Ficha Síntese da Prática Pedagógica
Objetivos da Prática Pedagógica:
Apreciar e participar do enredo da peça teatral “A exceção e a regra” de Bertolt Brecht com o coletivo núcleo 2; conhecer e apreciar as telas de Cândido Portinari; o conhecer e apreciar a letra da música “Menino Guerreiro” de Fagner; estabelecer relações entre as imagens retratadas nas telas, a letra da música e o mundo do trabalho; construir, expressar-se, refletir e comunicar-se por meio das artes visuais, compartilhar sua história no mundo do trabalho e suas conexões com o percurso dos outros estudantes; valorizar e respeitar às experiências de vida, bagagem cultural das pessoas, as lembranças e memorias como fontes de historia oral e pessoal; argumentar para explicar e fundamentar suas próprias opiniões.
Característica do grupo a quem foi aplicada a prática:
A atividade foi realizada com os alunos de uma turma da Emeb Antônio dos Santos Farias. A turma é composta por 22 alunos, sendo 13 homens (4 trabalhadores formais, 3 desempregados e 6 trabalhadores informais) e 9 mulheres (2 trabalhadoras formais, 2 donas do lar e 5 trabalhadoras informais). Todos são moradores da região periférica da cidade de São Bernardo do Campo, composto pelos bairros Jd. Represa ( bairro onde a escola se localiza), Parque Imigrantes e Jd. Pinheiro.
Dinâmica de trabalho adotada na prática pedagógica:
Atividade desencadeada pela peça teatral “A exceção e a regra”, apreciação de telas de Portinari e da musica de Fagner “Menino Guerreiro”, discussão do grupo sobre relações entre materiais apresentados, releitura de obras do pintor com incorporação dos princípios da Ecosol e socialização das produções individuais.
Recursos necessários para aplicação:
Telas de Portinari, musica de Fagner “Menino Guerreiro”, folhas de sulfite, lápis grafite, lápis de cor e placas com a escrita de alguns princípios a Ecosol.
Breve currículo do autor da prática pedagógica:
Priscila Gomes da Silva – Formada pela Universidade do Grande ABC (UniABC). Professora de Ed. Infantil na Prefeitura de São Paulo, e Professora do Ensino Fundamental na Prefeitura de São Bernardo do Campo, onde pelo 3º ano leciona na EJA.
Deseja ser contatado por outros professores: Não
RELATO
No dia 24 de agosto nossos alunos apreciaram e participaram de uma apresentação teatral na escola. O espetáculo em questão era “A exceção e a regra” de Bertolt Brecht representada pelo grupo teatral Coletivo Núcleo 2. Realizamos uma reflexão sobre o mundo do trabalho, mais propriamente sobre a relação de trabalho típica do sistema capitalista.
Os alunos participaram ativamente do espetáculo, pois se utilizava a técnica do Teatro Fórum de Boal (sistematizada pelo diretor Augusto Boal), onde, no final do espetáculo, os educandos puderam refazer as ações da peça propondo novas soluções para os conflitos da trama. A peça trazia a saga de um homem de negócios que empreendia uma viagem ao deserto com dois empregados para conseguir fechar uma concessão de petróleo. Ele não media esforços para alcançar seu objetivo, mesmo que para isso tivesse que explorar ao máximo a força de trabalho por ele contratada. Numa situação extrema o patrão assassina o carregador de suas bagagens, pensando que este iria atacá-lo.
Os atores durante o espetáculo convidaram os alunos para modificar a trajetória da peça, sendo personagens e dando sugestões de como poderia ser alterado a relação de exploração e subordinação vivida por um homem que recebeu a morte como remuneração. O espetáculo finalizou com o julgamento deste assassino ressaltando como o Estado se posiciona perante o crime. Os atores os levaram a refletir sobre os sofrimentos que o empregado passou e se eles acreditavam que a realidade daquele personagem poderia ser modificada dentro deste sistema em que vivemos. Durante a apresentação os educandos verbalizaram que muitos deles passavam por situações semelhantes com as do carregador.
Alunos apreciando e participando do espetáculo
Como a peça utilizava a técnica de Teatro Fórum Boal, que procura aprofundar as relações do teatro com a educação, cogitando uma função social da arte que não seja apenas de mercadoria de entretenimento, mais de instrumento de formação humanística e critica decidi utilizá-lo como desencadeador para a nossa discussão e para o desenvolvimento das atividades seguintes. Sendo assim pensei em atividades que contemplassem e evidenciassem o diálogo que vinhamos realizando em sala entre trabalho e identidade que estava tão evidente no enredo do espetáculo e na verbalização dos envolvidos durante a participação na peça. Tais atividades tinham como objetivo a apreciação e participação do enredo da peça teatral “A exceção e a regra” de Bertolt Brecht com o coletivo núcleo 2; o conhecimento e apreciação das telas de Cândido Portinari; o conhecimento e apreciação da letra da música “Menino Guerreiro” de Fagner; estabelecimento das relações entre as imagens retratadas nas telas, a letra da música e o mundo do trabalho; construção, expressão, reflexão e comunicação por meio das artes visuais, compartilhamento de sua história no mundo do trabalho e suas conexões com o percurso dos outros estudantes; valorização e respeito às experiências de vida, bagagem cultural das pessoas, as lembranças e memorias como fontes de historia oral e pessoal; argumentação para explicar e fundamentar suas próprias opiniões.
No dia seguinte, iniciei a aula realizando a leitura da música “Menino Guerreiro” de Fagner, pedi para que eles traçassem as relações existentes entre a letra da música, suas vidas e todos os conteúdos trabalhados anteriormente sobre o mundo do trabalho. Após a análise dos materiais houve o momento da socialização onde os educandos verbalizaram seus sentimentos. “José” falou: “Quando cheguei em casa lembrei do teatro, foi bem legal, a moça era bonita, tadinha morreu” . “Fabio” disse: “Igual a mim, meu chefe me tira o couro, só trabalho, não sou feliz em meu trabalho (assim como o carregador), sou invisível para as pessoas que trabalham no escritório, os engravatados”. “Antônio” logo se colocou dizendo:
“Trabalho nenhum é bom só trabalho para sustentar minha família”. “Maria” disse: “Agora que estou aposentada não vou dar mais um dia de trabalho para ninguém, pois os patrões que tive nunca valorizaram os meus esforços, trabalhava até doente e ninguém nunca me disse um obrigado.” “Lucia” desabafo: “Estou muito triste no meu trabalho, sou tratada pior que um “bicho”, o filho daquela velha mentirosa que cuido me humilha, não permite que eu fale com os vizinhos do apartamento e não posso nem comer, prôzinha ele pisa em mim só por que é advogado e eu sou pobre”, “Lucia” interrompeu a amiga e disse:“ Esse povo é assim mesmo acha que agente é lixo!”. Mario cortou:“ Você é boba, mete um processo nele, agente tem direito de comer, isso é lei!” Lucia retrucou: “ A lei só existe pra ele, você não viu ontem o rico continuou livre mesmo matando o pobre coitado”.
Percebemos claramente nos relatos acima que são inúmeras as frustrações vivenciadas pelo homem dentre o mundo do trabalho. Nesse instante me deparei com a seguinte fala de Brandão:
(…) quando estamos lidando com o saber e o aprender, o que se vive é só um cuidadoso e lento trabalho de lidar com momentos inesperados da experiência de vida de cada pessoa educanda. De olhar nos olhos uma gente que não raro precisou de esperar não mais da metade da vida para ser aceita em um banco de escola (BRANDÃO, 2002, p.43).
As relações entre homem e trabalho verbalizadas por eles geralmente estão bloqueadas pelas cruéis estruturas das organizações do sistema capitalista que visa apenas o lucro, esquecendo-se do homem como agente da transformação, com os modos de produção capitalista, essas relações se transformaram e se configuraram de forma a limitar autonomia do homem, tornando-o alienado perante a realidade social que o cerca.
Após distribuir para cada aluno uma tela de Portinari sobre o mundo do trabalho (mesmas telas utilizada para outras atividades já sistematizadas) cada um escolheu a imagem que mais o chamou a atenção e se aproximou de sua realidade. Os alunos ao observarem as obras de Portinari perceberam que a maioria dos personagens retratados não possuíam fisionomia; e que as que possuíam resplandeciam uma imensurável tristeza. Questionei-os se haveria alguma forma de mudar a realidade dos trabalhadores representados nas telas. Todos se calaram, então os recordei do espetáculo e das diversas ações que fizeram em busca de caminhos para solucionar o conflito sem êxito, devido ao sistema econômico predominante.
Colei na lousa as seguintes palavras: autogestão, sustentabilidade, equidade, desenvolvimento social e cooperação. “Maria” no mesmo instante disse: “Ah! Sabia que ela ia vim com essa historia”. “Lucia” completou: “È verdade pro, esqueci da economia solidaria, se fosse assim as coisas seria diferente”. “Fabio reforçou”: “Seria tão bom se todos vivêssemos assim, já pensou pro se nós mandássemos na nossa própria empresa…
Após a discussão entreguei para cada aluno outra lâmina da obra de Portinari (a mesma tela que escolheram anteriormente) com os rostos em branco e pedi para que escolhessem um dos princípios da economia solidária que eles acreditavam que possivelmente tornaria mais agradável o momento vivido pelos trabalhadores retratados por Portinari; pedi também para que eles modificassem o que eles achassem necessário na fisionomia dos personagens, relacionando assim as imagens com os princípios escolhidos. Para motiva-lo em suas criações realizei a leitura de comentário de Portinari que enfatiza sua preocupação em criar uma arte de cunho social, participativa na educação efetiva do povo:
“Nós devemos no Brasil acabar com o orgulho de fazer uma arte para meia dúzia, o artista deve educar o povo, mostrando-se acessível a esse publico, que tem medo da arte por ignorância, pela ausência de uma informação artística que deve começar nos cursos primários. Os nossos artistas precisam de deixar suas torres de marfim, devem exercer uma forte ação social, interessando-se pela educação do povo brasileiro. Todos os homens de espirito, no Brasil vivem isoladamente sem sentimento de coletividade, por isso são eles que têm menor força”. (citado por AZEVEDO, p.22, 2003).
Todos realizaram as atividades e se envolveram com o tema proposto. As discussões realizadas em todo desenvolvimento das atividades nos propiciou uma reflexão sistemática sobre trabalho e identidade. Segundo Ciampa (1994) a identidade é entendida como resultado de um processo histórico que compreende toda vivência humana e como um processo de construção de subjetividade, portanto o trabalho e as condições que o mesmo nos possibilita são constituintes da nossa identidade.
Acreditando na educação como um instrumento de humanização dos homens que sofrem as frustrações da opressão econômica, politica e cultural, principalmente no que se refere à realidade do aluno-trabalhador, foi extremamente necessário trabalhar os princípios da Economia Solidária.
Estou muito satisfeita com os resultados que tais conteúdos proporcionaram aos meus alunos. Sinto-os mais críticos, atuantes, confiantes e esperançosos. Sei que o sistema capitalista ainda esta embutido neles e que muitos são escravos do consumismo, porém sei a que semente foi enxertada e a mesma no decorrer do caminho um dia germinará, mesmo que lá na frente não encontre grandes adeptos da economia solidaria sei que encontrarei homens e mulheres melhores!