I Feira de Trocas do Município de Suzano

Ficha Síntese da Prática Pedagógica

Objetivos da Prática Pedagógica:
Executar e produzir com o conceito de autogestão e de maneira colaborativa os produtos e decisões sobre toda a estrutura e organização da Feira de Economia Solidária.
Característica do grupo a quem foi aplicada a prática:

Os alunos da unidade escolar EMEIF Amália Maria de Jesus do Termo II (3ª e 4ª série) tem entre 21 e 63 anos, dos que nasceram em regiões nordestinas a maioria reside em São Paulo a mais de 20 anos. Poucos nasceram em São Paulo ou Suzano.
A escola é de Educação Infantil o que descaracteriza o trabalho da Educação de Jovens e Adultos em muitos aspectos. Temos problemas de mobiliário e até mesmo um simples espaço para expor nossas atividades. Nosso sonho é estar inserido em um local com outros jovens e adultos ou ter na nossa unidade outros alunos da EJA.

Dinâmica de trabalho adotada na prática pedagógica:
Dinâmica de Grupo para discussão de colaboração e capitalismo.
Discussão sobre o Vídeo “Maristas”
Produção de Mosaicos;
Organização da Feira de Trocas;
Organização das Equipes de trabalho;
Participação da Feira de Trocas.

Recursos necessários para aplicação:
Bexiga;
Equipamento de áudio e vídeo;
Papelaria Diversa;
Quadros;
Cola;
Parceria com a Secretaria de Segurança Alimentar e Nutrição e de Agricultura e Abastecimento

Breve currículo do autor da prática pedagógica:
Márcia Felomena –  Formação: Magistério, Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), Mogi das Cruzes
Formação Acadêmica: Pedagogia
Universidade Braz Cubas
Pós Graduação: Especialização em Políticas Pública e Educação Inclusiva
Universidade Bagozzi

Introdução

Em um dos momentos de descontração retornando da Universidade Federal do ABC, nós professores que cursamos a pós-graduação Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária, fomos comunicados pelas professoras Lilian e Sandra Ghorete da idéia de realizar uma feira de Trocas com os alunos da Educação de Jovens e Adultos que durante o ano letivo de 2011 tiveram na matriz curricular princípios da Economia Solidaria em atividades realizadas nas oito salas de aula do município de Suzano.

Nossa intenção era finalizar o ano com “chave de ouro”, materializando com os produtos produzidos pelos alunos, os conceitos que aprendemos durante o ano.

Cada professora idealizou como desenvolveria em sala a idéia e a organização dos trabalhos, para que o evento se tornasse um marco, e apenas o primeiro entre muitos que desejamos futuramente realizar.

Objetivo:
Executar com conceito de autogestão e de maneira colaborativa os produtos e decisões sobre toda a estrutura e organização da Feira de Economia Solidária.

Procedimento:
Antes de comunicar ou dar qualquer explicação sobre o evento da Feira de Economia Solidária aos alunos, realizamos uma dinâmica (sugerida pela professora Lucia Rosa) para discutirmos o princípio da colaboração entre o empreendedor da Economia Solidária e o principio de competitividade que envolve o empreendedor capitalista.

Os alunos tiveram bexigas amarradas na perna e foi dado um único e simples comando: Ao final da música quem estivesse com a bexiga cheia ganharia uma caixa de bombom.

Ao iniciar a música os alunos ficaram alguns segundos parados, mas assim que a aluna Rosemeire teve a iniciativa de estourar a bexiga do Astrogildo começou uma corrida alucinada entre todos, um tentando estourar a bexiga do outro.


(foto da dinâmica)

Durante a agitação e correria nenhum aluno percebeu que o aluno Edvaldo não tentou estourar a bexiga de ninguém apenas proteger a sua.
Quando a música terminou todos que estavam no pátio da escola, estavam com suas bexigas estouradas, mas surge de uma sala o Edvaldo com sua bexiga intacta. Todos caíram na risada em ver sua esperteza.

Como combinado entreguei a caixa de bombom para o aluno que estava com a bexiga cheia, imediatamente o aluno dividiu os bombons com todos os outros.

A primeira questão levantada foi:

  • Em algum momento foi dado o comando de estourar a bexiga do outro? Porque tiveram essa atitude?

O aluno Lucas achando graça sobre a questão, respondeu que foi a forma que ele encontrou de ser o único a ganhar a caixa.

  • Perguntei caso fosse o único se teria dividido, assim como fez o Edvaldo, a caixa de bombom. A resposta foi afirmativa. Fiz um gesto para que os alunos refletissem sobre o porquê de tanta correria para estourar a bexiga do outro.
  • Perguntei então se eles perceberam o que possibilitou o sucesso do Edvaldo em ser o único com a bexiga sem estourar.

A aluna Roselma dando risada falou: “Claro professora, o sujeito não tentou estourar a de ninguém, ficou escondido e protegeu a sua”
O aluno Lucas imediatamente interveio dizendo: “Não valeu professora ele se escondeu!!!!”

Então comentei que no comando não foi dado nenhuma regra inclusive nem a de estourar a bexiga de ninguém. Todos riram.

Dando continuidade as reflexões, fiz um comparativo dizendo qual a atitude do empreendedor em relação à concorrência. Se ele estouraria a bexiga do outro ou cuidaria da própria bexiga. Alguns alunos responderam que com certeza estouraria a do concorrente, para alguns alunos o empreendedor protegeria sua bexiga. Então usamos o conceito de competitividade. Fomentei outra discussão perguntando se todos os empreendedores colaborassem entre si protegendo um a bexiga do outro o que aconteceria. Os alunos responderam que provavelmente todos ganhariam. Então usamos o conceito de cooperação.

Ao retornarmos para a sala de aula assistimos ao vídeo “Maristas” (Instituto Marista de Solidariedade) e durante a apresentação fizemos pausas para comentar sobre a organização e trabalho desses empreendedores de Economia Solidária.

Ao finalizar comuniquei aos alunos sobre a Feira de Economia Solidária e se os mesmos gostariam de participar. A aceitação foi imediata e o primeiro passo foi dado para a realização deste evento.

Em outra aula, começamos a discutir os produtos a serem comercializados na feira, devido ao curto tempo e a impossibilidade de gastos os alunos sugeriram que vendêssemos os quadros de mosaicos que já tínhamos planejado produzir, muito antes da feira. Agora, nossa preocupação seria com os recursos já que tratando-se de uma Feira de Economia Solidária teríamos que utilizar materiais que representassem nossa preocupação com os aspectos da sustentabilidade do nosso planeta. Então os alunos escolheram papéis e resíduos sólidos para a confecção dos mosaicos e começamos a produção.
 

 
(confecção do mosaico pelos alunos)

Apesar de individual (cada aluno montava seu quadro) a colaboração em recortar e colar foi espontânea.

No decorrer do processo a cada reunião de pólo, tínhamos ações para executar em sala com os alunos. A próxima era escolher um aluno que representasse a moeda social da feira.

Antes de falar sobre a moeda social realizamos uma atividade sobre o processo histórico da moeda no Brasil. Foi apresentada um linha do tempo com o nome de moedas que circularam no Brasil, desde a primeira moeda, antes de ser produzida no Brasil vinda de Portugal até momentos históricos que estavam inseridos nas mudanças de nomenclatura e valores da nossa moeda.

O aluno Astrogildo comentou sobre sua coleção de moedas antigas e que traria na próxima aula para que todos vissem. Seu Manoel a cada nome relembrado fazia questão de dizer que lembrava muito bem sobre o momento histórico e a moeda.

Em seguida foi apresentado o conceito da moeda social utilizado em empreendimentos de economia solidária e que teríamos que escolher um aluno que representasse a nossa unidade escolar. Os alunos decidiram escolher o aluno mais velho entre a turma do Termo I e Termo II. Seu José Ferreira foi escolhido e várias brincadeiras foram feitas entre os alunos para saber “quanto valia o seu José”.


(José Ferreira aluno escolhido para moeda social no valor de 5,00 SEJA)

Começamos a confecção da moeda social que foi criada individualmente para em seguida realizar uma votação.
 
(Moeda social confeccionada) (votação para escolha do modelo moeda social)

Os alunos tiveram um pouco de dificuldade em sugerir o nome da moeda, então ao ser sugerido por um aluno o nome SEJA (Solidariedade Educação de Jovens e Adultos) imediatamente todos aceitaram. Neste momento, comentei que em uma discussão temos que nos esforçar para oferecer o máximo de idéias para que de fato tivéssemos uma eleição legítima e principalmente participar de todo o processo de execução de um trabalho ou projeto, como era o caso da nossa Feira.

Os alunos do Termo II confeccionaram 17 quadros tamanho médio e os alunos do Termo I confeccionaram 9 quadros pequenos com desenhos moldados. Em reunião no pólo de Suzano decidimos que cada barraca teria 10 produtos de troca para que todos os alunos que participassem do processo tivessem garantido sua troca.

Em sala decidimos os quadros que seriam para troca e começamos uma discussão interessante sobre os valores dos quadros.

Com todos os alunos do Termo I e Termo II, foram apresentados dois conceitos: o que seria valor justo (Economia Solidária) e o valor lucrativo (Capitalismo). Apresentei os valores de custo do quadro calculando o quadro médio e os recursos utilizados para o mosaico, havíamos gasto R$6,30 (seis reais e trinta centavos) no quadro médio e R$ 3,40 (três reais e quarenta centavos) no quadro pequeno, fomentei uma discussão para que os alunos calculassem o valor da força de trabalho.

O primeiro aluno a se posicionar foi o Edson, que é proprietário de um empreendimento de pequeno porte, sua colocação foi segura que não podíamos vender por mentos que R$15,00 (quinze reais). Lucas imediatamente afirmou que não compraria por mais de R$5,00 (cinco reais).

Percebi que havia uma colocação que visava o lucro e outra a desvalorização da força de trabalho. Não fiz comentários nesse primeiro momento, apenas incentivei os alunos para decidirem o “valor justo” deixando claro que se tratava de uma Feira de Economia Solidária e que tudo que havíamos discutido sobre os empreendimentos solidários tinham princípios claros sobre o planejamento e participação de todos nas decisões. Como o Edson tem uma liderança em relação a sala todos concordaram que o valor justo seria R$ 15,00 para o quadro médio e R$12,00 para o quadro pequeno.

Alguns dias depois, após discussões no pólo retornei a discussões sobre os valores dos quadros e ao colocar todos expostos na sala fiz a seguinte pergunta: Como consumidores vocês pagariam R$ 15,00 os quadros médios e R$ 12,00 nos quadros pequenos? Minha intenção não era desvalorizar o trabalho dos alunos nem obrigá-los a mudar suas posições, mas ao fazer este questionamento os coloquei na situação contrária, deixaram de serem empreendedores para serem consumidores.

A reação foi incrível eles se assustaram com a pergunta e levaram alguns segundos para se manifestarem. A aluna Rosemeire foi a primeira dizer “Sinceramente, professora não pagaria”, após esta afirmação os demais também se colocaram concordando com a afirmação da aluna. Lucas logo disse: Eu disse que não vale mais que R$ 5,00 (cinco reais).

Tive que interferir dizendo que não deveríamos para desvalorizar o trabalho de ninguém. Calculamos novamente o custo e os alunos perceberam que os valores anteriores estavam com um valor que era o dobro do que havíamos gasto e isto deixava os produtos super valorizados. Então foi sugerido pela aluna Roselma que vendêssemos a R$12,00 (doze reais) o quadro médio e R$ 8,00 o quadro pequeno. Os alunos questionaram se deveríamos mudar os valores durante a feira, caso não conseguíssemos vender. O que foi combinado com todos os alunos.

No decorrer do processo os alunos foram orientados o tempo todo sobre como seria o funcionamento da Feira de Economia Solidária de acordo com as reuniões no pólo de Suzano.

As equipes de trabalho foram organizadas, tínhamos que ter uma equipe para montar a barraca, outra para trabalhar durante a feira e uma terceira para desmontar a barraca. Ficou claro que nosso objetivo era confraternizar com todos os alunos da rede municipal de ensino que estavam inseridos neste projeto e participar de um sistema de empreendimento solidário. Em um desses momentos discutimos o que seria feito com os valores arrecadados na feira e os alunos, lembrando que nossa formatura estava próxima, resolveram que seria investido na Colação de Grau.
No dia da Feira as equipes compareceram e participaram de forma efetiva, mas logo no inicio da feira a equipe de trabalho, começou a discutir se os valores dos quadros não estavam muito acima dos valores das outras barracas, apesar de serem produtos diferentes, estavam muito a baixo dos nossos valores. E antes que eu percebesse, eles já haviam decidido abaixar os preços, passando a R$ 8,00 (oito reais) o quadro médio e R$ 5,00 (cinco reais) o pequeno. No final da feira já estavam vendendo a R$ 5,00 (cinco reais) o médio e R$ 3,00 (três reais) o pequeno. O importante é que tendo uma ação auto gestionária, primeira vez não perguntaram para mim, decidiram entre eles e apenas comunicavam a mudança.

Fizemos todas as trocas e vendemos todos os quadros, os alunos gostaram muito, conheceram outros alunos e a todo o momento chegavam parentes e amigos para prestigiarem a feira e os produtos dos alunos.

 

 
(Alunos organizando a barraca da feira)

 
(Professoras e alunos organizando a barraca)

 
(Alunos trabalhando na feira e consumidores)

 
(Alunos trabalhando na feira e consumidores)

Avaliação Crítica

O processo de organização e produção da Feira foi realizado com a efetiva participação dos alunos e todas as decisões foram temas para votação em que cada aluno estava inserido e era o protagonista de todo o evento.

Em sala avaliamos o evento e a participação de todos, chegamos à conclusão que o valor arrecadado de R$ 44,50 (quarenta e quatro reais e cinqüenta centavos) foi baixo devido a produção de um quadro por aluno não tendo uma diversificação de produtos como tinha em outras barracas. Mas os alunos não se frustraram, afinal não fomos com intenção de lucros, queríamos vender os quadros, fazer as trocas e participar efetivamente da feira.

Alguns alunos fizeram críticas achando que alguns produtos de outras barracas estavam super faturados e que essas barracas não tiveram a mesma ação que eles em baixar o preço. De um modo geral foi um sucesso o mais interessante foi a atitude do aluno Edson (o proprietário de um empreendimento) que compareceu a feira comprou o quadro que o aluno Manoel havia feito e presenteou o mesmo com um gesto maravilhoso de respeito e solidariedade.

O conceito de Autogestão foi exercido quando as discussões se tornavam amplas e decisivas entre os alunos para chegar a um consenso.
Mas de todos os aspectos que poderiam ser avaliados acredito que o evento da Feira foi o momento mais importante e prazeroso, quando os familiares e a comunidade do entorno da escola compareceu, percebi que os alunos não apenas valorizaram o projeto e suas produções, como fizeram questão que todos presenciassem o resultado.

Com certeza finalizamos o ano letivo com a merecida confraternização que materializou o principio da colaboração e autogestão que na Economia Solidária são princípios importantes para que todos participem de forma efetiva e digna.

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