O Resgate da Identidade dos Educandos da EJA através dos Princípios da Economia Solidária

Autora: Priscila Gomes da Silva
Orientador: Daniel Pansarelli

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do ABC.
Á Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior – Capes.
Ao orientador Prof. Doutor DANIEL PANSARELLI,
pelo acompanhamento pontual e competente.
Aos professores do Curso de Pós-graduação.
A todos os que direta ou indiretamente
contribuíram para a realização desta pesquisa

Aos meus pais, que sempre me encorajaram
ir em busca dos meus ideais, ao meu companheiro,
por todo amor e compreensão nesta minha trajetória e
aos meus queridos alunos, que todas as noites me
ensinam a ser um ser humano melhor.

“Quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo…”
Raul Seixas

SUMÁRIO

  • 1. INTRODUÇÃO
    1.1 Justificativa
    1.2 Objetivo
    1.3 Método
  • 2. CAPITULO I – Identidade e Trabalho
  • 3. CAPITULO II – Identidade e Educação
  • 4. CAPITULO III – EJA e Economia Solidária: junção em prol do resgate da identidade dos educandos da EJA
    4.1 Atividade 1 – Identidade do Trabalhador
    4.2. Prática 2 – “A exceção e a regra”
  • 5. CONCLUSÃO
  • 6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INTRODUÇÃO

Muito tem se falado em identidade nos últimos tempos. De acordo com o dicionário (FERREIRA, 2001, p.371) “o significado da palavra identidade é a qualidade de idêntico. Os caracteres próprios e exclusivos duma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, etc”. Já a etimologia da palavra identidade vem do latim e remete a idem, que significa o mesmo.

Há diversas concepções de construção de identidade. Existem abordagens que acreditam que a identidade é uma característica inata do individuo ou concluída nos primeiros anos de vida, e outras como a defendida por Ciampa (1987) com uma nova concepção de identidade, entendida como resultado de um processo histórico que compreende toda vivência humana. O autor acredita que a identidade pressupõe a realidade social em que o individuo está inserido e que na identidade desse ser ocorre constantemente mudanças, tendo assim um caráter de metamorfose.

Ao ser concebida a criança se encontra em um mundo já constituído e sobre ela lançam-se as expectativas da sociedade, porém o homem, enquanto ser ativo apropria-se da realidade social, atribuindo um sentido pessoal às significações sociais. Dadas às condições objetivas, as expectativas da sociedade, bem como as expectativas internalizadas pelo próprio homem, a identidade vai sendo construída num constante processo de vir a ser. Essa plasticidade, ou possibilidades, é que faz com que o homem não crie apenas o mundo, mas crie sentido para o mundo em que vive, traçando caminhos, mudando sua rota, alterando sua “pré-destinação” pelas ações que realiza junto com outros homens. Por isso, deve ser visto como “se fazendo” e não “feito” e “acabado”. É essa subjetividade constituída por um universo de significados que transforma o “ser” em humano (CIAMPA, 1994).

Quando falamos em construção de identidade devemos compreender o ser em toda a sua complexidade, com todas as atividades que realizam em sua vida.

O trabalho é uma das principais e das mais antigas das atividades desenvolvidas pelo homem.

As relações humanas sempre estiveram acompanhadas pelo trabalho, porém, com o sistema capitalista, essas relações se transformaram e se configuraram de forma a limitar autonomia do homem, tornando-o alienado perante a realidade social que o cerca, trazendo consigo sintomas de insatisfação e ansiedade.

São inúmeras as frustrações vivenciadas pelo homem dentre o mundo do trabalho. As relações entre homem e trabalho geralmente estão bloqueadas pelas cruéis estruturas das organizações do sistema capitalista que visa apenas o lucro, esquecendo-se do homem como agente da transformação.

A educação de jovens e adultos é composta em grande parte por pessoas que tiveram que abandonar os estudos quando crianças para trabalhar e que hoje precisam retornar para escola devido à necessidade de formação, trabalhadores insatisfeitos e sufocados com este modelo de economia predominante.

Pensando nestes educandos aparece Paulo Freire visionando uma educação diferente até então de tudo que nos era apresentado. Freire propõe um ensino que vai de encontro à necessidade dos alunos, uma educação focada no sujeito, com métodos transformadores que busca a emancipação de todos os que são oprimidos.

Nessa perspectiva, portanto, os alfabetizandos assumem desde o começo da ação o papel de sujeitos criadores. Aprender a ler e escrever já não é mais memorizar sílabas, palavras ou frases, mas sim refletir criticamente sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o profundo significado da linguagem (FREIRE, 1959, p.45 apud BEISIGEL, 2010, p.30)

A educação pregada por Paulo Freire é antes de tudo um ato politico, que luta pelos desfavorecidos e os incentivam a se tornarem cidadãos participativos e ativos na sociedade.

Dentro desta perspectiva surge a Economia Solidaria que é ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe uma nova pratica social (Singer 2005).

Vendo a educação como uma possibilidade de transformar de alguma forma a realidade social, principalmente no que se refere à realidade do aluno-trabalhador, faz-se necessário trabalhar alguns princípios presente na Economia Solidária.

1.1 – JUSTIFICATIVA

Durante a minha trajetória como educadora da EJA, venho me questionando o quanto as relações de homem-trabalho são frustrantes; relações essas regidas pela exploração e pela desvalorização humana.

Em minha sala de aula, a cada dia me deparo com pessoas que perderam o sentido de suas vidas, trabalhadores que são anulados e excluídos da sociedade, pessoas que não se enxergam como humanos, que perderam suas identidades por não se enquadrarem no mundo do trabalho e nas exigências do sistema capitalista.

Acredito em uma educação transformadora e emancipadora, a mesma defendida por Paulo Freire (1967), que luta para que o homem saia do conformismo, que se veja como um agente crítico e participativo da sociedade.

Ao me deparar com os princípios pregados da ecosol, percebi o quanto esse projeto revolucionário vinha de encontro com as necessidades dos meus alunos e o quanto tais conceitos poderiam auxiliar através de seus princípios a resgatar tantas identidades destruídas.

Desta maneira, discutir e trabalhar a relação existente entre identidade e trabalho faz-se necessário no contexto da EJA.

1.2 – OBJETIVO

Ao longo desta pesquisa busquei discutir a influência que o trabalho produz sobre o ser humano e o quanto o mesmo é determinante para o reconhecimento do homem como sujeito, além disso, este trabalho mostra como é possível favorecer a construção de uma identidade emancipatória através dos princípios da economia solidária.

1.3 – MÉTODO

Participaram deste estudo os estudantes de uma sala multisseriada do primeiro segmento de uma escola municipal de São Bernardo do Campo. Uma sala composta por 21 alunos, com idades entre 17 e 73 anos.

A pesquisa foi realizada em uma sala de aula de uma escola pública do município de São Bernardo do Campo.

Tratou-se de um estudo de pesquisa-ação, de base empírica associada a uma ação contando com a participação dos educandos e educador.

Este processo supõe que os pesquisadores adotem uma linguagem apropriada. Os objetivos teóricos da pesquisa são constantemente reafirmados e afirmados no contexto com as situações abertas ao diálogo com os interessados, na sua linguagem popular (THIOLLENT, 1986, p.75).

2 – CAPITULO I
 IDENTIDADE E TRABALHO

O conceito de identidade tem sido muito discutido nos últimos tempos. Se conferirmos no dicionário. Existem diversa abordagens sobre a construção da identidade e sobre o seu desenvolvimento no decorrer da vida de um ser humano. Há concepções que são ontológicas e naturalistas que acreditam que a identidade é uma característica inata do individuo ou concluída nos primeiros anos de vida.

Aristóteles criou a teoria de que identidade é a “unidade da substância”, ele sintetiza que as coisas são idênticas do mesmo modo em que são unidade, afirma ainda que a identidade é uma unidade, que se refere a uma única coisa, considerada como duas, como acontece quando se diz que a coisa é idêntica a si mesma.

“Em sentido essencial, as coisas são idênticas do mesmo modo em que são unidade, já que são idênticas quando é uma só sua matéria (em espécie ou em número) ou quando sua substância é uma. É, portanto, evidente que a identidade de qualquer modo é uma unidade, seja porque a unidade se refira a uma única coisa, considerada como duas, como acontece quando se diz que a coisa é idêntica a si mesma.” (ARISTÓTELES apud ABBAGNANO, 1982, p. 503)

Paul Ricoeur se refere à identidade como: “mesmidade”, ou identidade idem e ipseidade, ou “identidade ipse”. A identidade idem seria o reconhecimento pela semelhança, pessoas de determinados grupos, têm em comum determinadas características que os tornam semelhantes. Já a identidade ipse indica o reconhecimento pela particularidade, o que é singular ao indivíduo, o que o torna distinto em determinado grupo.  Ao se referir à obra de Paul Ricoeur, Gontard pontua:

(…) a identidade-idem designa a forma coletiva de identificação na qual o sujeito se reconhece semelhante a uma classe de outros sujeitos. (Assim se poderá falar de um identidade francesa (…) por exemplo). (…) a identidade-ipse designa, ao contrário, uma forma pessoal de identificação onde o si reconhece-se diferente pelos sujeitos, mesmo daqueles de sua própria classe. A identidade ipse coloca em jogo o si enquanto que mesmo, no processo de individuação do sujeito. (GONTARD, 2001. p. 173)

A partir disso podemos dizer que a identidade se caracteriza pela mediação entre ipseidade e mesmidade, a mediação entre os elementos mutáveis e imutáveis da identidade coletiva e individual.

Em contrapartida a estas visões aparece Ciampa (1987) com uma nova concepção de identidade, entendida como resultado de um processo histórico que compreende toda vivência humana e como um processo de construção de subjetividade.

A subjetividade é um sistema complexo de significações e sentidos subjetivos produzidos na vida cultural humana, e ela se define ontologicamente como diferente dos elementos sociais, biológicos, ecológicos e de qualquer outro tipo, relacionados entre si no complexo processo de seu desenvolvimento. Temos definido dois momentos essenciais na constituição da subjetividade – individual e social -, os quais se pressupõem de forma recíproca ao longo do desenvolvimento. A subjetividade individual é determinada socialmente, mas não por um determinismo linear externo, do social ao subjetivo, e sim em um processo de constituição que integra de forma simultânea as subjetividades social e individual. O individuo é um elemento constituinte da subjetividade social e, simultaneamente, se constitui nela (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 36-37).

Ciampa acredita que a identidade pressupõe a realidade social em que o individuo está inserido e que na identidade desse ser ocorre constantes mudanças, tendo assim um caráter de metamorfose. O autor afirma que “compreender a identidade é compreender a relação individuo e sociedade. Cada individuo encarna as relações sociais configurando uma identidade pessoal ”(CIAMPA, 1987, p.127).

“Assim, o existir humanamente não está garantido de antemão, nem é uma mudança que se dá naturalmente, mecanicamente – exatamente porque o homem é histórico. E, afinal, a história nem é um deus que conduz os homens a seus desígnios secretos, nem é um processo com um fim ultimo; isto seria reduzir o homem a condição de coisa, desconhecer a infinitude humana, conceber os homens como seres que chegarão a realizar sua plenitude e nada mais pudessem vir-a-ser depois de um momento dado; seria considerar que tudo o que foram, são, serão e podem ser se esgotasse num absoluto que negasse a dialética do fenômeno humano; é verdade que um fato ocorrido é irrecorrível definitivamente, mas seus desdobramentos (assim como seus significados) são imprevisíveis e suas transformações infindáveis – o que não significa que certas alternativas não possam ser impossíveis.” (CIAMPA, 1994, p.71)

Notamos que o homem não é apenas um ser biológico, mais também um se psicológico, social e histórico.

Percebemos que nossa historia contribui muito para a construção e transformação da nossa identidade é que todas as atividades que realizamos são efetivamente responsáveis por tais transformações comportamentais; ou seja a manifestação do ser é sempre uma atividade.

Um dos fatores cruciais para a discussão da constituição da identidade é relação do sujeito com o trabalho. Codo (1994) relata que o trabalho influencia e determina o comportamento do humano, suas expectativas, seus projetos para o futuro, sua linguagem e seu afeto.

De acordo com Tomazi (1993) podemos definir o trabalho como atividade física ou intelectual realizada por um humano e que o mesmo existe para satisfazer as nossas necessidades das mais simples às mais complexas. O trabalho ocupa um papel central na vida de quem o realiza.

Engels acredita que o trabalho é o fundamento da vida humana e que o trabalho criou o próprio homem, transformando-o no ser que é hoje, foi através do trabalho que se deu a transformação. O autor afirma que o trabalho “é a primeira condição básica para toda a existência humana, e isto numa tal extensão que, em determinado sentido, nós temos de dizer que o trabalho criou o próprio homem” (ENGELS, 1984, p.4).

Marx (1983) seguindo a mesma linha de Engels afirma que o trabalho é a essência do homem e que é um processo vivenciado pelo homem que ao se relacionar com a natureza a transforma em bens. Ele acredita que o trabalho cria o homem, e por força da dialética o homem cria a si mesmo pelo trabalho. Para o autor o trabalho é o centro das atividades humanas.

Desde as antigas civilizações o trabalho esta presente nas relações humanas, porém, com os modos de produção capitalista, essas relações se transformaram e se configuraram de forma a limitar autonomia do homem, tornando-o alienado perante a realidade social que o cerca.
A palavra trabalho tem origem no vocabulário latino tripalium, que é um aparelho de tortura composto de três paus, ou seja, a etimologia da palavra trabalho guarda um sentido de tortura.

Se o produto do trabalho vale apenas pelas horas de trabalho nele inseridas, o vinculo trabalho-satisfação de necessidades ganha um elo novo: transforma-se em trabalho-troca de equivalentes-satisfação de necessidades, o que faz por tornar as necessidades do Homem contingentes ao dinheiro (equivalente) e não à sua própria tarefa. Pela mesma razão subordina o uso à capacidade de troca e não a capacidade de produção. Em outras palavras a sobrevivência do homem passa a depender não de sua ação (ou de seu trabalho) mesmo, mas sim do trabalho social (ação social), e por outro lado, obviamente, sua ação deixa de ser definida por suas necessidades e passa a ser definida por critérios sociais (CODO, 1994, p.144).

Ao falarmos em alienação, percebemos o quanto o homem se anula enquanto sujeito, transformando em valor abstrato a especificidade do seu trabalho, trazendo consigo sofrimentos fundamentais caracterizados por Dejours (1992) como sintomas de insatisfação e ansiedade.

Do discurso operário podem-se extrair vários temas que se repetem obstinadamente como um refrão obsessivo. Não há um só texto, uma só entrevista, uma só pesquisa ou greve que em que não apareça, sob suas múltiplas variantes, o tema da indignidade operária. Sentimentos experimentados maciçamente na classe operária: o da vergonha de ser robotizado, de não ser mais do que um apêndice da máquina, às vezes de ser sujo, de não ter mais imaginação ou inteligência, de estar despersonalizado etc (DEJOURS, 1992, p.48).

Para este mesmo autor, o trabalhador não conhece a significação do seu trabalho e a função que o mesmo exerce dentro da empresa; e acredita ainda que a sua tarefa não tenha significação humana, sendo assim sem nenhum significado para o grupo social.

São inúmeras as frustrações vivenciadas pelo homem dentre o mundo do trabalho. As relações entre homem e trabalho geralmente estão bloqueadas pelas cruéis estruturas das organizações do sistema capitalista que visa apenas o lucro, esquecendo-se do homem como agente da transformação.

A questão da identidade se coloca diferente de acordo com a realidade de cada sociedade, no nosso caso a produção capitalista perpassa por todas as nossas atividades determinando quem somos, o que produzimos, como vivemos, como convivemos, como consumimos, entre outros fatores também determinantes.

Ciampa afirma que o fato de vivermos em uma sociedade moderna regida pelo sistema capitalista nos impede de ser verdadeiros sujeitos, pois a tendência do capitalismo é fazer com que o homem deixe de ser verbo para ser um substantivo, ou seja, querem fazer do homem suporte do capital negando-o como humano, sendo assim algo coisificado.

Recebemos todos os dias em nossas classes de Educação de jovens e adultos trabalhadores sufocados e insatisfeitos com este modelo de economia predominante. Indivíduos que na maioria dos casos largaram o ensino regular na infância para trabalhar, buscando assim sobreviver.  Certificamos que a relação homem-trabalho é determinante para a constituição da identidade do homem e que identidade além de uma categoria cientifica deve ser vista como questão política. Por esse motivo acreditamos que somente com um olhar diferenciado, com uma educação emancipadora e politizada é que se torna possível através de reflexão e ação reconstruir identidades que foram destruídas por esse sistema de exclusão.

A formulação de tal política, de uma política de identidade do Homem da nossa sociedade, a realização de tais projetos, para ser coerente com seus propósitos há de ser feita coletivamente e de forma democrática (entendida aqui como forma racional). A questão se coloca como uma questão pratica e como tal deve ser enfrentada, conscientemente por nós – cada um de nós, todos nós. (CIAMPA, 1994, p.74)

3.CAPITULO II
IDENTIDADE E EDUCAÇÃO

A Educação de jovens e adulto (EJA) é uma modalidade de ensino garantida através da constituição federal de 1988, de responsabilidade e dever do estado “oferecer ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” ( artigo 208, inciso I).

O objetivo EJA é de restaurar o direito à educação que fora negada aos jovens e adultos, oferecendo a eles igualdade de oportunidades, já que os mesmos não tiveram direito a este ensino quando crianças.

Os educandos da EJA, em grande parte, são pessoas com um baixo poder aquisitivo que pertencerem a uma mesma classe social. Por esse motivo muitos não tiveram acesso ao ensino regular, pois suas experiências com o mundo do trabalho começaram muito cedo. Por serem de famílias pobres desde pequenos tinham que vender a sua pequena força de trabalho para ajudar no sustento da família ou então tomar a responsabilidade da casa e dos irmãos mais novos para seus pais poderem trabalhar.

O trabalho é responsável pela a desistência escolar de muitos desses alunos como também pelo retorno dos mesmos a escola devido as exigências do mercado de trabalho.

O trabalho exercido por nossos educandos geralmente são cansativos, repetitivos, não engrandecedor, com baixa remuneração, oriundo de muito esforço físico, desgastantes, distante assim do trabalho como atividade fundamental pela qual o ser humano se humaniza e se aperfeiçoa.

A educação, por sua vez, vem com um papel transformador proposto por Freire que busca proporcionar a estes educandos uma escola que sistematize seus conhecimentos e ao mesmo tempo dê condições dos mesmos encontrarem novos horizontes a este “desafio” de transformar as relações de ensino aprendizagem, visando o “empoderamento” dos alunos-trabalhadores para uma efetiva transformação social.

Paulo Freire relata que a educação é um instrumento de humanização dos homens que sofrem as frustações da opressão econômica, politica e cultural.

Todo empenho do Autor se fixou na busca desse homem-sujeito que, necessariamente se implicaria em uma sociedade também sujeito. Sempre lhe pareceu dentro das condições históricas de sua sociedade, inadiável e indispensável uma ampla conscientização das massas brasileiras através de uma educação que as colocasse numa postura de auto-reflexão e reflexão sobre o seu tempo e seu espaço (FREIRE, 1967, p.44).

O autor em suas obras menciona sobre a importância do homem perceber a sua subjetividade, da sua participação na construção histórica e cultural. Para Freire, o fundamental é que o indivíduo se reconheça e se constitua como sujeito no mundo, responsável pela construção das condições do mundo em que vive, e não um objeto, à mercê de situações sem poder ser modificadas.

Freire reforça que a tarefa mais importante da pratica educativo-critica é propiciar que os educandos através da socialização possam se assumir como humanos.

Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu.  (FREIRE, 1996, p.41)

Acreditando na educação como uma possibilidade de transformar de alguma forma a realidade social, principalmente no que se refere à realidade do aluno-trabalhador, faz-se necessário trabalhar alguns princípios como a fraternidade, cooperação, solidariedade, colaboração, autogestão e outros presentes na Economia Solidária.

A Economia Solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que se propõe uma nova pratica social e um entendimento novo dessa pratica. A única maneira de se aprender a construir a  Economia Solidária. (SINGER,2005, p. 19).

De acordo com Singer (2002) a Economia Solidária é uma nova organização econômica que visa não apenas o lucro (como no sistema capitalista), mas a valorização do ser humano como um todo respeitando toda a sua complexidade.

A economia solidária é um conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizadas sob a forma de autogestão.

A Economia Solidária é um projeto revolucionário, é um projeto para uma outra sociedade, e isto nos permite formula-la como nós desejamos. No entanto, nós não somos utopistas no mau sentido da palavra, ou seja, nós não ficamos numa discussão pura do que é bom: o que é a natureza humana? Nós queremos também fazer com que essa concepção, esse programa, tenha viabilidade de conquistar as mentes e os corações dos nossos outros cidadãos, senão todos, muitos para que ela possa se transformar em pratica (SINGER, 2005).

Os valores e práticas da Ecosol como a autogestão e a cooperação, tendo como referência o processo educativo/formativo a ação solidaria que enobrece, revitaliza, fortalece e valoriza a potencialidade de cada integrante do grupo, diferentemente da competitividade e individualismo (fruto do sistema capitalista) que apenas exclui, enfraquece, inferioriza e deteriora o ser humano que recebemos em nossas salas de convivência.

Analisando os princípios de economia solidária como a autogestão, fraternidade, cooperação e colaboração, defendidas por Singer (2002), percebemos o quanto eles se aproximam dos ideais que queremos e sonhamos para os educandos da EJA, tendo como  norteadores a reflexão, as construções coletivas do conhecimento pelos sujeitos e concepção integral de educação que leve em conta a totalidade do ser humano, respeitando sua história, valorizando seus conhecimentos prévios e resgatando a sua autoestima, dignidade e identidade.

(…) um tipo de educação que sonhe participar dentro e fora da sala de aula, da criação de pessoas capazes de aprender a conhecer a compreender por conta própria, mas uma através das outras, o tipo de sociedade em que vivem. Isso quando cremos que um outro mundo é possível. E sujeitos culturais aprendentes, que sejam capazes de se integrar e participar dos círculos de vida social onde pessoas para o exercício da cidadania produzem o tipo de mundo da vida cotidiana onde devem viver as pessoas cidadãs (BRANDÃO, 2002, p.175)

4.  EJA E ECONOMIA SOLIDÁRIA: JUNÇÃO EM PROL DO REGASTE DE IDENTIDADE DOS EDUCANDOS DA EJA

Este estudo enfoca o resgate da identidade de educandos da EJA, através de alguns princípios básicos da economia solidaria.

Este trabalho tratou de um estudo de pesquisa-ação, de base empírica associada a uma ação contando com a participação dos educandos e educador. Ao longo desta pesquisa discutimos a influência que o trabalho produz sobre o ser humano e o quanto o mesmo é determinante para o reconhecimento do homem como sujeito, além disso, este trabalho enfatiza como é possível favorecer a construção de uma identidade emancipatória através dos princípios da economia solidária.

Participaram deste estudo os estudantes de uma sala multisseriada do primeiro segmento de uma escola municipal de São Bernardo do Campo.

Uma sala composta por 21 alunos, com idades entre 17 e 73 anos.

Foi realizado um projeto sobre o mundo do trabalho com os alunos de uma turma da Emeb Antônio dos Santos Farias. A turma é composta por 22 alunos, sendo 13 homens (4 trabalhadores formais, 3 desempregados e 6 trabalhadores informais)  e 9 mulheres (2 trabalhadoras formais, 2 donas do lar e 5 trabalhadoras informais). Todos são moradores da região periférica da cidade de São Bernardo do Campo, composto pelos bairros Jd. Represa ( bairro onde a escola se localiza), Parque Imigrantes e Jd. Pinheiro.

Durante o ano foram trabalhadas várias atividades, nas quais buscavam traçar um diálogo entre trabalho e identidade, enfatizando temáticas como: relação com produção; exploração do homem pelo homem; lucro; historia do mundo do trabalho; historia de vida do aluno/trabalhador; relação da migração com o trabalho; ecosol caminho/alternativa para uma nova reforma no trabalho.

Abaixo segue o relato de duas atividades realizadas com grupo mencionado que constatam a importância e eficácia em trabalhar tais conteúdos com os educandos da EJA.

4.1 Prática 1 – Identidade do Trabalhador
4.2. Prática 2 – “A exceção e a regra”

5. CONCLUSÃO

Durante esta pesquisa, realizamos vários levantamentos sobre as atuais realidades e perspectivas vivenciadas por nossos educandos no mundo do trabalho.

Em diversos momentos durante o ano de estudo houveram muitos relatos das insatisfações e frustrações em relação as funções que exercidas e a baixa remuneração.

Ao apresentar o projeto elaborado, percebi o quanto eles revelaram nas discussões suas identidades oprimidas e massacradas por esse sistema tão cruel, que os tornam apenas mão – de –obra barata, seres alienados e passivos de toda e qualquer situação apresentadas pelos “grandes senhores” que detêm o capital.

Com a ideia de que a identidade deve ser entendida como resultado de um processo histórico que compreende toda vivência humana e como um processo de construção de subjetividade, foram exploradas as possibilidades de transformação da mesma, através de educação libertadora e emancipadora, que permitiu aos alunos serem sujeitos de suas próprias historias, saírem das condições de alienação e passividades vivenciadas por eles até então.

Os educandos foram convidados a experimentarem como é bom serem agentes participantes e atuantes e como alguns gestos e princípios simples pregados pela Economia Solidária como a autogestão, fraternidade, cooperação, equidade, desenvolvimento local, colaboração, sustentabilidade e outros, tornando mais agradável o ambiente de trabalho, modificando assim condições básicas de sua identidade.

6. REFERÊNCIA BIBLIOTECA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia (tradução coordenada por Alfredo
Bosi). São Paulo, Mestre Jou, 1982.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002
BEISIEGEL, C.R. Paulo Freire. Recife: Fundação Jaquim Nabuco: Massangana
CIAMPA, Antônio da C. A estória do Severino e a historia da Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987.
DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho/ Christophe dejours; tradução de Ana Isabel Paraguay e Lùcia Leal Ferreira. – 5. Ed. Ampliada – São Paulo: Cortez – Oboré, 1992.
FERREIRA, Aurélio B. H. Mini Aurélio: século XXI escolar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2002.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 2. Ed: Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997. (Coleção Leitura).
GONTARD, M. O desejo do Outro: por uma semiótica do olhar exótico. In: FORGET, D.; OLIVEIRA, H. L. “Imagens do Outro”: leituras divergentes da alteridade. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, ABECAN, 2001.
GONZÁLEZ REY, F. L. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. Trad. Marcel Aristides Ferrada Silva. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
LANE, Silvia T. M. e CODO, Wanderley. (orgs). Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Ed brasiliense, 1994.
MELLO, Sylvia Leser. (org). Economia solidária e autogestão: encontros internacionais. São Paulo: NESOL-USP, ITCP-USP, PW, 2005.
SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. 1ª ed. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2002.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1986
TOMAZI, N. D. (org). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual, 1993.