Uma Contribuição à Formação de Jovens e Adultos. Cooperativismo e Organização Social da Produção

Autora: Maria do Socorro Lopes de Albuquerque
Orientador: Ricardo de Souza Moretti.

 

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
  • 1 – UMA ANÁLISE SÓCIO-ECONÔMICA DO ESPAÇO NO TEMPO
    1.1. Compreendendo a realidade local e global
    1.2. Uma análise do neoliberalismo
    1.3. Desigualdade social e concentração de renda no Brasil
  • 2 – A CONSTRUÇÃO DO COOPERATIVISMO SOCIAL
    2.1. Princípios para o cooperativismo
    2.2. Cooperativismo ou precarização do trabalho
    2.3. Por um cooperativismo social do trabalho
  • 3 – EJA: É A CARA DO BRASIL!
    3.1. Sala de aula – o retrato do Brasil
    3.2. Reinventando a sala da EJA
    3.3. A democracia e a solidariedade na EJA
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • APÊNDICES
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

INTRODUÇÃO

Essa monografia é fruto do trabalho desenvolvido ao longo do ano de 2011, com os alunos e alunas da EJA – Educação de Jovens e Adultos, da Escola Municipal Carolina Maria de Jesus e professores, situada no Jardim Santo André, Município de Santo André, Estado de São Paulo.
No primeiro capítulo Uma análise sócio-econômica do espaço no tempo, foi relevante atribuir um papel estratégico aos jovens e adultos, pois, a contribuição com o desenvolvimento solidário e comunitário exigiu aprofundamento teórico-metodológico acerca do sistema mundial moderno, ou seja, do capitalismo. Porém, foi necessário propor alternativas a esse modelo econômico e social vigente no universo globalizado.
Assim, esta pesquisa apresentou tanto a economia quanto o cooperativismo e a organização social da produção como subsídios para a construção de uma educação voltada para a economia solidária de jovens e adultos no Pólo Educacional de Santo André.
Desse modo, por meio dos trabalhos desenvolvidos no Pólo Educacional de Santo André os educadores puderam perceber e compreender tanto a realidade da comunidade local quanto global. Ao partir da hipótese de que uma economia local solidária só é possível com a capacitação de um grupo de jovens e adultos na compreensão do mundo do trabalho, sua organização social e apropriação dos meios de produção, foram possíveis propor ações de intervenções no sentido de melhorias e qualidade de vida dessa população que está à margem do centro econômico.

O segundo capítulo apresenta A estruturação do cooperativismo social, os princípios para a construção de uma organização social do trabalho foram analisados e trabalhados com os Professores e Alunos do Pólo de Educação de Santo André. A discriminação de gênero, “raça” e sócio-econômica foi discutida e foram colocados em prática modelos democráticos de igualdade, direito e autonomia nas decisões.

No último capítulo EJA: é a cara do Brasil! As diferenças culturais dos migrantes nordestinos, nortistas e do interior do Estado de São Paulo e de outras regiões do país apresentou um mosaico considerado o retrato do Brasil. Suas múltiplas linguagens e hábitos, suas manifestações e construções são valores que podem ser observados na região. Por serem trabalhadores braçais como: domésticas, pedreiros, serventes de pedreiros, carpinteiros e marceneiros que podem ser considerados verdadeiros artistas e construtores.

Porém, a vulnerabilidade de jovens e adultos nas periferias dos grandes centros econômicos e industriais resulta em mínimas oportunidades de emprego e renda a esses cidadãos e cidadãs com poucas oportunidades e acessos a centros culturais e educacionais de convivência e exercício da cidadania plena.

Portanto, buscou-se dialogar e conceder oportunidades aos jovens e adultos por meio de projetos relacionados à Educação e a economia solidária. Valores éticos, estéticos e o conhecimento da sociedade local são instrumentos para se compreender e agir no mundo. Assim, a contribuição com os jovens e adultos ocorreu no sentido de empreendimentos ligados ao cooperativismo no local em que vivem para que possam identificar seus problemas, descobertas e projetos relacionados à economia solidária. Essa é uma possibilidade para se tornarem pesquisadores sociais.

É possível que empresas comunitárias de trabalhadores socializados com o capital e os meios de produção, possam ter uma organização submetida aos princípios do cooperativismo e do poder soberano dos associados por meio de eleições e mandatos democráticos, liberdade de ingresso e retirada dos associados sem ferir os direitos dos cooperados. Destarte, uma assembléia de empresas sociais e autônomas federadas, isto é, grupos de trabalhadores organizados podem contribuir com a economia dos gastos com despesas, tais como: comércio, contabilidade, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico. Com esses objetivos, podem-se diminuir também as desigualdades e solucionar os agravamentos econômicos em tempos de crise. Em parceria com o poder público e a sociedade civil, a pesquisa pode auxiliar o envolvimento e conscientização dos educandos jovens e adultos. E se tornar, dessa maneira, a referência em práticas ligadas à economia solidária influenciando ações sociais, projetos, programas e políticas públicas.

Esse apoio e orientação aos educandos sobre economia solidária em seu planejamento devem partir de um processo de organização social do proletariado. Desenvolver a comunidade local e global é conceder ênfase no empreendedorismo desses jovens e adultos dos grandes centros urbanos. Desse modo, a melhora de perspectiva, de condição social e econômica, com isso, pode ser conquistada. É a qualidade de vida e a conquista da cidadania plena dessa população. Também é preciso um projeto político-pedagógico de desenvolvimento comunitário que priorize esses alunos e alunas como agentes transformadores da sociedade. Para tanto, consideramos algumas prioridades:

1) Conscientização de jovens e adultos ao envolvê-los em projetos relacionados com a economia solidária e a cooperação e organização social da produção;
2) A economia solidária de ver referência em projetos e práticas sociais desenvolvidas pela comunidade local, sociedade civil organizada e poderes públicos locais, estaduais, nacionais e internacionais;
3) Incentivar a mobilização social, a autonomia e a ação comunitária organizada de maneira cooperada e socialmente pelos agentes transformadores jovens e adultos;
4) Contribuir com a formação educacional, geração de emprego e renda de jovens e adultos que estão em situação vulnerável;
5) Subsídios aos jovens e adultos nos empreendimentos comunitários, tais como: oficinas educativas, culturais e tecnológicas orientando-os na elaboração e execução de projetos econômicos solidários que possam ser implementados e executados na comunidade e pela sociedade;
6) Assistência a empresas comunitárias e cooperadas de trabalhadores da construção civil, pescadores, marceneiros, artesãos, músicos, artistas, jardineiros, paisagistas etc. que possam elaborar e executar projetos e serviços públicos, sociais e privados;
7) Conceder incentivos fiscais a empresas e comunidades organizadas que contratem esses serviços relacionados à economia solidária.

Desse modo, é considerável que as grandes metrópoles, que atraem necessitados e emergentes fadados a serem excluídos nesse teatro de conflitos, apresentem as resoluções desses problemas. Assim, é relevante a apresentação de projetos voltados aos alunos e alunas da Escola Municipal Carolina Maria de Jesus. Nas aulas da EJA desenvolvemos temas relacionados ao cooperativismo organizado e a economia solidária. Portanto, foi nossa função apresentar a esses jovens um instrumento de compreensão da sociedade com a perspicácia e a criatividade que lhes são peculiares. As características sócio-econômicas do Jardim Santo André foram analisadas num movimento em conjunto com o modelo econômico global representado pelo capitalismo, levando em consideração seus ritmos e mudanças no espaço e no tempo.

É fundamental conhecer tais fenômenos e despertar o olhar crítico desses observadores. Sensibilizar, integrar, informar, ler o universo e intervir conscientemente são pressupostos relevantes para uma mudança significativa. Somente o conhecimento pode ajudá-los a conhecer e agir no mundo. As referências são ferramentas indispensáveis para refletir acerca da cidadania, do trabalho, do consumo, da economia, da cooperação, da socialização, da educação, da preservação e desenvolvimento sustentável.

1 – UMA ANÁLISE SÓCIO-ECONÔMICA DO ESPAÇO NO TEMPO 

1.1. Compreendendo a Realidade Local e Global

A produção de conhecimentos teórico-metodológicos, por meio de pesquisas acerca da realidade local e global do sistema capitalista, fornece as bases para uma economia solidária entre esses jovens e adultos. Dessa maneira, acreditamos poder revelar as dificuldades e, consequentemente, as soluções e benefícios que vão intensificar a organização social e a transformação da realidade. Somente por meio da educação acreditamos ser possível um olhar crítico da realidade local. E ao contextualizar provocando inquietação em relação às barreiras e muralhas, pode ser despertada a esperança consciente que colocará abaixo o muro que os divide da camada de privilegiados da sociedade neoliberal.

Concordamos com a historiografia marxista que defende a tese de que o bombardeio e a propaganda da mídia internacional, financiada pela burguesia, nos fez acreditar, por algum tempo, de que havia uma mão invisível que controlaria o mercado e a sociedade. Teorias apresentadas por jornais e revistas fizeram do livre-mercado e do laissez-faire verdades intocáveis. O neoliberalismo econômico tornou-se uma “verdade” oficial. Isso contribuiu para agravar e desenvolver a pobreza, assim como a estrutura de classes.

Em seu livro Economia Espacial (2007) o geógrafo Milton Santos nos apresentou os teóricos defensores do modelo econômico vigente e defensores do planejamento econômico como instrumentos mantenedores do status quo. Defende o autor que a estrutura de classes permanece inalterada nos países desenvolvidos. São teorias criadas e que estão a serviço do grande capital, principalmente dos grandes conglomerados internacionais. Projetos bilionários executados com dinheiro público que, supostamente serviriam para melhorar a vida dessas populações dos grandes centros, mostraram ser mais interessante aos agentes socioeconômicos hegemônicos. Uma parcela significativa da população não tem acesso aos empregos necessários e serviços públicos básicos, tais como: educação, saúde e habitação. Essa sociedade capitalista neoliberal do livre comércio desenvolveu a crise urbana em todo o globo. Em outro trabalho A urbanização brasileira (200l) Milton Santos diz que a cidade moderna apresentou um modelo gerador de pobreza, miséria e violência.

Os resultados das atividades econômicas neoliberais são fatos que se analisados podem nos fornecer os dados por completo da riqueza e sua distribuição nos países que seguiram as orientações do Fundo Monetário Internacional – FMI. O Produto Interno Bruto – PIB e sua renda per-capita, que é a divisão de tudo que se produz no país pelo número de seus habitantes, demonstram a riqueza e sua distribuição social. Porém, a divisão desta soma nos dá um resultado imperfeito, pois, como já defendia em 1908 Schumpeter: “Ninguém dá importância ao pão pela quantidade de pão que existe num país ou no mundo, mas todos medem sua utilidade de acordo com a quantidade disponível para si, e isso, por sua vez, depende da quantidade total” (SHUMPETER: 1908 pg. 213-232).

Desse modo, o que interessa é o perfil dos habitantes de cada país, pois, o país pode ser muito rico e seus habitantes muito pobres, ou seus habitantes podem desfrutar de uma “certa” igualdade social determinada pela política pública de seu governo, ou serem excluídos. Essas questões são analisadas pelas estatísticas, entre elas estão: o P90/P10, ou seja, o índice que mede os 10% da população mais rica de um determinado país e os 10% mais pobres; o coeficiente de GINI; e o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. A política macroeconômica de cada país é relevante, pois ela é determinante para a distribuição de renda entre sua população. Entretanto, a globalização econômica e a interferência de organismos internacionais nas políticas de governos soberanos fazem com que os interesses nacionais sejam deixados de lado em detrimento do grande capital, do pagamento de juros da dívida externa e interna, de acordos bilaterais que prejudicam e levam à falência empresas nacionais, privatizações de setores estratégicos e de interesses nacionais são exigências severas impostas por um modelo hegemônico, centralizador e monopolizador de riquezas.

O Brasil possui desigualdades sociais que resultam no não atendimento das necessidades básicas de sua população. O país está entre os mais desiguais do mundo. No ano de 2001, o coeficiente de GINI era de 0,594, à frente da Guatemala, Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Butsuana, Lesoto e Namíbia. Nas últimas quatro décadas esse índice praticamente permaneceu inalterado. Foi somente a partir de 2002 que esses índices começaram a melhorar. Com o governo do Presidente Lula, o país aliou crescimento econômico com queda no índice de desigualdade. O jornal Folha de São Paulo, em 29 de dezembro de 2006, apresentava queda da desigualdade no Brasil. Segundo o periódico, a diminuição foi significativa e o país apresentava pela primeira vez crescimento econômico com os mais pobres tendo 14,1%, enquanto a média cresceu 3,6% (Cf. Folha Dinheiro: 2006).

Essa melhora foi possível, entre outros fatores, graças a política de transferência de renda por meio do Programa Bolsa Família do Governo Federal. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, a desigualdade entre os trabalhadores economicamente ativos caiu 7% entre 2002-2008. O coeficiente de GINI, no mesmo período, apresentou uma queda na diferença dos rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres de 0, 543 para 0, 505. Porém, para um país deixar de ser “primitivo” é preciso que o coeficiente de GINI esteja abaixo de 0,45 (Cf. IPEA: 2008). Para Márcio Pochman, a alta concentração de renda ainda persiste em nosso país e, consequentemente, a metade da população brasileira recebe em torno de 12,5 da renda nacional, enquanto os 1% mais ricos 13,3% dessa riqueza (Cf. POCHMAN: 2008, p. 3).

Desse modo, concordamos com Carlos Alberto Torres que diz:

Há uma frase em inglês, que foi cunhada pelo movimento ecológico, que diz Think globaly, act localy (pensar globalmente, atuar localmente). Isto é talvez a expressão mais clara da luta política atual. Enquanto os países e os governos vão se transnacionalizando mais e mais, adequando-se a estas contínuas lutas e reacomodações internacionais no sistema do capitalismo mundial, é no nível das municipalidades, é no nível local, que a luta política adquire novas dimensões. TORRES, Carlos Alberto. “Estado, políticas públicas e educação de adultos”. IN: GADOTTI, Moacir. ROMÃO, José E. Educação de Jovens e Adultos. Teoria, prática e proposta. (São Paulo: Cortez; 2011 p. 33).

 

1.2. Uma análise do neoliberalismo

O sistema econômico mundial moderno preserva uma estrutura de classes nos países subdesenvolvidos. Essa estrutura só se mantém com as teorias econômicas a serviço do capital internacional. O geógrafo Milton Santos, em seus ensaios, sempre buscou apresentar alternativas fundamentadas nas especificidades e particularidades das sociedades. Porém, as teorias econômicas, para esse autor, colocadas “sem recato maior ao serviço exclusivo do capital e, sobretudo do capital internacional, mostraram-se indiferentes à sorte da grande maioria das coletividades nacionais do Terceiro Mundo” (SANTOS: 2007, p. 11). Desse modo, é preciso apresentar alternativas importantes para essas sociedades. Pois, essa é a posição de Milton Santos que na especificidade de “nossos países e preocupada em atribuir à maioria das populações interessadas aqueles bens, serviços e valores que restituam a cada homem a possibilidade de viver dignamente” (Idem Ibidem).

Antes da “quebra” da Bolsa de Valores de Nova York, no ano de 1929, toda intervenção na economia era considerada inadmissível pelos teóricos do capital. Porém, com a crise de 1929, o pensador John Maynard Keynes, em sua obra A teoria geral do emprego, do juro e da moeda concluída em 1936, durante uma das maiores crises do mundo capitalista moderno, colocou abaixo a política de não intervenção do Estado na economia. Para esse autor, só era possível manter um “estado” de bem-estar social e crescimento econômico com a intervenção do Estado na economia. Os investimentos do governo seriam um impulso a mais na dinâmica econômica (Cf. KEYNES: 1970, p. 230).

Em seu artigo Uma análise do neoliberalismo, publicado no jornal ABCDMAIOR, o pesquisador Anderson Lino considera que, logo após a Segunda Guerra Mundial, surgiu na Europa e nos EUA o fenômeno conhecido como neoliberalismo, teoria política dos pensadores Friedrich Hayek, Milton Friedman e Karl Popper. Para Lino, “esses pensadores serviram como ‘generais’ do Estado-mercado no combate ao Estado de bem-estar social, ao New Deal norte-americano e à solidariedade” (Lino: 2010 p. 2).

Para Friedman, Hayek e Popper a solidariedade foi responsável pela destruição da concorrência e da prosperidade de todos. “O combustível que alimentou o neoliberalismo do Estado-mercado veio com a ‘grande crise’ do modelo econômico do pós-guerra em 1973.” (Apud. Lino, 2010, p. 2). As baixas taxas de crescimento econômico combinadas com altas taxas de inflação, segundo Hayek e seus seguidores eram de responsabilidade dos sindicatos e do proletariado que corroeram as acumulações capitalistas. Desse modo, tanto sindicatos quanto proletariados serviram como “bode expiatório”. E foi a partir desse momento e dessas argumentações que:

A estabilidade monetária deveria ser o objetivo de todos os governos; restaurar a taxa “natural” de desemprego; criar um exército de reserva para dissolver os sindicatos e reformas fiscais para incentivar os atores econômicos (Uma análise do neoliberalismo, artigo apresentado por Anderson Lino, Jornal ABCDMAIOR, São Bernardo do Campo, 20/7/2010, p. 02).

 

O teórico do neoliberalismo econômico, Milton Friedman, criticou também as políticas econômicas do Presidente norte-americano Roosevelt. O plano econômico conhecido como New Deal, lançado em 1930, era considerado como intervenção estatal na economia. Essas teorias foram defendidas por Keynes em oposição a Friedman. Defensor do Laissez-faire, Friedman via a política de intervenção do Estado na economia como sendo prejudicial à sociedade, pois, prolongava a depressão econômica ao desviar recursos e investimentos não na produção de riqueza, mas sim em projetos sociais que serviam apenas para beneficiar politicamente os chefes de Estado. Friedman discutia o liberalismo econômico em seu livro O novo liberalismo econômico. Compreendia também a política do salário-mínimo como populista e causaria o aumento do desemprego. Para esse pensador, a política econômica distorcia os custos da produção baixando a produção e, consequentemente, aumentando a pobreza, o desemprego e a miséria (Cf. FRIEDMAN: 1980).

Milton Santos identificou os investimentos públicos, isto é, dinheiro público, um incentivo e impulso ao investimento privado. Toda a poupança dos trabalhadores serve, nesse sistema, como transferência para os mais ricos. Essa ciência se deslocou do seu estado científico e transformou-se em simples ideologia. Seu objetivo foi escamotear e “persuadir Estados e povos das vantagens daquilo que passou a ser chamado desenvolvimento: a venda da ideologia do crescimento aos Estados, a imposição de uma ideologia de sociedade de consumo às populações” (SANTOS:, 2007, p. 15).

O autor argumenta que esse caráter de dominação econômica da política imperialista teve que criar, ou melhor, inventar o “Terceiro Mundo”. Desse modo, os homens do mundo mais pobre esqueceram por algum tempo que pertenciam a um mundo explorado, convencidos de que estavam realmente num mundo subdesenvolvido. […] A pobreza, um fenômeno qualitativo, foi transformada num problema quantitativo e reduzida a dados numéricos. (SANTOS, Milton. Economia Espacial. São Paulo: EDUSP, 2007, p. 15).

Os economistas ortodoxos vêem no Livro de Adam Smith A riqueza das nações publicado em 1776, uma espécie de Bíblia que tem como princípio a defesa do livre comércio entre as nações, ou seja, a política econômica do laissez-faire. Para o autor, o equilíbrio do comércio ocorreria por meio de uma mão invisível que controlaria a economia, a sociedade e o mercado. Defendia esse pensador que um país civilizado pratica um comércio

Efetuado entre os habitantes da cidade e os habitantes do campo. Consiste na troca de produtos em estado bruto por produtos manufaturados, o que pode ser feito ou diretamente, por meio do dinheiro, ou por algum tipo de papel que represente dinheiro (SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural; 1988, p. 7).

Nesse viés, historicamente a América Latina exportando produtos primários ao centro econômico hegemônico (Europa e EUA), desde sua gênese até os dias hodiernos, recebeu em troca uma quantidade imensa de produtos importados e manufaturados com alto valor agregado, contribuindo no aumento do superávit deste último, e déficit econômico para o primeiro. Uma balança comercial desfavorável para a América Latina. Para os países “subdesenvolvidos” pagarem suas dívidas contraídas pelas importações desses produtos manufaturados, foi preciso alienar seus bens e recursos minerais, empresas estatais e a agricultura que ficou direcionada para as exportações (Cf. SANTOS, 2007, p. 17).
Na política econômica idealizada pelo capitalismo de livre-mercado, o crescimento econômico se torna uma espécie de fé religiosa, pois é a única preocupação das economias e das classes estabilizadas no poder econômico dos Estados. Para tanto, é a macro-economia que interessa, a economia globalizada que favorece as multinacionais, ou melhor, as transnacionais. É preciso inverter essa realidade sem criar outra ideologia de mercado carregada de pragmatismos.

O editorial do jornal britânico Financial Times, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, em 8/7/2011, fez uma análise de risco acerca da economia brasileira. Ao comparar a economia brasileira com uma bicicleta, ou seja, só funciona quando está em movimento. Esse argumento é mais uma constatação de que a economia dos países neoliberais, e dos países emergentes que estão atrelados a esse pragmatismo econômico, estão se desenvolvendo em marcha lenta ao submeter suas economias aos investimentos estrangeiros.

No caso do Brasil, o déficit da balança econômica só não explodiu devido ao alto preço das commodities. Porém, essa valorização das mercadorias para exportação só ocorre devido ao real valorizado, o que não deve durar muito tempo. Porém, além da valorização da moeda causar um impulso ao crédito doméstico força os preços e, com isso gera inflação. Para o editorial, “é aí que a bicicleta econômica se depara com a trincheira da guerra cambial”. Para finalizar, ocorre uma atração por empréstimos estrangeiros com uma moeda valorizada, por outro lado impulsiona a alta dos juros, que por sua vez atrai mais produtos importados que prejudicam as exportações.

1.3. Desigualdade social e concentração de renda no Brasil

Um fator determinante da característica sócio-econômica do Brasil é a pesada carga tributária que recai sobre a população mais pobre. O sistema tributário não é eficiente e assim se torna uma das ferramentas que contribuem com a exclusão social. Os recursos em educação, saúde, saneamento básico e geração de emprego e renda às populações mais carentes é defasado. Pelo contrário, ocorre uma inversão de investimentos que retiram recursos da maioria da população, que é a massa trabalhadora, e se transfere para uma minoria mais rica, que é o explorador do proletariado. Os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE referentes a 2002 mostram que: 73% dos gastos do governo federal se referem a aposentadorias e pensões. Pois, a distribuição é uma apropriação dos mais ricos em detrimento dos mais pobres. Ou seja, o governo gasta 1,5% do BIP com programas sociais de transferência de renda. No tocante à Educação, o governo federal gasta muito mais com o ensino superior do que com o ensino básico e isso acarreta em distorções sócio-econômica relevante. Os números apresentam que: 46% dos recursos do Governo Federal destinados à Educação vão para ensino superior onde se encontram os 10% da população mais rica do país (Cf. IBGE, 2011).

Para José Márcio Camargo, o fato dessas famílias mais pobres terem de enfrentar a baixa qualidade do ensino público, devido à falta de investimentos por parte dos governos, federal, estadual e municipal, acarretaria na pouca valorização que a educação tem na vida dessa camada social da população brasileira. Desse modo, a perpetuação da pobreza em nosso país estaria vinculada à falta de incentivo educacional de qualidade por parte dos governos que se sucedem no poder. É um ciclo vicioso da pobreza a ausência de permanência e de valor à educação e à escola por parte dos mais pobres que, consequentemente, gera baixa qualidade de mão-de-obra e salários. Outro fator que contribui é o trabalho que alunos e alunas da EJA tendem a realizar para contribuir com o orçamento familiar, pois, dessa maneira, tendem a abandonar os estudos.

Esse modelo de desenvolvimento sócio-econômico está na contramão da distribuição de renda, da igualdade social, da economia solidária e do cooperativismo. A raiz da concentração de renda está na tributação dos menos favorecidos que, gastam direta e indiretamente parte significativa dos seus salários com pagamento de impostos. Os bens de consumo popular e da classe média são fortemente tributados. Os tributos diretos incidem sobre o patrimônio e a renda; enquanto que os indiretos recaem sobre o consumo. O primeiro é caracterizado como progressivo, pois recaem mais sobre os mais ricos; o segundo é reconhecido como regressivo, isto é, recaem mais sobre a camada mais pobre da população. No Brasil persiste o peso da tributação indireta o que gera um modelo concentrador de tributação. Por outro lado, a tributação direta é baixa em nosso país, sem contar que grande parte dos empresários e da classe média alta manipula e contrabandeia mercadorias e deixam de pagar impostos. O décimo mais pobre da população brasileira contribui com 32,8% da sua renda; enquanto que o décimo mais rico gasta apenas 22,7%. É um modelo que perpetua a desigualdade social e a concentração de renda. Outro agravante são os investimentos nos bairros e comunidades carentes que, além de contribuírem com a arrecadação do governo não recebem esses investimentos e melhorias em suas localidades. Podemos caracterizá-lo como extorsivo e explorador (Idem Ibidem).

Essa discussão foi realizada em sala de aula junto com os alunos da EJA da Escola Municipal Carolina Maria de Jesus, no Município de Santo André, Estado de São Paulo, durante o ano letivo de 2011. Foi apresentado aos educandos da EJA que o retrato da distribuição de renda da cidade de São Paulo pode ser compreendido em forma de uma pirâmide. Ao analisarmos os dados fornecidos pela Consultoria Escopo Geomarketing com os dados fornecidos pelo IBGE constatamos que:

1º Os paulistanos gastam 4 bilhões de reais por ano em produtos luxuosos;
2º Vinte e quatro mil paulistanos (0,24% da população) têm rendimento familiar mensal acima de 50 mil reais mensais;
3º Destes paulistanos que representam 0,24% da população, 7.800 possuem renda anual familiar acima de 1 milhão de reais;
4º Acima destes, no topo da pirâmide, 90 residências de São Paulo têm renda familiar mensal acima de 1 milhão de reais (Ibidem).

Ao fazer essa exposição nas aulas da EJA em grupo de discussões levamos em consideração que, um mundo melhor é possível e, desse modo, os subsídios para a construção de outro modelo social e econômico se faz necessário. Apresentar a economia solidária aos educandos e contextualizá-la com o modelo econômico hegemônico – o capitalismo foi o objetivo desta monografia. Valorizando a economia local e regional em detrimento das economias transnacionais foi discutido ao longo do ano letivo durante as aulas da EJA. Apresentar aos alunos e alunas que nos grandes centros há um exército de reserva que favorece o capital, pois essa mão-de-obra ociosa desvaloriza os salários ao colocar em competição os trabalhadores e trabalhadoras que, consequentemente, disputam vagas no mercado de trabalho oferecendo o menor custo/benefício ao empregador. Um desenvolvimento sustentável por meio de cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras na região do ABC pode contribuir com a elevação dos salários, com melhoras na qualidade do trabalho, geração de emprego e renda que contribuem com a dignidade humana e a cidadania.

O poder econômico hegemônico, imposto aos países do globo, arrastou e continua a atrair as nações numa verdadeira guerra cambial e protecionista. Tal como analisou Carl Von Clauzewitz. Para esse autor “A lei suprema e a estratégia mais simples consistem em concentrarmos nossas forças” (CLAUSEWITZ, 1955, p. 291). A concentração de forças aqui é entendida como as disputas por mercados que ocorrem no modelo capitalista. Pode ser comparado com uma guerra. Ou seja, os países que não seguem a cartilha do modelo neoliberal sofrem sanções econômicas, embargos econômicos que arrasam a população desses Estados, a exemplo de Cuba.

Desse modo, a urbanização e a concentração de grandes conglomerados industriais são resultantes do processo de difusão do capital. Tal fenômeno desintegrou as economias locais e regionais para favorecer as grandes concentrações urbanas – uma macrocefalia. Isso gerou a formação de mão de obra barata, assim como um estoque de capital fixo indispensável à concentração e acumulação de capital. Os grandes centros econômicos criaram polos de difusão do capital e dos investimentos na economia local e regional. E isso fez com que esses investimentos retornassem para os centros econômicos hegemônicos com alto valor cumulativo.

Defendia Milton Santos que “A idéia de criar centros satélites próximos às grandes concentrações, tal como Friedmann (1966) recomendou para o Chile, reflete o mesmo desejo de promover a entrada e a permanência do grande capital” (SANTOS, 2007, p. 24). Outro fenômeno que vem acompanhado é o dos transportes, que serve para a

Integração do espaço […] é um elemento essencial do planejamento capitalista. […] às obras de grande porte, elas são de fato um cavalo de Tróia, um presente envenenado. Estes envolvem outros de porte igual ou ainda maior, e gradualmente conduzem o país para uma posição de dependência, cuja constante é o aprofundamento do capital […] A política de consumo está ligada à da produção […] porque a integração política também significa integração econômica (Idem, p. 25).

Seja qual for a máscara utilizada pelos teóricos defensores desse sistema capitalista, a proposta dessa monografia foi questionar esse modelo neoliberal que precisa ser substituído em âmbito local e regional por outra economia baseada no cooperativismo social. E desse modo, Construir uma escola na qual professores e alunos encontrem-se como sujeitos com a tarefa de provocar e produzir conhecimentos. Esses conhecimentos devem ser sustentados numa perspectiva dos sujeitos que aprendem saberes relativo a diversas culturas e contribuem, efetivamente, para a vida dos seres em sociedade. Pois, esses alunos e alunas da EJA querem da escola, além dos conteúdos prontos para serem reproduzidos, sentirem-se sujeitos ativos, participativos e crescer cultural, social e economicamente.
Sendo assim, o cooperativismo e a relação social de produção são ferramentas para que os centros urbanos deixem de serem espaços de pobreza e geração de pobreza. Pois, para Milton Santos, os meios de comunicação de massa a serviço do capital dão aos pobres à falsa “impressão de que estão emergindo da pobreza. Eles passarão a testemunhar um aumento em termos absolutos de sua renda, isto é, de seu consumo de bens e serviços” (SANTOS, 2007, p. 29). Essa política favoreceu, no início dos anos 1960 até meados da década de 1990, uma migração forçada de milhões de pessoas que deixaram suas cidades e bairros rurais em busca de melhores condições sociais, econômicas e de trabalho. Destarte, Para Santos está fora de cogitação

Reduzir às taxas de acumulação e de desigualdade, o que significaria a morte do sistema, a pobreza não será eliminada, apenas mascarada. […] uma nova forma de pobreza, a pobreza mascarada (SANTOS Milton. Economia espacial. São Paulo: EDUSP, 2007. P. 29).

2 – A CONSTRUÇÃO DO COOPERATIVISMO SOCIAL

2.1. Princípios para o Cooperativismo

Para que o cooperativismo seja colocado em prática são necessários princípios para a sua realização, tais como: associação voluntária e democrática, isto é, todos podem participar desse processo desde que cumpram seus regimentos internos e aceitem as responsabilidades de todos os associados. Nessa economia solidária participativa propomos que devem ser aceitos todas as pessoas sem discriminação de gênero, cor de pele, princípios políticos e religiosos. Um controle democrático entre os participantes que, por meio do estabelecimento de projetos políticos e diretrizes, tomem suas decisões coletivamente. Dessa maneira, os alunos e alunas da EJA devem colocar em prática e procederem de modo democrático com a igualdade e o direito do voto em suas decisões. Delegados credenciados e representantes dessas cooperativas devem ter responsabilidades para com os cooperados. Segundo Paul Singer:

O primeiro princípio garante a democracia e a primazia do trabalho sobre o capital na cooperativa. Houve cooperativas que adotaram o voto conforme o capital investido, o princípio que vigora nas sociedade anônimas. Acabaram se transformando em sociedades de capital, e não de trabalhadores. Hoje o princípio de um voto por cabeça é visto como essencial para que haja democracia na cooperativa e, portanto, autogestão (SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Perseu Abramo; 2002, p. 40).

A participação dos membros cooperados deve ser econômica, por meio democrático e igualitário de capital, tendo a parte do capital social constituído como propriedade comum da cooperativa. A cooperativa deve possuir uma Assembléia Geral que fixará uma compensação do capital subscrito que significa a quota-parte do associado, seus benefícios em proporção as suas transações com a cooperativa. Um fundo de reserva deve ser criado com a contribuição dos membros a esse fundo. A autonomia e a independência da cooperativa devem ser levadas em consideração, pois, ajudas e contribuições financeiras por parte de governos, entidades nacionais e internacionais no tocante às necessidades culturais, econômicas e sociais dos cooperados de forma que não interfiram em sua autonomia e independência. Outro princípio considerado importante é o defendido por Paul Singer:

O princípio da porta aberta é importante porque, uma vez consolidada a cooperativa, há uma tendência de os sócios fundadores não admitirem outros ou apenas admiti-los com direitos inferiores. Cooperativas que não adotaram a porta aberta tiveram grande valorização de suas cotas de capital, o que induziu muitos sócios a vendê-las a investidores capitalistas. Obviamente, com isso, o caráter cooperativo da organização se perdia. A porta aberta permitiu às cooperativas de consumo expandir o número de sócios, abrir filiais e obter ganhos de escala, o que foi essencial ao seu portentoso crescimento. (Idem Ibidem, p. 40).

É relevante que a cooperativa invista em seus associados, ou seja, treinamentos, educação e cultura a que venham contribuir efetivamente com o grupo. A formação de jovens e líderes comunitários em interação com outras cooperativas fortalecem o desenvolvimento local, regional e internacional. A ajuda mútua entre as cooperativas, auto-responsabilidades e valores democráticos, igualitários e solidários são essenciais para uma boa gestão e organização dos associados, tanto interna quanto externamente às cooperativas. Os princípios dos juros que provinham de Robert Owen, nas primeiras décadas do século XIX, resultavam das aplicações em Lanark. E dessa maneira:

Permitia investir todo lucro excedente aos juros em favor dos trabalhadores. No caso das cooperativas de consumo, este princípio é condição para que possa vigorar o da divisão das sobras segundo o valor das compras. Nas sociedades anônimas, todo lucro sobrante é repartido conforme o número de ações possuído […] O princípio da divisão das sobras já era praticado por outras cooperativas, pois permite à cooperativa vender um pouco mais caro que a concorrência, sem perder clientela. Esta se dispõe a pagar um pouco mais na cooperativa porque sabe que recebe uma quantia de volta no fim do exercício, na forma de participação nas sobras. Convém notar que a cooperativa só vende a sócios, do modo que estes têm razões solidárias e pecuniárias para dar preferência a ela em suas compras. (Ibidem, pp. 40-1).

Honestidade e auto-ajuda econômica entre os cooperados são quesitos fundamentais que foram trabalhados sistematicamente durante as aulas da EJA junto com os alunos e alunas da comunidade do Jardim Santo André. A valorização dos recursos humanos e a interação entre sociedade e natureza, cooperativismo e economia solidária, política e valorização humana foram pontos fundamentais trabalhados durante o ano letivo de 2011.

2.2. Cooperativismo ou Precarização do Trabalho

O Ministério do Trabalho e Emprego propôs regulamentar as cooperativas de trabalho que estão sendo exploradas com o surgimento de milhares de pseudos cooperativas de trabalhadores que acarretaram na precarização do trabalho, salário e renda. Desse modo, reconhecer juridicamente as cooperativas de trabalho é a maneira de diminuir essa exploração que ocorre com as terceirizações dos trabalhos que antes eram fornecidos pelo poder público. A Lei Nº 5.764, de 1971 não é eficiente e não condiz com a realidade atual. Regulamentar essa lei referente as cooperativas é frear a exploração e a precarização do trabalho pelo capital. Portanto, foi preciso esclarecer junto aos educandos da EJA essa situação das quais muitos deles se encontram atualmente. Para Paul Singer:

Na verdade, a discussão de fundo em torno do controvertido artigo 7° do anteprojeto – aquele que busca salvaguardar os direitos trabalhistas aos trabalhadores associados de cooperativas – é se cabe construir uma legislação especifica para as cooperativas de trabalho, relacionando-as ao direito do trabalho e ao mundo do trabalho, ou não. Na verdade, desde a criação da SENAES, sempre foi esta a sua posição: cooperativas de trabalho estão inseridas nas dinâmicas e conflitos próprios do mundo de trabalho, e necessitam assim de uma regulação própria que as faça dialogar com este mundo. (SINGER, Paul. As cooperativas de trabalho e a precarização, Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria Nacional de economia Solidária, Brasília, 4 de outubro de 2003).

 

Assim, o sentido dado ao tema é relevante, pois, a regulamentação das cooperativas de trabalho e a sua relação social com o universo do trabalho, suas modificações e dinâmicas que tornaram frágeis e precários os direitos do proletariado. Os direitos dos trabalhadores cooperados devem ser irrenunciáveis e a conquista desses direitos não pode ser violada, pois caracterizaria um sério delito. Para Singer, a

Lei por si só é incapaz de impor o seu cumprimento, se não houver por parte do trabalhador forte resistência contra qualquer violação de seus direitos legais. O que aconteceu de fato enquanto houve algo equivalente ao pleno emprego, ou seja, uma demanda por força de trabalho tendente a ultrapassar sua oferta. O que, sem dúvida, ocorreu nos mercados de trabalho urbanos durante o período de intensa industrialização, até 1980 aproximadamente (Idem Ibidem).

Com o objetivo de atrair a mão-de-obra os empregadores além de cumprirem a legislação ofereciam também benefícios que atraíam os trabalhadores para os grandes centros urbanos. Com o surgimento de um exército de reserva nas grandes cidades essa situação mudou radicalmente. O emprego assalariado ficou raro e a demanda por força de trabalho baixou com o desenvolvimento da tecnologia nas grandes, médias e pequenas indústrias. Recusar o trabalho, em qualquer situação, num mundo de desempregados passou a ser difícil, se não impossível. Esse ponto foi muito discutido com os alunos da EJA, pois, proliferaram pelo país falsas cooperativas de trabalho que tornaram precária a situação de trabalho. O mercado de trabalho ficou monopolizado pelo capital, isto é, o trabalhador subordinado ao mercado de trabalho tende a vender sua força de trabalho a quem lhe pague pelos seus serviços. Isso acarretou em salários baixos e a condições de trabalho subumanas.

Um dos fatores determinantes da hegemonia do mercado sobre o trabalho fica claro quando uma empresa capitalista declara falência. Pois,

Desta maneira, o direito à auto-organização do trabalho fica prejudicado. Se por acaso uma prestadora de serviços capitalistas quebrarem, os seus empregados ficam impedidos de assumi-la porque se ela se tornar cooperativa ela fica proibida de “intermediar mão de obra”. A liberdade de organização é assegurada pela Constituição (art. 5º), mas isso é de menos. A questão é moral e política: é inconcebível que diante de dois modos de produção rivais – o capitalista e o autogestionário – grande parte do mercado fique excluída da opção pelo segundo. Se ao menos houvesse outra área em que a empresa capitalista estivesse excluída, poder-se-ia pensar em justiça. Mas, nem isso há. O trabalho explorado pelo capital é imposto como o normal, face ao qual o trabalhador não tem a opção de trabalhar por conta própria. Se não houver emprego, isto é, demanda por sua força de trabalho, sua única opção é ficar desempregado (Ibidem).

Direitos igualitários aos trabalhadores e respeito ao ser humano devem ser respeitados e são garantidos pela Constituição Brasileira. Porém, ao classificar um trabalhador cooperado como autônomo, este passa a ser tratado como uma espécie de funcionário liberal, ou até comparado a um empregador. Nesse sentido, não possuem direitos trabalhistas e, consequentemente, são explorados pelo capital. Até mesmo um camelô chega a ser comparado a um empregador, o que é inaceitável. O trabalhador cooperado deve ser tratado como associado e dono da cooperativa. Em primeiro lugar ele é o dono do negócio e ao mesmo tempo empregado já que trabalha para a cooperativa. Portanto, pode ser caracterizado com essa dupla jornada. A Organização Internacional de Cooperativas de Produção Industrial, Artesanal e de serviços – CICOPA, baseada na recomendação Nº 193 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, afirma que: “A relação do sócio trabalhador com sua cooperativa deve ser considerada como distinta da do trabalho assalariado dependente convencional e do trabalho autônomo”. Para essa Instituição os Estados Nacionais devem reconhecer que:

Em suas legislações que o cooperativismo de trabalho associado está condicionado por relações trabalhistas e industriais distintas do trabalho dependente assalariado e do auto emprego ou trabalho individual independente e aceitem que as cooperativas de trabalho associado apliquem normas e regulamentos correspondentes (Ibidem).

Ao comparar as diretrizes sugeridas pela CICOPA e algumas legislações nacionais pode ser observado que a própria OIT encontrou formulações idênticas tanto a níveis locais quanto regionais e nacionais. Na França, por exemplo, as

Cooperativas estão em geral fundadas sobre o principio da dupla condição [….] Enquanto associado, o cooperador participa do lucro econômico, enquanto assalariado ele é regido pelo direito do trabalho e se beneficia de sua proteção [….] Se for fazer uma analise estritamente jurídica, esta claro que com exceção das regras particulares expostas na 1° parte, todo direito do trabalho aplica-se à Sociedades Cooperativas Operárias de Produção (Ibidem).

As legislações de outros países europeus são semelhantes a esta da França. Sendo considerados trabalhadores com uma dupla condição, ou seja, donos do negócio e empregados da cooperativa, são regidos por obrigações e direitos trabalhistas que é comum em vários países, exceto ainda no Brasil. Apesar da Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 7º, sobre os direitos fundamentais da Constituição Federal que abrange todos os trabalhadores, isso ainda não é uma realidade no Brasil.

2.3. Por um Cooperativismo Social do Trabalho

Para conter a precarização do trabalho é necessário que se crie e incentive o surgimento de cooperativas voltadas à economia solidária. Foi esse o objetivo que delineou esta monografia. Pois, acreditar numa alternativa ao capital hegemônico requer analisa-lo e compreendê-lo no espaço e no tempo. Contribuindo com a construção de cooperativas de trabalhadoras e trabalhadores junto com os alunos da EJA foi necessário, pois, esse horizonte é a esperança de se viver num mundo melhor e humanizado em suas relações sócio-econômicas. Para Singer,

O instrumento utilizado até agora para combater a precarização através das cooperativas de trabalho é restringindo estas de atuarem em alguns mercados, particularmente o de serviços. Assim, como afirmam alguns, as cooperativas só podem funcionar através de “trabalho novo”, ou seja, argumentam que onde existe trabalhador subordinado (empregado celetista), cooperativas estão proibidas de inserir-se. Alem de isso levar a uma reserva de mercado para as empresas tradicionais, vai em movimento contrario a qualquer política de desenvolvimento do cooperativismo, restringindo o lugar destas “às margens” e as situações de crises (Ibidem).

Combater a precarização do trabalho e garantir direitos trabalhistas é o fundamental ao associado da cooperativa. Ao perceber que os direitos trabalhista estão relacionados aos direitos humanos, nossos educandos podem reivindicar melhores condições de trabalho junto aos seus patrões e, também, construir cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras nas diversas áreas de trabalho. Os conceitos utilizados para combater os direitos dos trabalhadores cooperados são relacioná-los aos trabalhadores autônomos; empreendedores; associados e que por isso não podem ser inseridos dentro de uma legislação trabalhista. Desse modo, o que deve regulá-los é o Código de Direito Civil, não o Trabalhista.

A relação capital/trabalho é regulada pela legislação trabalhista, argumentam os que são contra os direitos dos trabalhadores, por isso os cooperados não possuem direitos trabalhistas legais. Somente aqueles que são subordinados têm esse direito. Mas, por outro lado, se o direito do trabalho é universal, essa tese não se sustenta já que a todos os trabalhadores são estendido esses privilégios legais. Aqueles que defendem essa linha de raciocínio de direito jurídico argumentam que há

Necessidade de distinção clara entre o trabalhador subordinado, conforme previsto no artigo 2° e 3° da CLT e o trabalhador de uma cooperativa. Afirma-se que ao se expandir os direitos para os trabalhadores de cooperativas a capacidade de realizar estas distinções será mais difícil (Ibidem).

Porém, isso não tem relevância já que ambos são sujeitos dos mesmos direitos. Por outro lado, o Estado deve intervir nas cooperativas no que se referem a sua regularização, regras e beneficiando-as por meio de linhas de crédito. Também não pode haver restrição do mercado às cooperativas, períodos de carência para que as cooperativas criem suas condições econômicas e cumpram com suas obrigações em relação ao art. 7º e que seja ligada ao Programa Nacional de Fomento ao cooperativismo de Trabalho (PRONACOOP), habilitando seus membros ao trabalho cooperado, justo e humanitário. As políticas de fomento por meio do PRONACOOP contribuem com a criação de novas cooperativas, tais como: incubadoras tecnológicas de cooperativismo popular e várias outras entidades que promovem trabalhos sociais e solidários. Destarte, há significativos trabalhos e assistência desempenhadas pelas entidades que apoiam a economia solidária, a cooperativa e outra modelo de organização social e econômico no espaço e no tempo, entre elas estão:

UNITRABALHO, na Rede Universitária de Incubadoras de Cooperativas Populares, ANTEAG, UNISOL-BRASIL, Agência de Desenvolvimento Solidário, Cáritas, Ibase, Fase, PACS etc. o que torna muito provável que – ao cabo de alguns anos – a grande maioria das cooperativas, hoje hipo-suficientes, se torne capaz de cumprir as obrigações trabalhistas (Ibidem).

Nos trabalhos desenvolvidos com os educandos da EJA prevaleceram os interesses comuns de todos. Também há um consenso entre os sindicatos, representantes, auditores, magistrados da Justiça do Trabalho no que se refere aos trabalhadores cooperados e aos trabalhadores assalariados de que todos devem ter os mesmos direitos trabalhistas. A reinvenção da economia solidária é um fenômeno recente que em grande medida, são resultados de empresas capitalistas falidas, da subutilização do solo pelo latifundiário e do desemprego em massa. As crises econômicas dos anos 80 e 90 já estão projetadas na década de 2010, após a crise de 2008. As transferências de empresas transnacionais para a periferia tendem a se esgotar rapidamente. Com isso, a transferência de empregos do centro do sistema capitalista para a periferia se esgotará rapidamente. É nesse ínterim que pode se falar em economia solidária e cooperativismo de trabalhadores como substituição do modelo econômico vigente. Mas se a economia solidária e o cooperativismo, como afirma Paul Singer:

For apenas uma resposta às contradições do capitalismo no campo econômico seu crescimento poderá se desacelerar no futuro e, pior, ela não passará de uma forma complementar da economia capitalista, cuja existência será funcional para preservar fatores de produção – trabalho, terras, equipamentos e instalações – que se ficassem sem utilização, estariam sujeitos a se deteriorar (SINGER (2002), p. 113-114).

3 – EJA: É A CARA DO BRASIL!

3.1. Sala de Aula – O Retrato do Brasil

O espaço escolar é um mosaico, principalmente nas salas da EJA – Educação de Jovens e Adultos, que apresentam um retrato do Brasil. Para o Ministério da Educação, “os traços físicos, modos de falar, agir e reagir, formas de lazer, preferências culinárias ou musicais dos alunos que nos remetem a todos os cantos do país” (MEC: 2006 p. 12). A diversidade e a pluralidade cultural dessas pessoas devem ser valorizadas pelo Educador. “Quando falamos em cultura estamos nos referindo ao conjunto de ações, elaborações, construções, produções e manifestações de um grupo de pessoas, que se dá por meio e através de múltiplas linguagens” (Idem Ibidem). Podemos identificar essas características dos sujeitos sociais da Educação de Jovens e Adultos ao identificar suas maneiras de se expressar, atuar, agir e reagir no espaço e no tempo. Destarte, nossa abordagem parte do princípio de que “o conjunto cultural formado pelas pessoas que se encontram numa mesma série, numa sala de aula, é, então, extremamente rico. A cultura marca a visão de mundo e é a base onde a construção de conhecimentos vai se dar” (Ibidem).

A partir dos conhecimentos desses jovens e adultos podemos desenvolver uma pesquisa que lhes possa ser interessante. Já que “antes mesmo de ter acesso a conhecimentos considerados oficiais ou formais, cada um de nós cria, pela própria experiência concreta, explicações para os fenômenos naturais, sociais e culturais” (MEC: 2006 p. 6). As teorias individuais de cada sujeito nos fornecem os conhecimentos e os saberes necessários. Nossos educandos são portadores de conhecimentos e também sujeitos “repleto de saberes”. Saberes particulares, diversos, nascidos da interação com o meio físico, familiar, da experiência com o trabalho, do fazer e dos papéis sociais que cada um de nós desempenha em cada fase da vida” (Idem Ibidem). Procuramos estabelecer o conhecimento como interação entre o sujeito e o universo que o rodeia. Nossos alunos e alunas da EJA são, dessa maneira, educandos ativos, atores e autores nesse processo de ensino-aprendizagem em economia solidária e organização social da produção.

Partimos do pressuposto metodológico de que a apropriação e construção de conhecimentos estejam em constante diálogo com a realidade dos sujeitos históricos. As discussões e desenvolvimentos de projetos em economia solidária podem permitir a emancipação desses educandos da EJA e de sua comunidade. Seguindo o raciocínio de Paulo Freire, despertaremos o “espírito” crítico e político dos educandos por meio da teoria e metodologia em economia solidária. O maior objetivo desse pensador foi conscientizar os alunos e alunas a contextualizar, problematizar e conquistar sua liberdade com a compreensão do mundo, a leitura do mundo e sua transformação. Em Pedagogia do oprimido buscou desenvolver nos educandos a criticidade perante a sua realidade no mundo. Para Freire, a educação burguesa é uma educação bancária. Os alunos e alunas são receptáculos prontos e acabados que recebem as informações do Educador. É uma alienação, segundo o autor. Não há espírito investigador, criatividade nessa escola conservadora. Freire queria inquietar os educandos e não acomodá-los. Em uma passagem citado pelo autor sobre o Sermão de Gregório de Nissa contra os usurários:

Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tira, senão das tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbulo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de teus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com a lágrima de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolva a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu lhe seria grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem? São Gregório de Nissa, Sermão contra os usurários (330). Apud. Freire, Paulo (1987), p. 17.

Segundo Paul Singer, para se construir uma política participativa mais justa é preciso “fomentar a economia em todo o Brasil, dando apoio político e material às iniciativas do Fórum Brasileiro de Economia Solidária.” (SINGER: 2004 p. 3). Desse modo, a economia solidária pode combater as precarizações do trabalho e as condições sociais. Segundo Paul Singer, “A resposta mais freqüente à crise do trabalho, por parte das pessoas atingidas, tem sido a formação de cooperativas de trabalho, para, mediante ajuda mútua, gerar trabalho e renda para cada membro” (Idem Ibidem). Por outro lado, as cooperativas não devem rebaixar seus preços para conseguir contratos explorando seus cooperados. São falsas cooperativas que praticam esses contratos à custa do trabalhador que deixa de receber encargos e direitos trabalhistas, já que o empregador que contrata esses serviços considera esses trabalhadores autônomos, portanto sem direitos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Desse modo, o desenvolvimento solidário é uma ferramenta útil no combate à pobreza. Pois, “A pobreza na maior parte das vezes é condição social. A falta de dinheiro obriga as pessoas a morar juntas onde o custo de morar é baixo, ou seja, em favelas, cortiços ou na rua” (Idem Ibidem). Assim, a organização social e o cooperativismo são experiências que podem auxiliar no combate à pobreza. Para tanto, “combater a pobreza requer o desenvolvimento da economia das comunidades pobres em seu conjunto, de modo a beneficiar todos os integrantes. Esse desenvolvimento pode ser induzido por agentes externos — ONGs, igrejas, governos etc.” (Ibidem). Essas instituições, tanto poder público quanto sociedade civil, “mobilizam a comunidade, provocam a formulação de projetos de novas atividades econômicas e/ou melhora das existentes e ajudam em sua implementação” (Ibidem).A análise teórico/metodológica não é facilmente realizável, pois nas “imagens que nossos olhos conseguem ver, há outra parte, muito importante, constituída pelo nosso cérebro e que depende da nossa cultura, conhecimento, expectativas etc.”(MEC: 2006, p. 4). Portanto, “observar é uma coisa, ver ou enxergar é outra bem diferente. Quem vê teve que aprender a ver, a interpretar o que estava sendo observado” (Idem Ibidem). Pensar o tema proposto e fazer com que todos os educandos compreendam o universo complexo no qual estão inseridos é algo que está intrínseco a todo ser humano. A “evolução” da espécie humana é um mosaico de transformações e evoluções que só podem ser alcançados, almejados e concretizados com o pensamento. O planejamento e a avaliação são ferramentas relevantes para o sucesso de toda pesquisa. “Planejar é a atividade em que se projetam fins e se estabelecem os meios para chegar até eles. Planejar significa fazer escolhas. E, para bem fazê-las é preciso conhecer a realidade para poder determinar onde chegar” (Ibidem). Compreender a realidade sócio-econômica e cultural dos sujeitos e da sociedade da qual se pesquisa e contextualizá-la no espaço e no tempo só será possível se antes descobrirmos “onde estamos, para estabelecer as bases que garantirão a construção do planejamento. Esta prática que precede o planejamento é a avaliação. Neste sentido, avaliação e planejamento caminham juntos. Na escola não é diferente” (Ibidem). Essa abordagem teórico/metodológica remete a pesquisa a unir tanto o planejamento quanto a avaliação como “prática pedagógica numa relação contínua. O professor avalia para planejar, planeja para atuar junto aos alunos, para voltar a avaliar, novamente planejar, novamente atuar […] numa onda sem fim” (Ibidem).

3.2. Reinventando a sala da EJA

As atividades realizadas com os alunos e alunas da EJA I, do período vespertino da EMEIEF Cândido Portinari, situada no Pólo Educacional do município de Santo André, ocorreram por meio de um processo de alfabetização e letramento, raciocínio – lógica compreensão e interpretação de histórias e interpretação dos fatos e acontecimentos que são apresentados pela imprensa diariamente.

Ao trabalhar com o filme “Ilha das Flores” , que faz uma crítica à sociedade capitalista, ao problema do lixo e a importância de se conhecer a interdisciplinaridade para resolver as questões propostas em sala de aula e no cotidiano local. Problemas como reciclagem do lixo e saneamento básico, assim como algumas alternativas por meio das cooperativas de catadores e também da economia solidária foram propostas aos educandos da EJA.

Desse modo, foram realizadas duas atividades em sala de aula durante o ano letivo de 2011. Ambas relacionadas com os princípios da Economia Solidária: uma sequência de atividades com o filme Ilha das Flores numa classe de EJA – I (Multisseriada) e a outra em uma classe de EJA – I (Pós-Alfabetização/3ª e 4ª séries) envolvendo uma situação em que sítios vizinhos estavam com problemas em uma barragem utilizada por todos e os alunos que, em consenso, chegaram a uma posição de como os sitiantes resolveriam essa questão.

Outra atividade foi realizada na sala dos professores, em duas Reuniões Pedagógicas Semanais de 45 minutos cada, entre os dias 11 e 18 de outubro com professores de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação Física, Arte e Informática da EJA – II (5ª a 8ª série) da EMEIEF Cândido Portinari, tendo como objetivo principal conhecer o que os mesmos sabiam sobre “Economia Solidária” e posteriormente repassar os princípios desta economia e a possível inserção no currículo da EJA.

3.3. A democracia e a solidariedade na EJA

Democracia e solidariedade são valores constantemente discutidos e devem fazer parte do currículo, em suas três dimensões: a explícita, a oculta e na revisão do que é o currículo nulo, na abertura de discussão de tabus e interditos (Moreira, 1992, 1995).
A realidade, que serve de mediação entre educador e educando, é a grande instigadora das formas pelas quais os eixos do currículo devem ser trabalhados;

O diálogo, inimigo das práticas autoritárias, deve marcar as relações entre educadores e educandos entre si, em busca de uma “linguagem democrática e autogestionária.

Toda educação é um ato político e como tal se posiciona a favor de alguém e necessariamente contra alguém, o que nesse caso precisa se tornar explicito.

Quais são as representações que esse currículo deve construir? De novo, a atenção às três dimensões do currículo e suas representações: o explícito, o nulo, o oculto. Quais são as representações que esse currículo deve desmistificar? O que é ser professor? Como socialmente se representa essa profissão? O que é o saber técnico? Como ele deve ser representado na autogestão? Como os alunos veem os profissionais técnicos, inclusive o professor? O que é ser aluno de EJA? Quais são as representações que os professores fazem desses alunos? Quais representações os alunos fazem de si mesmos?

Comungamos com Karl Marx, que em seu livro Crítica ao Programa de Gotha, dizia que:

Supor que o Estado faça isso de forma massiva é uma ingenuidade. Mas isso é perfeitamente possível em pequenos grupos. Construímos o futuro a partir de um lugar, isto quer dizer que é a partir de uma referência local que é possível pensar o nacional, o regional e o internacional. Nós, latino-americanos, temos uma longa experiência de regimes autoritários tentando impor uma “identidade nacional’, sem levar em conta a mentalidade popular, muitas vezes baseando-se em pressupostos autoritários como o conceito de “segurança nacional” (GADOTTI, Moacir. “Educação de Jovens e Adultos”. IN: Educação de Jovens e Adultos. Teoria, prática e proposta (2011), p. 40).

Sendo assim, a economia solidária e a educação de jovens e adultos devem partir da realidade do local em que trabalhamos para o nível transnacional. Sem negar o acesso e o conhecimento da cultura erudita a esses personagens históricos, a democracia na EJA deve passar pelo processo metodológico do pluralismo cultural. Ou seja, valorizar a cultura e o conhecimento desses atores sociais no espaço e no tempo é lhes fornecer os subsídios teóricos para a liberdade e a conquista da cidadania.

A educação de Jovens e Adultos deve ser

Multicultural, uma educação que desenvolve conhecimento e a integração na diversidade cultural. É uma educação para a compreensão mútua, contra a exclusão por motivos de raça, sexo, cultura ou outras formas de discriminação. A filosofia primeira, na qual o educador de jovens e adultos precisa ser formado, é a filosofia do diálogo. E o pluralismo é também uma filosofia do diálogo (Idem Ibidem).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se que o educando da EJA é um ser cultural e o alfabetizador um mediador entre o aprendiz e a escrita, isto é, entre o ator social e o processo de apropriação do conhecimento, é preciso conhecer tanto o sujeito quanto o seu objeto. A atividade entre o pensar e a escrita acerca do universo se faz pelo “sujeito que constrói o seu próprio conhecimento para se apropriar do conhecimento dos outros” (Ibidem, p. 47).
Sendo assim, a aplicação daquilo que se está sendo trabalhado dentro da sala de aula na EJA deve ter sentido concreto na realidade e no cotidiano desses jovens e adultos. A auto-estima lhe traz tranquilidade e não cria tensão, pois, sabe-se que muitos têm vergonha de contar suas histórias de vida e falar do local onde moram devido ao senso comum e ao preconceito que foram sendo criados ao redor da miséria e da desigualdade social no país.

Para que essas barreiras sejam transpostas é preciso eliminar o analfabetismo em sua origem. E isso

Exige que o sistema público de ensino seja capaz de reter o contingente de alunos matriculados no ensino fundamental. É necessário oferecer escola pública para todos, adequada à realidade onde está inserida, para que seja de qualidade. Neste sentido, ela deve ser democrática pela gestão participativa, que integre a comunidade e os movimentos populares na construção e definição de sua identidade. Enfim, ela deve ser autônoma, isto é, cidadã (Ibidem).

Uma EJA democrática foi compreendida nessa monografia como sendo aquela que respeita os sujeitos sociais e históricos como atores e autores das definições de suas conveniências, direitos e necessidades. Não há educando passivo e receptivo de idéias, mas sim protagonistas e criadores de suas histórias no espaço e no tempo. Reconhecer suas habilidades culturais, suas reflexões críticas da realidade e suas vivências e experiências no cotidiano se transformam em cidadania.

APÊNDICES – PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros, artigos e publicações consultados

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