar), o primeiro impacto é analisar, porque migraram e em um segundo momento, recuperarmos as consequências dessa migração.
Por meio dos relatos realizados nas atividades, no dia-a-dia em sala de aula e nas entrevistas realizadas com os alunos, foi possível sistematizar essas experiências, levando-os a refletir de que sujeitos estávamos falando. Isto foi possível colocando suas fotos da infância em uma ordem temporal e para cada década apresentada, falávamos sobre como era viver naquela época.
Quando discutido e percebido que os motivos da migração eram comuns entre os alunos, houve um interesse em entender qual o contexto que envolvia pessoas de regiões diferentes e histórias de vida distintas, ter semelhanças nos motivos. As condições sociais e econômicas foram os primeiros fatores que ficaram claros e os movimentos migratórios aconteciam em uma mesma direção. A necessidade de buscar regiões mais desenvolvidas e industrializadas fez com que essas pessoas viessem sem perspectiva, mas, com muita disposição para trabalhar, constituir família ou trazer outros familiares e desta forma o desafio de um recomeço iniciava.
Segundo Vera da Silva Telles (2007) esse processo migratório deve ser analisado como um evento de mobilidade, mais do que identificar os pontos de partida e os de chegada é questionar as práticas sociais, agenciamentos cotidianos e destinações coletivas. Os alunos que migraram, tiveram que se organizar no coletivo, mesmo tendo histórias individuais, buscando na comunidade sua permanência e os meios para sobreviver e alcançar seus objetivos.
Astrogildo Ribeiro Bandeira aluno do Termo II na unidade escolar Amália Maria de Jesus, nascido em 24 de maio de1964 na cidade de Ricô (Ceará), casado pai de três adolescentes está em São Paulo há 25 anos, atualmente aposentado sofreu um acidente de trabalho há alguns anos, o que trouxe sérios problemas na coluna quando entrevistado sobre os motivos da sua migração afirma:
Vim para melhorar a situação de vida. Vim Sozinho já tinha 2 irmãos e alguns parentes não era casado, vim para melhorar de vida, melhor salário, nê !!?!!
Maria do Carmo Araujo Calazan aluna do Termo II na unidade escolar Amália Maria de Jesus, Nascida em 29 de maio de 1965, na cidade do Ceará. É casada está em São Paulo a 32 anos e atualmente trabalha como Doméstica.
Vim para melhorar de vida tinha 15 anos minha mãe já morava aqui, minha mãe mandou me buscar para cuidar “de um filho dela” que tinha nascido.
Paulo Freire no discurso de despedida da Secretaria Municipal de São Paulo disse:
(…) “Meu gosto de ler e escrever se dirige a uma certa utopia que envolve uma certa causa, um certo tipo de gente nossa. É um gosto que tem que ver com a criação de uma sociedade menos perversa, menos discriminatória, menos racista, menos machista que esta. Uma sociedade mais aberta, que sirva aos interesses das sempre desprotegidas e minimizadas classes populares e não apenas aos interesses dos ricos, dos afortunados, dos chamados “bem-nascidos”(1991).
Esta sociedade perversa foi sentida no momento em que cada aluno relembrou sua trajetória de vida e o contexto social e econômico que foi imposto e determinou o que poderiam e deveriam ser. Mudar esta sociedade não é tarefa para algumas discussões em sala de aula, mas a relevância em debater essas realidades traz uma riqueza de palavras e experiências que devemos acrescentar na proposta curricular da Educação de Jovens e Adultos.
Houve uma atividade que propunha uma leitura visual de imagens diversas sobre ambientes urbanos e rurais, os alunos tinham que escrever uma palavra ou frase que expressasse o sentimento pela imagem. O objetivo era verificar as relações dos alunos com o meio ambiente e algumas imagens foram retratadas com sentimentos em relação a sua terra de origem e que, de certa forma, justificava sua migração.
Como a imagem 1 (repolho) que alguns alunos escreveram fome e vida, a imagem 7 (seca) em que os alunos escreveram Bahia e deserto ou a imagem 8 (asfalto) que os alunos escreveram trabalho, melhoria e cidade. Haviam outras imagens e que nas fotos e escrita retrataram outros sentimentos:
(imagens rurais e urbanas)
(imagens rurais e urbanas)
(escrita das palavras que os alunos expressaram)
É possível analisar que a todo o momento os alunos façam relações com suas histórias ao realizar algumas atividades, mas, às vezes o professor busca outros resultados e não percebe a real necessidade do aluno.
Iniciar o ano letivo com discussões sobre a origem de cada aluno não apenas proporcionou vários saberes a serem trabalhados, como envolveu a todos em uma relação de respeito e cumplicidade em sala de aula. E foi na sequência dessas atividades, que discutimos as relações de trabalho, e os alunos retrataram gradualmente os aspectos de suas migrações como referência para as discussões futuras.
RELAÇÕES DE TRABALHO E PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NA PROPOSTA CURRICULAR
Cora Coralina no poema “Estas Mãos” disserta sobre o cotidiano e a realidade de muitos trabalhadores, que tiveram na vida apenas a opção de servir e que desta servidão não conquistaram o direito àquilo que produziram, aos meios de produção e nem a dignidade humana.
Cora Coralina
(1889-1985)
(…) Mãos que jamais calçaram luvas.
Nunca para elas o brilho dos anéis.
Minha pequenina aliança.
Um dia o chamado heróico emocionante:
– Dei Ouro para o Bem de São Paulo.
(…) Mãos de semeador…
Afeitas à sementeira do trabalho.
Minhas mãos raízes
procurando a terra.
Semeando sempre.
Jamais para elas
os júbilos da colheita. (…)
É neste contexto de realidades diversas e conceitos baseados em uma vida de “servidão” que fazemos relação com os princípios da Economia Solidária que afirma:
(…)- a necessidade de mudança cultural e educacional, pois esta economia precisa que os seres humanos se considerem sujeitos da ação, superando a mentalidade submissa que o capitalismo, desde sua origem, vem, por meio de várias instituições, inclusive da escola e do “modelo do emprego”, impondo aos trabalhadores, pela definição de uma determinada visão de homem e de sociedade. (Economia Solidária – uma aproximação ao Programa Supletivo Profissionalizante “Educação dos trabalhadores pelos trabalhadores”).
O desafio dos alunos tomarem ações e executarem atividades, como sujeitos da ação, não se limitou as práticas em sala de aula, mas também em dinâmicas, como por exemplo, a que realizamos com o objetivo de entendermos conceitos básicos de solidariedade, colaboração, trabalho em equipe e o significado de todos estarem focados no mesmo objetivo, mas principalmente quebrar paradigmas de uma sociedade que tem nos princípios do capitalismo todas as justificativas para as desigualdades.
No procedimento da dinâmica, fomos para o pátio e os alunos ficaram em circulo e formaram uma teia de barbante, foi amarrada no centro da teia uma caneta e a certa distância sem desmanchar a teia, os alunos teriam que colocar a caneta dentro da garrafa. Eles se divertiram muito e discutiram como (sem desmanchar a teia) colocariam a caneta dentro da garrafa.
(Dinâmica no pátio da unidade escolar)
Após realizar a dinâmica fomos para sala e os alunos começaram a descrever o que sentiram suas dificuldades e como chegaram a conclusão do que precisava ser feito. O objetivo da dinâmica foi alcançado quando os alunos perceberam a facilidade no trabalho colaborativo com princípios solidários contrapondo com situações no trabalho que tem no princípio do individualismo a justificativa para a não colaboração.
Eis, algumas avaliações feitas pelos alunos:
- O que era difícil ficou fácil (com a participação de todos);
- Entrar em comum acordo;
- Ajudar um ao outro;
- Pensar;
- Todo mundo fez o serviço igual.
Discutimos sobre a diferença entre o que acontece no ambiente de trabalho e o que os alunos perceberam a partir da dinâmica chegando as seguintes palavras.
- Não tem colaboração;
- Não tem organização;
- Humilhação;
- Indiferença;
- Falta de comunicação;
- Desrespeito.
Após essa atividade, as visões sobre as relações vivenciadas no trabalho ficaram latentes e tornaram-se prioridades no que deveríamos realizar em sala de aula durante o ano letivo. O texto “Educação popular e pedagogia(s) da produção associada” (Tiriba, 2001) traz uma reflexão sobre a educação com dois objetivos distintos: a reprodução para a exploração do trabalho e a educação popular que contribui para o entendimento da economia popular.
O texto analisa as condições de vida das pessoas que buscam sobreviver no mundo globalizado, em que a disputa está entre os que detêm os meios de produção e os que buscam serem os donos desse meio. Mostra com clareza que existem outros mercados que se caracterizam por diferentes relações econômicas: relações de cooperação, de reciprocidade etc.
A exploração do trabalho é evidente quando na entrevista os alunos relatam suas experiências profissionais, como:
Luiz dos Santos aluno do Termo I na unidade escolar Amália Maria de Jesus, veio para São Paulo em 1989, nascido na cidade de Lagoa do Mato Ceará, trabalha em uma empresa e exerce a função de operador de máquinas.
Luiz: Nunca passei situação difícil em firma, sempre peguei as coisas rápido nunca dei trabalho.
Qual a contribuição da educação para dar condições aos alunos de entender o mercado de trabalho de uma forma que não se sintam como ferramentas a serem explorados e jogados fora quando se tornam desnecessários?
A escola poderia contribuir entendendo que está inserida em vários aspectos da vida pessoal e social dos alunos e não reproduzir em sala ou nos seus projetos, os princípios que a sociedade capitalista impõe onde os mais “fortes” são os vencedores e os que não vencem é porque são os “fracos”. Entendo que existe a necessidade de que verdadeiros valores sejam explorados, como, relações humanas, relações com o meio ambiente, princípios solidários e qualidade de vida. Devendo estar contido na diretriz curricular, que tem a função de nortear o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, contemplando todos os níveis e modalidades de ensino.
Ao trabalhar com fotos da infância para contextualizar a história de vida dos alunos que migraram há mais de 20 anos, a partir da década de 60, percebemos que a maior vitória para eles era ter um trabalho que lhe proporcionasse o sustento da família e adquirir bens, que em suas cidades de origem não conseguiriam. Porém hoje esta realidade está diferente, pois os alunos relataram que suas cidades de origem, em boa parte, têm uma estrutura muito diferente e que hoje jamais precisariam sair como antigamente.
A educação tem um papel fundamental de esclarecer e proporcionar reflexão sobre o mercado de trabalho e buscar novas relações de trabalho e humanas, pois, uma das dificuldades citadas por organizadores de empreendimentos de economia solidária na I Oficina Nacional de Formação/Educação em Economia Solidária realizada pela Secretaria do Trabalho e Emprego com a colaboração imprescindível do então Secretário Nacional de Economia Solidária, Paul Singer, (2006) foi:
(…) “A dificuldade de superação da cultura da subordinação que limita os processos formativos autogestionários. A cultura dominante dificulta a autogestão já que as pessoas estão acostumadas com lógicas diferentes da Economia Solidária (patrão/propriedade privada). Exemplo: Tudo é de todo mundo ou nada é de ninguém. Por isso, nos processos formativos, é preciso desconstruir o individualismo e a ausência de cultura de participação e as relações de poder que mantêm a subordinação dos trabalhadores”.
Proporcionar discussões com alunos da EJA sobre princípios da economia solidária: como a valorização social do trabalho humano é um grande desafio, pois, foge da realidade do contexto de suas vidas e os entendimentos sobre o mercado de trabalho, banalizado por princípios do capitalismo, para a maioria, se confunde como sendo uma discussão sobre cooperativas, que os mesmos não vêem com bons olhos, pois, trazem exemplos de exploração muito latentes sobre o assunto.
Quando em sala tratávamos sobre empreendimentos de economia solidária, um dos alunos questionou se era o mesmo que cooperativas, pois, ele sabia que existia sempre “um cabeça”, que ganhava por fora e muitas vezes explorava as pessoas que trabalhavam no empreendimento.
Diante de tantas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais é importantíssimo repensar sobre o papel da educação para Jovens e Adultos que vivenciam as relações de trabalho no seu dia a dia. Não existe mais espaço para reproduzir trabalhadores que apenas sirvam ao mercado. Temos alguns exemplos de pessoas que buscam alternativas e necessitam estar preparadas para as mudanças e lidar com empreendimentos que sejam, por exemplo, autogeridos. E isto impulsiona a uma educação diferente do que estamos acostumados a ver e participar, pois, na escola podemos exercitar várias ações que fundamentariam os alunos a assumirem posturas de sujeitos ativos, passando a praticar a autogestão no que seja necessário para uma vida mais digna.
As práticas pedagógicas apresentadas nesta monografia têm como objetivo principal, relatar o momento em que os aspectos da migração dos alunos se evidenciaram em sala possibilitando trabalhar as relações de trabalho que esses migrantes trouxeram, tornando-se norteadores para todas as atividades posteriores. Como resultado de um ano letivo, pautado na discussão sobre Economia Solidária, que possibilitou a realização da I Feira de Economia Solidária do Município de Suzano.
No processo destas atividades, ao longo do ano, os alunos começaram a relatar suas experiências profissionais pós migração. Neste momento, como professora, comecei a refletir sobre as relações de trabalho que estavam sendo ali relatadas. Segundo Angela M. Schwengber:
(…) a base de nossa sociedade está assentada em relações autoritárias e de profundas desigualdades sociais, que mantêm quase intacta a cultura do mando e da obediência, da subordinação, do clientelismo, do favoritismo e de tantas outras variações desse mesmo tom(…) (2005, p 5).
Quando os alunos começam a relembrar ou relatar sobre situações que passaram no trabalho, é evidente a relação de subordinação que essas pessoas na maioria têm com o trabalho e suas experiências.
Como a aluna Solange que relatou sua situação de cuidadora de um homem com limitações físicas (devido a um derrame) e com o qual ela briga muito quando este “manda” que ela faça aquilo que não é sua função, como tirar as fezes do cachorro do quintal. Ou na entrevista com a aluna Carmem quando questionada sobre seu sentimento em relação a sua experiência profissional e a mesma resume em duas palavras:
Maria do Carmo Araujo Calazan aluna do Termo II na unidade escolar Amália Maria de Jesus, Nascida em 29 de maio de 1965, na cidade do Ceará, trabalha como empregada doméstica até hoje e demonstra um cansaço imenso e a vontade de se aposentar,mas, nunca foi registrada não tendo ainda direito a aposentadoria.
Maria do Carmo: ESCRAVA DOMÉSTICA, tinha 17 anos. Ah!!!!! Professora, eu era muito nova e as pessoas “judiavam” de mim eu não gosto de falar sobre isso…
Quando eu trabalhei em cozinha, por causa do reumatismo tinha muita dor e minha patroa brigava, pagava pouco e ficava em cima, tinha que fazer tudo na hora.
Essas experiências se evidenciaram como importantes quando situamos no tempo-espaço e mostramos a importância histórica dos acontecimentos. Muitas ações que para eles não passavam de simples formas de sobrevivência, tornaram-se objetos de estudos e pesquisas para muitos estudiosos. Auxiliá-los a refletir sobre o presente, trouxe relatos de migração e experiências nas relações de trabalho que culminaram em práticas pedagógicas que determinou a reflexões sobre a minha prática e a sistematização desta monografia.
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
CONCLUSÃO
Inserir na proposta curricular princípios da Economia Solidária envolveu inovar também as práticas pedagógicas e descobrir que ser educador é estar disposto a mudar em todas as necessidades que surgirem ao longo de um ano letivo.
Propor aos alunos da Educação de Jovens e Adultos uma prática pedagógica, que envolvesse sair da zona de conforto e praticar, a todo o momento, desafios, precisou de confiança e credibilidade no que estava sendo proposto. Foi o que busquei ao longo do ano letivo de 2011, quando ingressei no curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária.
O fato que me chamou a atenção nesta monografia “Migração e Relações de Trabalho”, foi o tema ter surgido no decorrer de atividades, discussões e recursos apresentados aos alunos, tendo sido involuntariamente uma escolha deles, que ao expressar sentimentos nos relatos das experiências, chamavam a minha atenção para detalhes significativos de suas origens e experiências profissionais.
O desafio era desenvolver atividades que sistematizassem os princípios da Economia Solidária, por diversas vezes sentia que estava sozinha neste universo e que nenhum aluno compartilhava comigo o que era apresentado, essas angustias permaneceram até o entendimento de que todas as propostas deveriam priorizar as suas experiências de vida e partir desses saberes pontuar os conceitos.
Em vários momentos, pensava o que deveria ser feito para aproximar os projetos, temas e conceitos das experiências dos alunos e apenas me ocorreu para que isso acontecesse, eles deveriam vivenciá-los. Esta era a idéia principal: vivenciar o que, talvez, alguns alunos nunca tivessem vivenciado. Se os princípios da Economia Solidária tinham que ser “sentidos” a ordem era “vamos viver”!!!
Descobri que os recursos pedagógicos seriam os meus maiores aliados neste processo tínhamos que ver, sentir e tocar, para criar um interesse e proporcionar aos alunos reflexões sobre seus conceitos e pré conceitos que eram apresentados no dia a dia em sala de aula. O conceito de pesquisa-ação de Helena Singer foi um grande aliado para as idéias que pretendia propor, pois, fazer uma reflexão sobre minha formação e o quanto a exploração de idéias e práticas são importantes para o processo de ensino aprendizagem, proporcionou mudanças significativas na minha prática.
Os projetos desenvolvidos tiveram a participação efetiva e ao longo do ano letivo os alunos praticaram a autogestão e mesmo quando criticadas ou quando as dificuldades apareciam tínhamos a possibilidade de refletir sobre tudo. Algumas ações como educadora foram repensadas, refeitas, descartadas ou repetidas e isso foi um diferencial incrível, como por exemplo, quando desenvolvemos o trabalho que conceituava a sustentabilidade, este nos levou ao aprofundamento dos conceitos de migração e relações de trabalho.
Os temas: migração e relações de trabalho trouxeram para a sala de aula vários momentos significativos, pois, as lembranças de suas origens e as experiências profissionais ao longo da vida, eram relatadas com os mais diversos sentimentos. Foi necessário muito cuidado e sensibilidade para sistematizar esses significados, para não torná-los apenas resultados históricos. Mesmo entendendo os fatores sociais, econômicos e políticos dos períodos, era importante também tratar o assunto de maneira individual, pois cada aluno tinha a sua história, que com certeza era para ele, mais significativa do que a do outro.
De todos os desafios, discutir sobre os princípios da Economia Solidária, como: sustentabilidade, colaboração, autogestão e principalmente os empreendimentos solidários, sem dúvida foi o mais difícil, sentia uma rejeição significativa dos alunos que não acreditavam nos princípios e duvidavam que no mundo “real” pudessem existir pessoas que se uniam com um objetivo comum e sobreviviam com base nesses princípios.
É difícil fazer uma análise do quanto este desafio obteve resultados satisfatórios, porém, é notório que ter realizado a “I Feira de Trocas no Município de Suzano”, baseado nos princípios da Economia Solidária trouxe uma vivencia que os alunos não esquecerão e não conseguirão negar que é possível as pessoas terem um objetivo comum e trabalhar para a realização dele, pois os alunos vivenciaram esta prática.
A jornada foi longa e não posso afirmar quem aprendeu mais, professora ou alunos, mas descobri que aprender junto, ao contrário do que pensava antes, é possível e muito prazeroso. Como aluna, reaprendi muitas coisas, inclusive a refletir mais sobre minha prática, como professora, em sala de aula, me tornei em muitos momentos, uma aluna aplicada.
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- [1]Foi criado pelo professor belga Georges Cuisenaire Hottelet, que, durante 23 anos, o estudou e o experimentou na aldeia belga de Thuin. Feito originalmente de madeira, o Cuisenaire é constituído por modelos de prismas quadrangulares com alturas múltiplas da do cubo – representante do número 1 – em 10 cores diferentes e 10 alturas proporcionais.↩
- [2]Corredor ecológico ou corredor de biodiversidade é o nome dado à faixa de vegetação que liga grandes fragmentos florestais ou unidades de conservação separados pela atividade humana (estradas, agricultura, clareiras abertas pela atividade madeireira, etc.), proporcionando à fauna o livre trânsito entre as áreas protegidas e, conseqüentemente, a troca genética entre as espécies. Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. 20 de março de 2012.↩