Solução de situações-problema inspirando-se nos princípios solidários

Ficha Síntese da Prática Pedagógica

Objetivos da Prática Pedagógica:
Propor situações-problema que levem os educandos a uma solução, inspirando-se nos princípios solidários, valores e práticas da economia solidária, valorizando a cooperação e autogestão.

Característica do grupo a quem foi aplicada a prática:
Classe de Pós-alfabetização /Jovens e Adultos –, composta por 15 alunos, na faixa etária entre 24 e 68 anos. Desta turma um aluno apresenta comprometimento intelectual, a maioria oriunda do nordeste do país com conhecimentos prévios sobre o assunto.

Dinâmica de trabalho adotada na prática pedagógica: Roda de conversa com os alunos sobre suas histórias de vida no Norte e Nordeste do país conduzindo para o assunto que seria abordado. Na lousa, mapa da Bahia com as fotos dos alunos em suas respectivas cidades e/ou proximidades. Leitura e discussão da situação-problema. Reescrita coletiva do texto.

Recursos necessários para aplicação:
lousa, giz, caderno, cartolina, mapa da Bahia ampliado, fotos dos alunos e lápis.

Breve currículo do autor da prática pedagógica:
Maria do Socorro Albuquerque – Assistente Pedagógica da educação de Jovens e Adultos de Santo André, professora do Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano na Rede Estadual de Ensino. Graduada em Pedagogia com Pós-graduação em Psicopedagogia. Tendo 23 anos de magistério na rede estadual e 12 anos na Prefeitura de Santo André como professora 9 anos e como Assistente Pedagógica há 3 anos.

DESENVOLVIMENTO

A atividade foi realizada com dois professores, a titular da classe e Coordenador de Serviços Educacionais/EJA de 12 escolas da Rede Municipal de Santo André.

Na aula da professora Sônia Kruppa, foi sugerido pela mesma a preparação de uma aula dialogada entre participantes da Educação de Jovens e Adultos e as discussões realizadas na I Oficina Nacional de Formação/Educação em Economia Solidária, realizada em Brasília, no ano de 2005, esta atividade deveria estar atrelada a um trecho ou tópico do documento em questão. Como assistente pedagógica, pensei inicialmente em fazer uma formação com os professores da EJA II (antiga 5ª a 8ª série), e já estava preparando o material (que será utilizado posteriormente), foi quando fomos, alunos e professores a um evento cultural: “O Canto do Sertão”, onde foram tocadas músicas nordestinas e os alunos gostaram muito. Na semana seguinte, em Reunião Pedagógica Semanal, quando fui fazer a avaliação do passeio com as professoras para saber se os alunos gostaram, uma das professoras cursista do nosso pólo nos relatou sobre uma conversa que teve com uma aluna que falou sobre sua mocidade na Bahia (Estado que estamos estudando para Feira Cultural da EJA de Santo André em novembro), esta aluna relatou vários aspectos da sua cidade no sertão da Bahia e aspectos culturais da região, continuando colocou que quando se referiu ao sertão nordestino em uma de suas aulas um aluno achava que sertão era só em Pernambuco, já foi um disparo para que iniciasse um trabalho com o mapa do Brasil, mostrando as regiões, de onde cada um era e o tamanho de cada região.

Daí surgiu-lhe a ideia de preparar a aula da professora Sônia, considerando estes aspectos, e combinamos de prepararmos juntas e aplicarmos em sua classe.

Li novamente o artigo da I Oficina nacional de Formação/ Educação em Economia Solidária, para escolher um trecho que fosse associado a nossa aula, que tinha como objetivo criar uma situação-problema em que os alunos juntos discutissem uma solução, pensando nos princípios solidários, ou seja, que os alunos tivessem pensamentos solidários para resolver a situação posta.

Encontrei no trecho PRÍNCIPIOS DA EDUCAÇÃO/ FORMAÇÃO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA subsídios que se atrelavam aos nossos objetivos, onde discorre sobre os processos educativos/formativos, valores e práticas da Economia Solidária, inspirados na cooperação e autogestão partindo de estudos de casos, contrapondo-se aos princípios da competição e do individualismo, propiciando a sobrevivência e a melhoria da qualidade de vida, construindo novas relações entre as pessoas e, entre elas e a natureza, salientando que as práticas educativas buscam o reencontro dos seres humanos consigo mesmo, com o planeta e com o universo. Ao resgatar valores e práticas que nos encaminham para o exercício de uma ética calcada numa solidariedade consciente; as práticas educativas/formativas que se espelham nos princípios da Economia Solidária, contribuem para a autoestima do grupo de trabalhadoras e trabalhadores e na EJA é necessário ser inserido em seu currículo novos caminhos para estes educandos que só conseguem enxergam sob uma óptica capitalista, não por que querem, mas porque lhes são impostos conteúdos que os levam a este caminho, necessitam com urgência encontrarem outro caminho que não seja o capitalismo e é na escola que podemos fazer esta transformação com conhecimento do assunto, realismo e respeito aos mesmos como seres humanos carentes de uma cultura atualizada, e é na lógica da Economia Solidária que podem transformar o mundo em que vivem/sobrevivem.
As ações pedagógicas percorrem caminhos que propiciam a reintegração dos saberes que o capitalismo fragmentou, articulando-os às práticas cotidianas de vida e trabalho, de maneira a favorecer o nexo entre ação/reflexão/ação. Indo além do ativismo e da mera “ação-militante”, cabe aos educadores buscar os meios para incorporação de referenciais teórico-metodológicos que ajudem na compreensão e transformação da realidade, estimulando a criação de novos conhecimentos que possam ressignificar valores e práticas sociais.

Os processos educativos fundamentam-se no exercício prático da democracia, contribuindo para que todas as pessoas envolvidas, reconhecidas como sujeitos de conhecimento, possam resgatar os sentidos do trabalho, construindo sua autonomia como atores econômicos, construtores de história e de cultura. Concebidos, também, como processo de trabalho, os processos educativos promovem a construção coletiva de conhecimentos e de novas práticas sociais.

Talvez ou com certeza me estendi muito neste trecho, mas foi um dos que mais me tocaram e sempre me dará forças para que este curso não fique só no papel.
Segue a aula:
REGISTRO DA AULA

Texto:

ALGUNS MORADORES DA ZONA RURAL DE UM PEQUENO MUNICÍPIO NO OESTE BAIANO ESTÃO COM UM PROBLEMA.
O AÇUDE QUE ABASTECE A REGIÃO APRESENTOU PROBLEMAS NA BARRAGEM DE CONTENÇÃO, MUITO ANTIGA E RUDIMENTAR.
ESSES MORADORES DEPENDEM DO AÇUDE E POR ISSO PRECISAM SE REUNIR PARA JUNTOS SOLUCIONAR O PROBLEMA.
• SEU JOVELINO CRIA CABRAS E VENDE SUA PRODUÇÃO DE LEITE PARA UM LATICÍNIO QUE FICA NA CIDADE VIZINHA.
• DONA JUVÊNCIA TAMBÉM CRIA CABRAS, MAS EM PEQUENA QUANTIDADE. ELA FAZ QUEIJOS QUE SÃO VENDIDOS NA FEIRA DA PEQUENA CIDADE PRÓXIMA DAS SUAS TERRAS. OS QUEIJOS SÃO UMA PRECIOSIDADE E JÁ NAS PRIMEIRAS HORAS DO DIA JUVÊNCIA VENDEU TODOS.
• SEU ALTAMIR E DONA NENA PRODUZEM EM SEU PEQUENO SÍTIO PRODUTOS COMO ABÓBORA, MANDIOCA E VERDURAS. ELES TÊM AINDA UMA MODESTA PRODUÇÃO DE FRUTAS.
• MARGARIDA E ANTONIO TODO ANO CAPRICHAM NO ROÇADO DE MILHO E FEIJÃO. FORA ISSO ELES AINDA CRIAM PORCOS.

Iniciamos a aula com os alunos e professora sentado em círculo. A professora iniciou a aula explicando como seria a atividade.
Na lousa havia um mapa do estado da Bahia com os apontamentos de onde os alunos haviam nascido com suas fotos. Em seguida fez a leitura de um texto que apresentavam uma situação onde os alunos precisavam opinar para discutirem de maneira coletiva o problema. A situação de conflito do texto era basicamente em torno da barragem da cidade que estava próximo a se romper. Quatro famílias moram perto da barragem e eles devem discutir como solucionar esse problema. Os alunos fazem uma explicação sobre o que é uma barragem a meu pedido:

Educando 1: “barragem uma espécie de ¨corgo¨ que a pessoa represa para utilizar a água para molhar as plantas.

Educando 2: é isso mesmo a barragem é feita com pedras colocadas em cima umas das outras até represar a água”.

Educando 3; “é perigoso. Da pra mergulhar e tudo, mas se cair dentro adeus”.

Educando 1: “tem lugar que é feito de maneira diferente. O fazendeiro procura uma área grande e o trator cava, cava até fazer um buraco. Depois cimenta esse buraco. Depois vem a água da chuva e enche o açude. Quando tem muita chuva e a barragem não agüenta a barragem estoura e a água vaza. Ai é só ficar lá embaixo esperando pra pescar as piabas e os peixinhos”.

Educando 4: “é parecido, só que é feito tipo um ¨sangrador¨ pra quando chove muito a água sai e a barragem fica.”

Após ler o texto, a professora pergunta: Qual é problema dos personagens do texto?

Educando 5: a barragem está ruim

Educando 6: a estrutura da barragem não está boa.

Educando 7: esse era um grande medo do meu pai, mas ele fazia um “reguinho” da barragem até chegar na horta para molhar as plantas.

Educando 1: os quatro sitiantes vão cavar e encontrar um “minadorou” até achar água pra usar.

A professora retoma o texto e diz: o problema não é falta de água. O problema é que a barragem está com várias rachaduras.

Educando 2: é necessário fazer os remendos para reforçar. Tem muita vez que não da tempo estoura e seca.

Educando 3: quando alguém percebe que a barragem vai quebrar, alguém avisa os vizinhos e todo mundo vai lá junto ajudar a concertar a barragem.

Pergunto : se a barragem se romper o que faz?

Educando 2: junta a comunidade todinha pra ajudar. Até o padre. A união faz a força.

Educando 5: lá no norte todo mundo ajuda tudo. Aqui em são Paulo que todo mundo é estranho.

Educando 2: onde eu morava era na roça e então resolveram fazer um açude. O governo contratou uma turma de mulheres para construir um açude. Nós íamos atrás das pedras para trazer no braço. Quando a pedra era muito pesada fazia uma “rudia” de pano para carregar a pedra na cabeça.

Educando 3: se ver o serviço daqui é mais pesado do que no norte. Aqui acorda muito cedo.

Educando 5: a diferença é que nós trabalhávamos naquilo que era da gente.

Educando 2: lá era melhor quando chove ninguém trabalha. Se chover o mês todinho não trabalha os 30 dias.

A professora se coloca: “então nós temos duas propostas: procurar uma outra mina e fazer um novo açude ou juntar todos e concertar a barragem.

A próxima pergunta é: como essas família conseguem se manter ?

O seu Jovelino cria cabras. Se ele tem umas 300 cabras como ele vai fazer?

Educando 1: é fácil junta as cabras, separa os filhotes, tira o leite de um lado sai o leite e do outro sai o requeijão

Educando 3: não depende só do queijo e nem só do leite. Aqueles que são fêmeas eles ficam pra produzir mais e o macho vende pra fazer mais um dinheiro. De vez em quando come um cabritinho.

Professora: Seu Altamir e D. Nena tem uma pequena produção de alimentos.

Alunos: eles vendem. Tudo esse é mais simples.

Educando 4: colhe os alimentos, coloca na bruaca, põe no cavalo e vai vender.

Educando 6: tudo isso aí nós fizemos também. Eu trabalhava na orça. Criava ovelha, alimentos. Vendia e comia.

Educando 2: é simples: negociava. Às vezes trocava um burro por um saco de feijão e ia trocando tudo as coisas que não tinha. Faz rolo. Minha fazia rapadura e trocava por feijão.

Educando 7: as vezes não importa se a coisa tem mais valor. Se tivesse precisando da outra coisa troca pra não ficar com fome.

Educando 2: as vezes pega uma coisa de um barato e vai vender lá no centro bem mais caro.

A professora retoma: cada um produz uma coisa diferente assim como vocês estão falando e em seguida ela faz a última pergunta:

Como eles podem juntos melhorar a qualidade de vida de cada família nessa comunidade?
Mesmo que eles já vivem bem cada um na sua roça, como eles podem se ajudar e melhorar?

Educando 1: cada um ajuda o outro com aquilo que não tem ou paga por aquilo que não tem. Pode ser também que troca uma coisa por outra.
Educando 6: quando não tinha arroz pra plantar, eu ia lá no vizinho e trocava a semente de feijão por arroz.

Professora: seu Jovelino vende o leite que ele produz para o laticínio, mas o dono do laticínio não quer pagar o preço justo. O que ele faz? Pensando no Jovelino, no Juvêncio. Um produz leite e outro faz queijo mas não tem leite. Como eles podem fazer?

Educando 2: eles podem fazer uma parceria. Como o leite de um pouco e do outro mais, pega o leite do outro e faz os queijos.
Educando 5: quem tem mais leite tem que ganhar mais?
Educando 3: mas fazer o queijo dá um trabalho! Pode ser divido igual o dinheiro.

Professora: E o saber de fazer o leite não vale nada? O esforço não vale nada? O sabor que vocês tem pode valer muito. Por exemplo: o Mcdonalds vende sua receita por muito caro o boticário também .

Eu complementei: isso se chama franquia.

Ao meu ver que mais se preocupou com o dinheiro, não achava justo de jeito nenhum sair perdendo e foi um aluno que no início da aula esta “mudo”, quando percebeu que entendia do assunto, que havia vivenciado, como todos, aquelas situações na infância e adolescência começou a colocar-se em todas as questões. Achei bem interessante!

O sinal do intervalo bateu.

Para fechar essa parte do trabalho a professora retoma dizendo as possibilidades do grupo: eles devem ganhar igualmente ou de acordo com a quantidade de leite?

Educando 1: ele paga pra ela ou da uma porcentagem do dinheiro para ela.
Educando 2: tem de dividir separado. Quem tem mais tem ficar com mais.
Educando 3: eu acho que tem dividir igual o trabalho de mexer no leite até virar no queijo é muito.
Educando 2: ela não vai aceitar misturar as coisas não. Quem tem mais não aceita.
Professora: Mas e trabalho de fazer o queijo não compensa a quantidade maior de leite?
Educando 2: não.
Professora: e se ele perceber que vender o queijo dá mais dinheiro que o leite?
Educando 1: o fazendeiro continua pagando para ela fazer o queijo e fica com mais dinheiro. Não da pra misturar quem tem mais com quem tem menos. Ninguém aceita não.

Uma das alunas neste momento nos contou que ia vender farinha com seu pai na feira e o patrão mandava vender por um preço e o pai vendia por um preço mais alto e ficava com o restante do dinheiro, talvez venha daí a falta de confiança.
Educando 5: se ele quer vender queijo que dá mais dinheiro, mas ele não sabe fazer como é que fica?
Educando 3: Dá pra vender o queijo mais caro do que eu disse pro fazendeiro e “embolçar” o resto do dinheiro.
Professora: é possível se juntar com outras pessoas e se trabalhar em parceria todos serem beneficiados. Já existe gente pensando e trabalhando dessa maneira.

Complementei: Mais pra frente a professora vai explicar que existe um jeito de trabalhar sem que ninguém seja prejudicado e todos se ajudem de maneira solidária.

Após o intervalo os alunos fizeram a reescrita desse texto na cartolina:

A professora deu a cada aluno palavras do texto e conforme ia lendo, quem tivesse a palavra ia colocando na cartolina (Atividade de leitura)

Levando em conta que o objetivo seria a discussão coletiva para tomada de decisões, creio que o objetivo foi alcançado, pois foi uma discussão muito rica onde me senti aluna, diante de tantos conhecimentos daqueles alunos. Deram-me uma aula do que era uma barragem!

Foi uma aula riquíssima, que infelizmente os sentimentos não podem ser expressos no papel, me emocionei com a história de vida dos estudantes e tive muito orgulho e privilégio de estar ali naquele momento, foi um presente.

Se formos pensar nos princípios da Economia Solidária, creio que ainda há um caminho a ser seguido, pois não senti muita solidariedade em dividir, principalmente se tratando de dinheiro, acredito que se deve ao fato de viverem num mundo capitalista, onde o individualismo toma conta, aponta para um caminho de procurarmos como educadores formas/estratégias para que estes alunos conheçam o que é uma Economia Solidária, até para uma próxima aula, quem sabe.

O importante é que sinto que a cada dia, a cada texto lido, a cada aula estamos nos apropriando dos princípios da Economia Solidária, principalmente a partir do momento que estamos revendo nossas práticas educativas, pois acredito que para ser inserido a Economia solidária no currículo da EJA, seremos multiplicadores deste processo, não é só chegar e aplicar o conteúdo, tem que acreditar e ter conhecimentos teóricos sobre o assunto.

[…] não podemos, nem devemos nos dedicar, todos, ao mesmo gênero de vida; temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e será preciso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho que nos incube. Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação (Durkheim, 5. ed., p. 26).

 

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