Economia Solidária: Uma Alternativa Inovadora para os Impactos da Globalização na Formação dos Professores e no Currículo da Educação de Jovens e Adultos

Autora: Isabel Mayer Bonilha
Orientadora:
  Marineide do Lago Salvador dos Santos

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
  • CAPÍTULO 1 – MUNDO DO TRABALHO.
    1.1.     O trabalho numa perspectiva histórica
    1.2.     Tempos Modernos
    1.3.     Modernização das relações socioeconômicas no Brasil
  • CAPÍTULO 2 – EXPERIÊNCIAS INOVADORAS PARA OS ALUNOS E ALUNAS DA EJA.
    2.1.  Transformação da realidade local
    2.2.  Educando para a liberdade
  • CAPÍTULO 3 – REINVENTANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.
    3.1.  Reafirmando a realidade atual
    3.2.  Inserindo tecnologia e ciência na EJA
    3.3.  Conquistando a cidadania pela EJA
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • APÊNDICES
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

INTRODUÇÃO

Atuando na Rede Pública do Município de Santo André, Estado de São Paulo – SP como Assistente Pedagógica em Formação dos Professores e Professoras no Currículo da Educação de Jovens e Adultos e participando no Projeto da Universidade Federal do ABC, que discute e apresenta os termos de uma sociedade em que predomina a igualdade entre os membros por meio de um sistema econômico solidário, consideramos necessário repensar o conteúdo educacional, pois, segundo Paul Singer: “A Economia Solidária por si só é um ato pedagógico na medida em que propõe uma nova forma de pensar e praticar essa Economia”.

Essa nova abordagem nos trouxe a vontade de pesquisar e analisar o currículo e a formação atual dos docentes, a fim de buscar nos princípios que fundamentam a Economia Solidária uma nova proposta de Currículo e Formação dos professores e professoras envolvidos com a Educação de Jovens e Adultos. Também se fez relevante discutir o trabalho com os professores e professoras, pois, os mesmos têm um papel fundamental na transformação, resgate ou manutenção de valores socioculturais a fim de proporcionar uma educação humanitária e crítica. O tema tem importância na medida em que o modelo atual de Educação de Jovens e Adultos não atende totalmente as necessidades de uma sociedade mais justa e solidária.

Por isso, esta monografia pretende sugerir possíveis transformações no Currículo da EJA e na formação dos docentes, recusando os impactos negativos da globalização e do sistema capitalista que influenciaram tanto a educação quanto o mundo do trabalho. Abordamos os efeitos desse sistema e a Economia Solidária como alternativa em seu histórico e perspectivas. Esse foi eixo norteador a partiu da economia solidária em seu histórico, atuação e princípios que foi trabalhado, por meio de discussões com os educandos do Polo Educacional da Rede Municipal de Educação de Jovens e Adultos, no Município de Santo André – São Paulo, e assim contrapondo os possíveis impactos dessa globalização que atinge o campo da educação e o mundo do trabalho.

Desse modo, forneceremos subsídios para uma nova proposta e um novo currículo da EJA que contribuirá para a discussão e assimilação de novos princípios solidários. Uma sociedade cooperadora e que venha a desenvolver uma nova forma de trabalho como atividade criadora. Destarte, “exclusiva do homem” que o torna um ser habilitado e o faz um ser competente e criador, manifesta sua capacidade intelectual, seu raciocínio lógico e também sua capacidade de criar, planejar, avaliar e transformar. Isto em oposição a um sistema de trabalho que faz do ser humano apenas uma mercadoria lucrativa para o capital.  Sendo assim, a Economia Solidária nos fez repensar o sistema educacional atual.

Nosso objetivo é discutir o currículo da EJA, a formação dos professores e professoras e o atual modelo educacional e econômico e oferecer possíveis alternativas com base na Economia Solidária. Apresentar novas propostas que direcionem ao humanismo econômico que garante a transformação social.  O modo de produção capitalista globalizado, caracterizado pelo intenso volume de acumulação de capital e têm excluído parte significativa da sociedade, setores populares que são marginalizados por este modelo econômico dominante. Desse modo, defendemos a Economia Solidária como uma alternativa superior ao capitalismo, pois com a Economia Solidária é possível proporcionar uma alternativa à sociedade com os princípios de solidariedade e igualdade.

O tema tem relevância na medida em que o modelo em análise de Educação de Jovens e Adultos atual não tem atendido as demandas de uma sociedade mais justa e solidária. Uma nova Pedagogia necessita de uma nova Metodologia. Nesse caso, a Economia Solidária foi o suporte desta monografia que recomendou:

Pensar ao fazer. Assumir-se como sujeito exige recuperar a fala, que reproduz o conhecido, e o ato de nomear, que elabora novos conhecimentos (…). É por isso que, na formação de grupos cooperados, são tão importantes três perguntas: o que cada membro do grupo faz; o que eles sabem fazer; e o que eles gostariam de fazer juntos. Essas perguntas abrem espaço para a fala sobre o vivido e sobre a realidade, tal como é percebida coletivamente pelo grupo, mas principalmente, abrem espaço para nomear às novas alternativas, que podem assim ser concebidas. A economia solidária pretende uma nova mudança de qualidade e de postura do sujeito diante da vida e da organização da sociedade. (KRUPPA, 2005. p.p. 26-27).

Portanto, nossa monografia buscou subsídios para a formação e qualificação de professores da Educação de Jovens e Adultos no sentido de proporcionar respostas e reflexões acerca do atual Currículo da EJA. Acreditamos ter contribuído para a motivação real de alunos e alunas num mundo de trabalho humanizado e de forma a dar-lhes condição de uma vida digna em busca da conquista da cidadania e da autonomia.

Utilizamos uma bibliografia que contribuiu sine qua non com o embasamento dessa monografia, tais como: Paul Singer, Helena Singer, Sonia Kruppa, Moacir Gadotti, Marcos Arruda, Paulo Freire, Madalena Freire, Mario Sergio Cortella e Milton Santos.  Referências como atividades desenvolvidas com os alunos e alunas da Educação de Jovens e Adultos da Rede Municipal de Santo André – SP. Utilizamos o procedimento de observação através de entrevistas, análise documental, apresentação de vídeos seguidos de discussões, leitura de textos, registros, tabelas e gráficos com devolutiva de dados discutidos com os alunos e professores sobre a economia solidária.  (Apêndices I, II e III.).

Na primeira atividade tratamos da realidade local no mundo do trabalho, na segunda atividade buscamos através do filme: História das coisas reflexões sobre a sociedade e consumo com questionamentos e reflexão sobre a organização de nossa sociedade. Na terceira atividade com educadores apresentamos o Texto: Economia Solidária Uma aproximação ao Programa Supletivo Profissionalizante “Educação dos Trabalhadores pelos trabalhadores” na busca de que os participantes repensassem suas práticas e avançassem na reflexão dos conteúdos já existentes no Currículo da EJA a fim de proporcionar aos alunos trabalhadores aprendizagens significativas e alternativas para o mundo do trabalho dentro dos princípios da Economia Solidária.

CAPÍTULO 1 –  MUNDO DO TRABALHO

1.1. O trabalho numa perspectiva histórica

No modo de produção capitalista o trabalho “dignifica o homem”. Porém, ele está associado historicamente ao sacrifício, ao pecado e ao castigo. A etimologia da palavra “trabalho” vem do latim tripalium, que significa um instrumento de suplício na Roma antiga. Segundo o Antigo Testamento Deus já havia castigado o homem (Adão) no Paraiso condenando-o por ter cometido o pecado de “comer” a “maça”. Disse Deus a Adão: “Irás pagar com o suor do seu rosto”. O capitalismo então precisou de “dignificar” o trabalho assalariado, para torná-lo atraente.

Assim como no filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin – há um ser humano a rotina em trabalhos repetitivos. Na concepção do pensador alemão Karl Marx, o proletariado é apenas uma extensão da ferramenta que atua sobre uma engrenagem morta. Ou seja, a capacidade de atuar do trabalhador é determinada pela máquina que estaria dispensado de pensar. O seu ritmo de vida, seu tempo e seus hábitos biológicos são condicionados por essa estrutura tecnológica.
Para o jornalista Mauro Santayana: “Operadores que usam o teclado e ‘interagem’ com a tela não têm apenas seu movimento manual determinado pela máquina, mas também sua mente” (SANTAYANA: 2011. p. 5).
Com base nos fundamentos do economista Paul Singer, que se dedica à pesquisa e a repensar em uma utopia socialista acreditamos que seja possível à análise que venha a desmistificar a ideologia capitalista apontando as fraturas desse sistema e dessa sociedade como abaixo:

O capitalismo se tornou dominante há tanto tempo que tendemos a torná-lo como normal ou natural. O que significa que a economia de mercado deve ser competitiva em todos os sentidos […] A apologia da competição chama a atenção apenas para os vencedores, a sina dos perdedores fica na penumbra […] Na economia capitalista, os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições futuras.
Tudo isso explica porque o capitalismo produz desigualdade crescente, verdadeira polarização entre ganhadores e perdedores. (SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010, p. 7).

Desse modo, a economia solidária propõe uma busca da igualdade entre seus integrantes. Não havendo competição entre seus membros, a economia seria solidária, cooperada e humana. A organização igualitária faz com que as relações sociais sejam entre iguais e não desiguais. No campo da educação, partindo deste princípio, não há chefes e empregados, mas sim propriedade coletiva, capital coletivo e pleno direito á liberdade individual.

Ao contextualizarmos com nossos educandos da EJA que a desigualdade não é natural, mas sim deriva do modo de produção vigente, desvendamos uma conjuntura das desigualdades e fundamentos trabalhados por Jean-Jacques Rousseau, que dizia:

O primeiro que, depois de cercar um terreno, pensou em afirmar “isto é meu” e encontrou pessoas bastante ingênuas para acreditar nele foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos delitos, quantas guerras, quantas matanças, quantas misérias e quantos horrores teriam poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Não deis ouvidos a esse impostor. Se esquecerdes de que os frutos são de todos e a terra não é de ninguém, estareis perdidos.” (ROUSSEAU, Jacques. Uma história conjectural das desigualdades. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. In: MAFFETTONE, Sebastião & VECA, Salvatore. A ideia de justiça de Platão a Rawls. São Paulo: Martins Fontes; 2005, p. 177).

Numa empresa solidária pode haver algumas diferenças que facilmente são explicáveis. No caso das retiradas, por exemplo, em algumas empresas essas retiradas são igualitárias, em outras são desiguais. No primeiro caso é devido às mesmas funções desempenhadas; no segundo caso há um escalonamento que diferencia o trabalho manual do mental. Essa hierarquia profissional é decidida em assembleia e essa opção é devido às ameaças de virem a perder esses trabalhadores para o mercado das empresas capitalistas. No entanto, para John Rawls esta desigualdade é tolerável no sentido de melhora de condição de emprego e renda para os que recebem o menor valor-trabalho. Dessa maneira, essas desigualdades se tornam no final benéfica para os menos favorecidos. Defendia Rawls que: “desigualdades são permissíveis quando elas maximizam, ou ao menos todas contribuem para as expectativas de longo prazo do grupo menos afortunado da sociedade” (Apud. SINGER: 2010, p. 13).

Assim o objetivo é a construção de uma sociedade local mais justa e que nosso trabalho constitua uma alternativa que possa ser colocada em prática em contraponto à ideologia capitalista ensinada nas Unidades Escolares baseadas no fordismo. Esse modelo de produção e organização do trabalho criado por Henry Ford, e colocado em prática no meio educacional, equiparou a educação à linha de produção da linha de montagem das fábricas. É o mesmo que comparar os alunos aos frangos, ou seja, este último é depenado por meio de um processo mecânico e é conduzido até o proletariado em suas diferentes funções de preparação e embalagem do produto. Desse modo, vários sistemas de ensino do país padronizaram a produção do ensino-aprendizagem através dos currículos unificados, tanto a nível estadual quanto nacional.

Ensinar e respeitar as diferentes culturas dos nossos alunos e alunas da EJA comparado com o que ensinava Rawls em termos de justiça é condição para a conquista da cidadania. Pois,

A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim como a verdade é a primeira virtude dos sistemas de pensamento. Uma teoria, ainda que simples e elegante, deve ser abandonada ou modificada se não for verdadeira. Do mesmo modo, leis e instituições não importam quão eficientes e bem elaboradas sejam, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. […] O único motivo que nos permite conservar uma teoria equivocada é a falta de uma teoria melhor; analogamente, uma injustiça só é tolerável quando necessária para evitar outra ainda maior. Uma vez que a verdade e a justiça são as principais virtudes das atividades humanas, elas não podem ser submetidas a acordos. (RAWLS, “Justiça e equidade. Uma teoria da justiça.” IN: MAFFETTONE & VECA (Op. Cit., p. 385).

É por justiça, direitos iguais e conquista da cidadania por parte de nossos educandos da EJA que desenvolvemos este trabalho como alternativa ao empobrecimento desses trabalhadores. Em sua maioria retirantes do sertão nordestino, migrantes do interior do Estado de São Paulo (Cf. Apêndice I e II – caracterizações das salas e tabela de dados), que devido à difusão de máquinas, redução de custos na produção e acumulação de capital por parte da burguesia em detrimento do proletariado, esses seres humanos se veem sem esperança, desacreditados por uma ideologia imposta “de fora” e aceita “por dentro” como em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, quando dizia que “o sertão está dentro de cada um de nós, portanto, pode estar em qualquer lugar”.

1.2. Tempos modernos

A história do trabalho realizado com a força do corpo, na transição para o capitalismo, deu lugar às máquinas e computadores. As condições mais duras do labor e a dignidade do trabalho não são consideradas por quem não trabalha com as próprias mãos. A burguesia e o grande capital se esqueceram do caráter desses homens e mulheres sujeitos históricos da sociedade humana. Seres humanos que carregam nos ombros todo o peso do universo.

Buscaremos expor nesse capítulo o sofrimento, a dor e a violência do mundo do trabalho. Em seu livro: Trabalhadores, o fotógrafo Sebastião Salgado nos apresenta “o registro de uma era – uma espécie de delicada arqueologia de um tempo que a história conhece pelo nome de Revolução Industrial. Um tempo no qual o eixo central do mundo estava naquilo que estas imagens registram: o trabalhador; a mão do homem” (SALGADO: 2009, p. 07).

O processo de industrialização desenfreada resultou numa concentração de renda jamais vista na história da humanidade em detrimento do proletariado. A automatização das indústrias no mundo desenvolvido é o reflexo da materialização do conhecimento do ser humano e sua consequente evolução. O aumento da produção do chamado “primeiro mundo” nos revelou uma barreira, pois, essa produção é destinada para 20% da população mais rica do planeta. O acúmulo de capital e a expansão do capitalismo causaram transferência de renda dos países mais pobres para os países mais ricos. A divisão do mundo entre o Norte e o Sul pode ser caracterizada da seguinte maneira: o primeiro vivendo uma crise de excesso, acúmulo e consumo; enquanto o segundo vive na carência, miséria e desigualdade social.

O fim do século XX observou a quebra do modelo socialista aplicado no bloco comunista. Para Sebastião Salgado, é necessária a construção de um “Novo Mundo” que seja capaz de nos revelar uma “nova vida, recordar que existe um limite, uma fronteira para tudo, menos para o sonho humano. Moldar com as mãos o mundo, revelar com os olhos a vida, recordar nos sonhos aquilo que virá” (Idem Ibidem).
A história de vida dos nossos alunos e alunas da EJA nesse contexto é uma história de perseverança (Cf. Apêndice I). São educandos que sobrevivem no espaço e no tempo por meio de uma relação de apreço, isto é, consideração uns pelos outros. Desse modo, sobrevivem à cobiça, à ambição e ao estranhamento do sujeito que são característicos da sociedade capitalista. Para Salgado:

O trabalhador dos canaviais é um guerreiro. O machete, o facão: a espada do guerreiro. Ele vive num meio hostil: a folha de cana é afiada, o guerreiro luta contra as folhas, o guerreiro se lanha, se suja na cana quente, queimada pouco antes do corte (Ibidem, p.p.7-8).

Nossos sujeitos históricos da EJA são guerreiros, pois brincam, se expressam, são dóceis, são agressivos. Fazendo uma comparação com os trabalhadores do corte da cana em Cuba com os trabalhadores do corte da cana no Brasil, o autor Sebastião Salgado chegou à seguinte conclusão:

No Brasil, é diferente: o guerreiro é levado para os canaviais, seu campo de batalha e de sonho, em caminhões que saem da periferia das cidades do interior na primeira luz da aurora, e vai trabalhar em terras que muitas vezes tinham sido dele ou de guerreiros iguais a ele. De proprietários tornaram-se proletários do campo: a expansão do uso do álcool como combustível levou grandes empresas a comprar pequenas propriedades dedicadas, em geral, à produção de alimentos. Depois, o processo inflacionário brasileiro se encarregou de corroer o que aqueles homens haviam conseguido pela venda de suas terras. E agora estão todos ali de novo, em seus antigos campos de batalha, na carroceria de um caminhão, numa guerra de nunca acabar e que eles nunca vencerão. O dono do caminhão que busca os trabalhadores recebe o dinheiro, paga os guerreiros. De certa forma, o guerreiro brasileiro dos canaviais é escravo do dono do caminhão. São os bóias-frias: levam a comida na marmita, comem de maneira parca, sem calor nenhum. Mastigam a frieza com gosto de derrota.
Em Cuba, o trabalho nos canaviais é feito apenas por homens fortes, guerreiros imensos. No Brasil, além dos homens, há também mulheres, velhos, crianças.
Há uma vida de diferença entre esses dois mundos de uma mesma batalha. Guerreiros orgulhosos, guerreiros derrotados. Mas, acima de tudo e sempre, guerreiros (SALGADO, Sebastião. Trabalhadores. São Paulo: Companhia das Letras; 2009, p. 8).

É dessa maneira que se formaram as cidades brasileiras: Um espaço de todos os trabalhadores e trabalhadoras que dão origem a um teatro composto de várias atividades marginais, tais como: camelôs, serventes de pedreiros, auxiliar de cozinha, serviços domésticos e atividades de subsistência diversas. Conforme vão se estabelecendo estas comunidades de migrantes nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos, consequentemente há geração de pobreza derivado do modelo econômico vigente. Para o geógrafo Milton Santos “A cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter resposta, está desse modo fadado a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções” (SANTOS: 2009, p. 11).

Por séculos o sistema socioeconômico a cultura brasileira permaneceram com ênfase agrária, uma política agrícola, uma economia essencialmente agrícola. Para Oliveira Vianna: “É no campo que se forma a nossa raça e se elaboram as forças íntimas de nossa civilização. (VIANNA: 1956, p. 55). Por outro lado, hoje a mecanização da produção da cana-de-açúcar e de outros setores trouxeram novos impulsos e lógicas ao processo.

Destarte, há possibilidade dos sujeitos históricos conquistarem a cidadania em meio a essas relações socioeconômica e organização das relações sociais de trabalho. Estamos vivendo uma grande transformação no mundo do trabalho. Para os professores Aurélio Eduardo do Nascimento e José Paulo Barbosa, em quase todos os países esse modelo econômico é conservador e excludente. “O desemprego não é um mito. Ele existe em proporções poucas vezes vistas. Os índices altos da produtividade contrapõem-se à diminuição significativa da incorporação do trabalho humano” (NASCIMENTO & BARBOSA: 1996, p. 03). Nossa proposta é incentivar as relações sociais de produção impostas pelo capital que ficou ilustrado no filme: Tempos Modernos (Fordismo e Taylorismo). A situação socioeconômica representada por Charles Chaplin expõe a situação do povo norte-americano logo após a quebra da bolsa de valores de Nova York (1929).

A crise do sistema capitalista nos anos 30 do século passado resultou numa depressão que levou grande parte dos trabalhadores à miséria e ao desemprego. Personagem central do filme, Charles Chaplin consegue emprego numa indústria e o sistema da linha de montagem nessa indústria capitalista. O filme é uma crítica a esse regime de produção e à sociedade como um todo. Na segunda parte do filme é feita uma comparação entre a classe trabalhadora e a burguesia. A primeira é explorada pela segunda. A exploração do proletariado no sistema capitalista favorece a burguesia na acumulação de capital.

A ânsia pela economia de tempo e pelo aumento da produtividade levou Frederick Taylor a observar o trabalhador em movimento e a analisar o trabalho dos operários mais produtivos. Com isso, ele provocou uma renovação na fábrica e inaugurou um novo processo de trabalho.
Taylor apresentou suas teorias à Sociedade de Engenheiros Mecânicos entre 1903 e 1905. Essas teorias ficaram conhecidas por taylorismo, ou organização científica do trabalho (NASCIMENTO, Aurélio Eduardo do & BARBOSA, José Paulo. Trabalho: História e tendência. São Paulo: Ática; 1996, p. 44).

É uma profunda melancolia dos tempos modernos. Neste contexto, há um desgaste que faz com que as pessoas destruam suas vidas. O ser humano torna-se frio, calculista, duro e impessoal. O tempo das fábricas determina o tempo da vida biológica. Um processo de mecanização que autodestrói a consciência dos seres históricos.  São situações onde as máquinas massacram os seres humanos; rapidez das produções mercadológicas; subempregos; industrialização e desemprego; problemas sociais e pessoais; o processo de desenvolvimento e aceleração do tempo; o progresso e a usurpação das relações humanas com o desenvolvimento acelerado da sociedade burguesa.

Com a organização científica do trabalho, o taylorismo justificou, segundo Aurélio Eduardo do Nascimento e José Paulo Barbosa, a necessidade que o capital tinha em “responder aos novos desafios do final do século XIX com as ciências sociais nascentes como a sociologia, a psicologia e o serviço social, inventando a chamada organização científica do trabalho” (NASCIMENTO & BARBOSA: 1996, p. 44). Sendo assim, Taylor conseguiu seu objetivo ao fazer com que o “trabalhador se tornasse mais produtivo, evitando, segundo Taylor, a exploração de suas forças físicas e mentais até os limites da sua resistência fisiológica” (Idem Ibidem).

O corpo e a alma do proletariado deveriam ser integrados aos objetivos do capital produtivo. Desse modo, a teoria de Taylor tinha como objetivo integrar tanto o corpo quanto o espírito do trabalhador. Esse mecanismo estava integrado e ajustado aos interesses dos empresários criando, dessa maneira, um novo homem frente à máquina. Resumidamente, Taylor criou uma fórmula que resultou numa exploração produtiva do proletário ao fazê-lo trabalhar mais. Os princípios do taylorismo são:

1) Mecanização da produção;
2) Economia do tempo e maior produtividade;
3) Seleção das espécies, treinamento e aperfeiçoamento com base na sociologia e na psicologia;
4) Separação entre o pensamento e a execução do trabalho;
5) Incentivos salariais com base na produtividade.

Esses conceitos foram revolucionários no campo do trabalho, nas relações sociais do trabalho.  Essa alienação do capital pelo trabalho faz com que ocorra um subproduto, pois, o trabalhador perde o sentido da totalidade em relação ao processo produtivo, isto é, ao produto produzido.

Desse modo, as atividades em apêndices buscaram motivações para fornecer parâmetros e subsídios que podem contribuir e atribuir esperanças aos seres humanos ao integrá-los socialmente num mundo onde as relações sociais sejam humanizadas e solidárias dentro de uma utopia possível, isto é, a Economia Solidária. Sendo assim, a EJA-ECOSOL é uma realidade para os educandos do Polo Educacional do município de Santo André, pois, seus projetos econômicos e solidários são relevantes no espaço e no tempo e, por outro lado, é uma alternativa ao modelo econômico hegemônico, ou seja, ao capitalismo.

1.3. Modernização das relações socioeconômicas no Brasil

Podemos considerar o Brasil como um país com vasto espaço geográfico continental, riquezas e recursos naturais e humanos. Porém, chegamos ao final do século XX ainda carregados de problemas sociais e crises econômicas decorrentes ainda do longo período colonial escravista. Mesmo assim o Brasil conseguiu postos e lideranças, ciclos econômicos e produtos culturais e hoje o país pode ser considerado a 5º economia do planeta, como é divulgado pelos meios de comunicação e televisão nacional e internacional.

Os problemas históricos do Brasil começam a ser enfrentados a partir da década de 2000, tais como: desemprego; dívida externa e fome endêmica. Foi sendo modificados positivamente, mesmo que modestos, em todos os setores. Ainda há muito por fazer para sermos uma sociedade justa e fraternal. O caminho da retomada do crescimento econômico com distribuição de renda deve ser encontrado, assim como a responsabilidade social, valorização do trabalho, soberania nacional, democracia, valorização do trabalho e consolidação das instituições republicanas com respeito aos direitos humanos e a cidadania.

No Brasil, as primeiras leis de proteção ao trabalhador surgiram com os conflitos entre os trabalhadores imigrantes europeus que se estabeleceram no país. Após a Abolição da Escravidão em 1888 e com o consequente esgotamento do regime escravagista, esses operários trouxeram consciência militante de seus países de origem, organizaram sindicatos e greves, foram reprimidos, porém obtiveram conquistas significativas.

Com a instalação do governo Getúlio Vargas em 1930 e em seguida com a criação do Estado Novo em 1937, mudanças ocorrem no mesmo momento em que surgem as urbanizações com fortalecimento das industrializações. Toda a estrutura trabalhista foi implantada nesse momento histórico e prevalece até hoje, mesmo que tenha sofrido alguns avanços com a Constituição de 1988.

Assim, o getulismo foi um fenômeno de dupla face. Desde o início do governo Vargas o país foi administrado com mãos de ferro. Na figura de seu líder Getúlio Vargas, o Estado Novo foi uma espécie de ditadura sem máscaras, uma mistura de nazi-fascismo. A legalidade dos sindicatos ficou submetida ao poder estatal tendo Getúlio Vargas como pai do pobre e defensor das indústrias nacionais. Em seguida foi criada a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT que está quase completando 70 anos. É considerada pelos sindicatos como “faca de dois gumes”, pois, estabeleceu regras e normatizações nas relações empregatícias. O sindicato foi moldado pela CLT que, se por um lado garantiu direitos individuais aos trabalhadores, por outro limitou direitos coletivos. O Estado passou a controlar a relação capital/trabalho com mãos de ferro. A liberdade sindical ficou tolhida e se restringiu às relações e negociações coletivas exigidas nas convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

No início a CLT deu ênfase à execução das suas ações e regras. Sua implantação causou resistência, pois o autoritarismo nas relações sociais do trabalho já havia adquirido raízes durante os períodos da escravidão, do mandonismo local e do coronelismo. No mundo rural brasileiro a CLT foi estendida só a partir de 1962 e os direitos dos trabalhadores do campo passaram a ser reconhecidos.

Nos dias modernos ainda se encontra trabalhadores exercendo funções irregulares em locais insalubres. Antes da Ditadura Militar de 1964 a luta sindical colocou em xeque alguns itens da CLT desafiando o controle estatal; tentativa de se criar uma central nacional dos trabalhadores. Entretanto, com a Ditadura de 1964 essa organização sindical foi proibida e submetida a uma implacável vigilância e organização social. No final da década de 1970 nasceu um novo sindicalismo nos centros econômicos mais avançados e dinâmicos, principalmente com a abertura do regime militar após as “Diretas Já” ocorreram à liberdade sindical e a autonomia que só são possíveis em regimes democráticos. Na Ditadura o Ministério do Trabalho decretava a intervenção nos sindicatos e destituía as lideranças legítimas. Hoje, a Justiça do Trabalho atua como obstáculo aos desmandos patronais. A truculência e os desmandos do Estado autoritário chegaram a cassar até mesmo juízes da Suprema Corte. Em quase todos os casos, a Justiça do Trabalho estava alinhada com a ditadura e grupos de empresários autoritários.

As novas experiências nasceram nas democracias da Europa e foi institucionalizada a negociação coletiva no pós-guerra nos Estados Unidos da América do Norte. A liberdade de organização sindical e representação dos trabalhadores no local de trabalho passaram a ser reconhecidas.

Foi na Alemanha do pós-guerra que se inaugurou o modelo de cogestão entre patrão e empregado, arrasada pela catástrofe nazista, os trabalhadores exigiram e foram admitidos a participarem das decisões relacionadas à produção. Ocorreram resistências tanto por parte de patrões quanto por empregados, pois os sindicalistas não aceitavam reconciliação entre duas classes antagônicas. Porém, na prática ocorreram fortalecimento e estabilidade no meio produtivo empresarial (Cf. LOUREIRO, 2005).

No Brasil início de 1980, foi surgiram: novas centrais sindicais dos trabalhadores, desafiando, dessa maneira, as leis da ditadura militar e a CLT. Nasciam com objetivos de conquistas libertárias e autônomas superando a inspiração fascista dos dispositivos que a CLT continha, tal como a Carta Del Lavoro, de Mussolini, na Itália. A partir da Constituição de 1988,

O Brasil recuperou a normalidade constitucional e a Carta Magna consagrou, com ênfase em seu artigo 8º, os princípios amplos da liberdade individual. Desde então, muitos juristas discutem se a rigidez de alguns dispositivos da CLT está – ou não – em concordância com o espírito geral da Constituição.

A fora isso é da mais absoluta sensatez reconhecer que uma lei datada dos anos 1930 e 1940 não conseguem responder de forma adequada ao cenário de um país que viveu mudanças profundas em sua economia, organização social e vida política. Mais ainda, de um país que assume nova posição no Planeta, aperfeiçoa suas instituições e já é apresentada como uma das maiores democracias no mundo. É mas que hora de colocar de lado os dispositivos superados e anacrônicos, atualizando esse ordenamento para colocá-lo em sintonia com o século 21. (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Acordo Coletivo Especial, setembro de 2011, pág. 18).

Sem impedir que nasça algo de novo, e também sem eliminar as proteções que existem na Consolidação das Leis Trabalhistas que beneficiam movimentos menos organizados de trabalhadores, é fundamental colocarmos em prática experiências positivas recentes que estabelecem a vivência e a normalidade democrática que consta na Constituição de 1988. A esperança possível nas novas relações entre capital/trabalho, à medida que a classe trabalhadora conquista benefícios e ocorrem convergências entre os antagonismos, percebemos que há possibilidade de compor interesses distintos por meio de uma economia solidária sem eliminar as disputas e conflitos que sempre irão existir no sistema capitalista.

Consideramos que a Constituição de 1988 vem se fortalecendo no Brasil e também a ideia de democracia. Reconhecendo a legitimidade das disputas e o diálogo entre oponentes, assim como as divergências que devem ser trabalhadas dentro de um jogo de regras que respeitem a liberdade e o direito do outro de se opor. As relações de trabalho na história mundial ocorreram por meio de disputas, conflitos e revoluções com contradições entre patrões e empregados.

No Brasil, o diálogo da redemocratização se voltou mais para a democracia ligada à vida política, sem de fato levar em consideração a vida social e econômica das pessoas desse modo, as jornadas de trabalho, os salários, os direitos e deveres nasceram como fruto das disputas e das lutas de classes. Não havia nas primeiras décadas do século XX nas indústrias brasileiras jornadas limitadas de trabalho. A decisão dos “reajustes” salariais era unilateral até o Estado Novo. Imperava a insalubridade e inexistia proteção social.

E nesse contexto abordamos aqui a história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Na Colônia a educação estava voltada para a doutrinação religiosa. No período imperial começam a aparecer às reformas educacionais. Mais precisamente com a constituição de 1824. Posteriormente, com a industrialização brasileira nas primeiras décadas do século XX, ocorre a valorização da educação no país. Com a Revolução de 1930, ocorrem mudanças políticas e econômicas que permitem a consolidação de um sistema público de educação.

Com a Constituição de 1934 ficou estabelecida a criação de um Plano Nacional de Educação. Nessa condição, a educação dos adultos passou a ser dever do Estado. Durante a década de 1940 foi observado um alto índice de analfabetismo no Brasil. Assim, foi criado um fundo com destino à alfabetização da população adulta brasileira. Apareceram trabalhos voltados ao ensino supletivo. Juntamente com o surgimento da UNESCO são obrigações dos governos estabelecer princípios democráticos que fortaleçam os investimentos em educação da população adulta.

Já durante a década de 1950, mais precisamente em 1952 foi criada a campana nacional de educação rural e se iniciou a mobilização em torno da erradicação do analfabetismo no país.

Paulo Freire, no ano de 1963, criou o Programa Nacional de Alfabetização de Jovens e Adultos e, no ano seguinte a Ditadura Militar se encarregou de colocar uma pá de cal nos movimentos populares de alfabetização. Em 1967 os militares passaram a controlar a alfabetização. O Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL foi criado na década de 1970. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 5692/71, implantou-se no Brasil o Ensino Supletivo.

Na década de 1980, o Brasil viveu relevantes momentos e transformações socioeconômicas, políticas e educacionais. E com a Constituição de 1988, ficou Promulgada a Lei Federal que estabeleceu o dever do Estado com a EJA. Na década seguinte, a UNESCO reconheceu a importância da EJA na formação e construção da cidadania. A nova LDB 9394/96, estabeleceu um maior compromisso dos governos com a Educação. Houve a transferência da EJA para Estados e Municípios. E a partir de 2003, o Ministério da Educação e Cultura assumiu como prioridade do governo federal a Alfabetização de Jovens e Adultos. Com a institucionalização do programa Brasil Alfabetizado e a assistência a projetos de alfabetização de jovens e adultos e a formação de alfabetizadores. (PORCARO, Rosa Cristina – Texto: A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil – discutido em Formação com Professores EJA II).

Em Santo André, a partir de 1989, o município criou o SEJA, sob a orientação e supervisão da Secretaria de Educação Estadual, e foi realizado o primeiro concurso público para a EJA. Nove anos depois (1998) foi criada a Suplência Profissionalizante de 1ª a 4ª série. Em 2003 surgiu como caráter experimental o PIQ II em parceria como CEFET de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e regulamentado em 2005 com problemas na certificação. A partir do ano de 2009 ocorreu à alteração do PIQ para EJA I e EJA II. No ano seguinte o curso da EJA II passou a ser semestral e a grade curricular foi alterada A partir de 2012 os ingressos dos professores ocorrem por meio de seleção pública.

CAPÍTULO 2 – EXPERIÊNCIAS INOVADORAS PARA OS ALUNOS E ALUNAS DA EJA

2.1  Transformação da realidade local

A vivência democrática que a partir da Constituição de 1988 possibilitou passagens marcantes abriu espaço para um novo ciclo de relação entre capital/trabalho no Brasil, pois à medida que os cidadãos vão se organizando em cooperativas, economias populares e solidárias as conversações e acordos são realizados e conquistados a partir de um nível mais elevado. É um desafio ao processo produtivo capitalista. Podemos considerar a economia solidária um processo sem retorno, já que preconceitos e bloqueios começam a se diluir. Essa organização deve ocorrer num ambiente de convergências de interesses distintos como aconteceram nas salas de aula da EJA.

Ao trabalharmos com os alunos das Escolas Municipais de Santo André, ressaltamos os princípios e a convivência democrática como sendo a melhor opção para que se realize e se processem disputas e conflitos que, mesmo numa economia solidária continuarão ocorrendo e são legítimos.

Ressaltamos aos alunos e alunas do Polo Santo André, que o processo de mudança pela qual vem passando o país, após um período de impactos desastrosos da economia brasileira na década de 1990, um cenário de pânico, é resultado da luta do povo brasileiro que, com a contribuição do governo federal a partir de 2002, a economia solidária vem se transformando num desafio ao capital neoliberal. Os resultados das cooperativas e das moedas sociais são exemplos de que esse modelo econômico é revelador.

Nosso desafio é propor aos educandos e aos educadores que a economia solidária é possível e pode ser: garantia de trabalho, sustentabilidade e rendimentos valorizados e que as normas tradicionais da economia e do direito são invocadas pelo mercado em oposição à economia social. Daí ser necessário repensarmos tanto a economia quanto a educação, como via de mão dupla, ou seja, discutindo com os movimentos populares e organizados da sociedade civil.

A organização social no local de trabalho, isto é, no Polo Santo André, pede para que os educandos repensem a importância da negociação entre seus membros. A consolidação desse modelo é um processo que envolve discussões e dificuldades. O caminho para essa mudança está no caminhar dos sujeitos históricos.

O respeito e reconhecimento são fundamentais para a garantia dos direitos, tais como: organização e distribuição da jornada de trabalho ente seus membros; mudanças nos horários das refeições, negociação do valor trabalho e das mercadorias produzidas através da economia solidária. O amadurecimento das cooperativas de trabalhadores são avanços no caminho do consenso e na resolução de eventuais divergências e conflitos. Abordamos nas aulas da EJA, que a responsabilidade social das cooperativas de trabalhadores nos deu a dimensão das metas econômicas visadas, tais como: sustentabilidade e as condições básicas de alimentação, educação, saúde, lazer, participação política e vida cultural que só acontecem com respeito ao trabalhador e a sua família, com salários dignos, relações de trabalho democráticas, tolerância, estabilidade e disposição permanente para o diálogo e à negociação.

As práticas pedagógicas aconteceram de forma não autoritária, pois uma nova postura exige também consciência acerca das relações sociais. Não compactuamos com uma visão única da história, pois defendemos a ideia de que deve predominar a dialética. Não defendemos a inércia, o comodismo e a preguiça de educadores que não se comprometem com a responsabilidade social. Não comungamos com a ideia de criar outra ideologia que faz denuncias das injustiças do sistema capitalista sem propor algo novo, pois consideramos que o novo nasce do velho, como já dizia Karl Marx. Devem ser levados em consideração os interesses imediatos dos trabalhadores cooperados e ligados ao modelo de economia solidária. Não foi nossa intenção colocar os educandos da EJA numa situação de vulnerabilidade, mas sim de sustentabilidade.

Ainda falta muito por fazer, porém já demos o primeiro passo que foi discutir com aos alunos e professores da EJA, no Polo Educacional de Santo André, os desafios mais urgentes que temos de enfrentar. A erradicação da miséria, corrupção, infraestrutura, mudanças tributárias, investimento em tecnologias inovadoras e educação de qualidade são alguns dos problemas a serem solucionados.

Por isso, consideramos que seja relevante um debate democrático acerca das leis trabalhistas na comunidade escolar, e que se leve em consideração as negociações entre cooperativas econômicas e solidárias e as instituições públicas e privadas. Uma sociedade que respeite as regras do jogo num clima de negócio permanente já que no sistema capitalista a relação entre capital e trabalho é marcada por conflitos permanentes.

É preciso criar outro instrumento legal que possa estabelecer as relações entre essas cooperativas de trabalhadores, economia popular e economia solidária, pois, a insegurança jurídica pode ser resistentes a essas novas ideias propostas. Assim, os trabalhadores podem ser punidos por serem democratizantes, e por outro lado o conservadorismo e a inércia se serem vitoriosos. A saída é trabalharmos com a Educação de Jovens e Adultos no sentido de quebrarmos o gesso das leis arcaicas, os condicionantes necessários para impedir a precarização das relações de trabalho, emprego e renda numa perspectiva de apoio por meio da economia solidária e da educação de jovens e adultos.

O currículo da EJA deve responder às transformações econômicas, sociais e culturais que possibilitem adaptações negociadas que sejam eficazes em relação aos instrumentos normativos e autônomos. Assim acreditamos que sejam possíveis mudanças significativas por meio da inclusão das principais virtudes da economia solidária como alternativa ao capitalismo neoliberal, tais como:

1) Autonomia das partes como proposta para aperfeiçoar o marco institucional sobre negociações econômicas dos cooperados e dos membros das comunidades populares e solidárias. É fundamental que os trabalhadores tenham liberdade de se organizarem e constituírem cooperativas de serviços e produção de mercadorias diversas. As resoluções de suas demandas podem ser realizadas na comunidade, no local de trabalho. Uma transição da velha legislação para outra que valorize a autonomia das partes. Pois, deve-se acompanhar a dinâmica das transformações em curso no universo do trabalho;
2) Adesão voluntária é criar instrumentos que possibilitem aos educandos trabalhadores da EJA de se inserirem voluntariamente numa organização de trabalhadores com normas democráticas e republicanas;
3) Representatividade e responsabilidade são necessárias para que se possa realizar acordos coletivos, negociações e convênios com instituições públicas que incentivem esses trabalhadores disponibilizando recursos para a Educação de Jovens e Adultos, financiamento e investimento em ciência e tecnologia;
4) Segurança jurídica que estabeleça normas e condições específicas de trabalho, solução voluntária de conflitos, liberdade aos membros dessas organizações de trabalhadores populares;
5) O trabalhador decide seus acordos e métodos necessários à realização da economia solidária no espaço e no tempo;
6) Novo papel do Estado estimulando e incentivando as organizações dos trabalhadores por meio de financiamentos sem intervir nessas organizações e entidades. Ao pode público cabe o papel de aferir a existência e requisitos legais para negociações.

A classe dos trabalhadores é bastante heterogênea, mas é uma só e cada conquista local repercute em âmbito nacional.  Por isso consideramos importante a liberdade das algemas e amarras das estruturas arcaicas que ainda persistem em nosso país. A economia solidária e suas dinâmicas funcionam como referencial que ampliam os horizontes das relações sociais e democráticas. Nessa nova perspectiva todos têm a ganhar, pois o que está em jogo é a relação social respeitosa com o outro e valorizando o ser humano em detrimento do capital.

2.2. Educando para a liberdade

Deve ser reconhecido pelos professores que a prática pedagógica é sempre um ato político. A atuação do docente mobiliza os estudantes a questionarem sobre quais são as alternativas. Mudando a realidade e estimulando os alunos a criar novos conhecimentos que podem ressignificar seus valores, cultura e situação social. Deixar os alunos falarem e se questionarem acerca da realidade social e econômica em que se encontra são um dos momentos mais relevantes da educação de jovens e adultos.

Refletindo sobre a realidade da EJA foi proposto como tema de aula do dia 29 de agosto de 2011, no Polo Santo André, o Filme “A história das coisas”, de Annie Leonard. O trabalho foi desenvolvido com os alunos e alunas da classe de alfabetização e pós- alfabetização. A partir deste filme os educandos puderam perceber que a sociedade de consumo traz sérias consequências para a natureza e a sociedade como um todo, pois, há diversos problemas socioambientais com esse padrão de consumo, de vida. É um alerta à sociedade de que é preciso educar para a liberdade, isto é, um planeta sustentável e justo para todos, e não para uns poucos que usufruem em detrimento da maioria da população do planeta. As consequências dos produtos que consumimos foram percebidas pelos educandos com olhares diversos, em perspectivas.

Ao questionar os alunos sobre o tema do filme em relação com o cotidiano de cada um, os alunos e alunas responderam: “- Tudo que acontece em nossa vida foi demonstrado pelo filme…”. Ao perguntar sobre o que seria esse sistema a aluna disse: “- É a correria do dia-a-dia necessário para sobreviver”. Ao questioná-la se seria preciso viver nessa correria, a aluna então respondeu: “- Sim, pois senão como teríamos dinheiro para viver…” Em seguida foi colocada em questão a pergunta que causou silêncio de todos ao questioná-los se continuássemos nessa correria e consumismo o que aconteceria com o nosso planeta? Sem resposta.
Ao refletirmos sobre a expressão “o governo do povo e para o povo”, qual é a relação com as corporações? Os alunos responderam dizendo que: “- Se os governos não aceitarem as condições impostas pelas empresas como é que eles terão trabalho?” E em seguida exclamaram dizendo que “- Os beneficiados são as empresas somente, porque olha a terceirização, os trabalhadores só se ferram!” A professora se lembrou de um Decreto que autorizava as empresas a despejarem seus resíduos poluentes no rio Tamanduateí, e perguntou: “-Como este fato tem a ver com a frase que o governo deve trabalhar para o povo e é do povo?” O aluno respondeu que “- A única coisa que o governo espera das pessoas é o voto e os impostos.”.

Ao perguntar aos educandos o que entendiam por economia, todos responderam dizendo que era dinheiro que o povo não tem, pois não há trabalho ou fica tudo para o governo. O aluno insistiu dizendo que a terceirização e a divisão de tarefas com a terceirização e a tecnologia retiram-lhes oportunidades de emprego. Os alunos discutiram muito sobre o trabalho infantil e lembraram que quando eram crianças as situações era a mesma dos trabalhadores infantis na Inglaterra do século XIX. Os educandos trabalhavam na infância ao invés de estudarem. Essa é a situação do povo Brasileiro que, por falta de condições sociais e econômicas, foi logo cedo para o mundo do trabalho em busca da sobrevivência.

A partir dessas atividades buscamos uma proposta para os estudantes com o objetivo de ressignificar os valores e práticas mediante o consumo e fatores que envolvem os modos de produção e mobilizam os saberes construídos ao longo da trajetória de cada um. Discutindo em grupo percebemos que, tanto os comentários quanto os burburinhos e o silêncio são indicadores da leitura da realidade que os estudantes têm. Diante deste cenário o professor e a professora da EJA podem validar sua prática pedagógica, investigando as atitudes dos estudantes durante as atividades realizadas na sala de aula, e desse modo estará conhecendo a subjetividade que formou o estudante e, pode assim interferir nas relações de convivência daquele grupo/classe. Especialmente, a intervenção feita pelo educador pode ser constituída nos princípios da Economia Solidária, numa perspectiva libertária do ser humano.

A ação do Professor junto aos alunos por meio de indagações, problemas abordados oferece oportunidades e aberturas para a transformação do Currículo da EJA ao constituí-lo contextualizado com as circunstâncias e a cultura do cotidiano dos educandos. A desocultação das questões políticas, sociais e econômicas não podem ficar de fora do Currículo Escolar da EJA. Para a Professora Kruppa, em suas aulas esclarece esse Currículo estabelece um modelo capitalista e falso, pois, a prática educativa reproduz o sistema capitalista por meio da educação. Reforça os princípios do modelo hegemônico e é preciso descobrir as brechas para penetrá-lo. A sala de aula na EJA é um reflexo do Brasil, pois, ao perguntar sobre quantos alunos trabalhavam com carteira assinada, somente 02 ergueram as mãos naquele momento num total de 25 alunos presentes.

Porém, ao perguntarmos quantos trabalham para sobreviver, todos ergueram as mãos. Alguns alunos perguntaram se havia alternativa e qual era? E em seguida um dos alunos argumentou que “- nesse mundo não tem solução, por que acham que exista alternativas?”.

A atividade com base no filme e nas questões sócioeconômicas foi interessante, pois, os estudantes a partir dessas problemáticas conversavam sobre problemas ambientais, as alternativas que as pessoas poderiam ter em casa, os tipos de trabalho que tinham, sobre a administração pública dos recursos, discutiam demonstrando indignação e nao aceitação de algumas situações, porém alegam desconhecer as possíveis alternativas. As discussões que surgiram nos grupos podem ser pistas para construção de um Projeto Educativo para EJA, porque nestes momentos os alunos evidenciam seus saberes e quais ainda necessitam aprender. Além disso, as situações didáticas devem possibilitar a compreensão da história e perspectiva de trabalho emancipatório.

Para os alunos e alunas não deveriam ter tanta esperança, pois “- Estamos no fim dos tempos e as máquinas anunciam este fim…” Mas outra colega de classe disse que: “- O destino da humanidade está em nossas mãos e na mudança de hábitos e valores.” Ela questionou por várias vezes os alunos que não reciclam os resíduos. Este foi um momento de muitas reflexões em torno de tantos conflitos, inquietações.

Os Educadores devem ter olhares investigativos e propor alternativas para a transformação da realidade vivida por seus educandos, compreender o Currículo da EJA e baseado nos princípios da Economia Solidária mobilizar sua turma pelo interesse dos conteúdos relacionados às condições de trabalho, saúde, a relações de convivência e sustentabilidade. Como explica Tiriba (2007), o trabalho como princípio educativo, traz outras dimensões ao processo educativo. Ou seja, o tratamento metodológico do conhecimento é redimensionado a partir do sujeito na base dos princípios da Economia Solidária. (1ª versão reflexiva da prática: Sociedade e Consumo em parceria com a Professora Tatiana Correia que também faz parte de curso de especialização).

CAPÍTULO 3 – REINVENTANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

3.1. Reafirmando a realidade atual

A competitividade e a individualidade da sociedade neoliberal são características desse processo de transformação das relações sociais do trabalho. Os resultados dessa política econômica são: desemprego em massa e aumento de produtividade, isto é, da mais-valia absoluta; terceirização da produção; fim dos direitos sociais e esvaziamento de sindicatos e, consequentemente, a desigualdade social.

O Estado compromete hoje até suas políticas clássicas de segurança, saúde e educação. A democracia ameaçada pelo poder econômico internacional, enquanto a exclusão social ameaça a construção dos direitos mínimos dos cidadãos. Ainda há em Santo André munícipes que nem sabem o que é ser cidadão. Muitos dos nossos alunos da EJA são desqualificados para o mercado de trabalho. São compelidos a retornar às filas dos desempregados, movido pelo interesse individualista e utilitarista do mercado, isto é, da “Riqueza das Nações”, de Adam Smith.
A deterioração dos salários dos professores também contribui para o empobrecimento tanto do presente quanto do futuro da educação pública local e nacional. Instalações e prédios escolares deteriorados e sucateados também contribuem para a evasão de educadores e educandos. Diminui a cada ano o número dos candidatos à carreira de professor. É de se considerar que sem uma carreira pública docente valorizada é impossível falar em cidadania e direitos iguais. Os recursos públicos destinados à educação, saúde e habitação, entre outros, são administrados por grupos de empresários privados.

Para o Conselho de Escolas de Trabalhadores,

Hoje, a proposta empresarial para a formação profissional é a de atender à sua demanda: formar seletivamente um reduzido número de quadros com a marca da competitividade. Fala-se até em cidadania, mas como um conceito formal, alheio ao modelo de exclusão social que a competitividade individualista promove.
Os excluídos são lançados, novo exército industrial de reserva, como celeiro para o recrutamento de braços à indústria do crime e da contravenção, essa doente fértil da atual acumulação do capital, ou à informalidade da sonegação de todos os direitos do cidadão. (Plataforma de Educação para Cidadãos Trabalhadores, Conselho de Escola de trabalhadores, 16 de setembro de 1996, p. 3).

O que fazer? A reinvenção da educação de jovens e adultos deve ser acompanhada de abordagens metodológicas que tratam como um todo o cidadão migrante e o nativo, o sertanejo e o citadino no espaço e no tempo. Não deve haver um muro que os separe, pois, ambos são trabalhadores e se encontra na mesma posição frente ao capital, isto é, na situação de excluídos. Sendo assim, a cidade de Santo André é um mosaico de cultura popular que se cria e reinventa a todo o momento pela sobrevivência na cidade grande. E é por meio da educação que os educandos da EJA, devem reconhecer novas tecnologias, conhecimentos e relações sociais que os inserirão na vida e na cultura da sociedade da cidade de Santo André.
Sendo assim, tanto educadores quanto educandos são construtores reais de uma nova sociedade, uma sociedade humana e fraterna que pode ser realizada por meio de outro modelo econômico, político e social que pode ser alcançada pela educação de Jovens e Adultos de Santo André. Desse modo,

A educação dos cidadãos é o processo pelo qual as novas gerações passam a compartilhar das técnicas, conhecimentos, relações e valores que lhes permitem participar da vida social de sua cultura, sociedade, cidade.
O trabalho é a característica fundamental da Cidade. Pois, as cidades são construídas a partir do trabalho constante e ininterrupto das longas cadeias de gerações de mulheres e homens. A participação no trabalho, entendido como ação criativa, construtiva, mantenedora e transformadora de todas as dimensões da Cultura humana, é a condição básica ao exercício da cidadania: pois o trabalho é que cria os modos e as condições do bem viver – a cultura – de cada cidade. (Idem Ibidem, pág. 3).

Um trabalho baseado nos princípios da economia solidária traz conhecimentos, pois, o ser-trabalhador passa a ser um ser-criador. Seu conhecimento acerca de todo o processo produtivo é relevante para o envolvimento de todos os trabalhadores e trabalhadoras no efetivo exercício da cidadania no espaço e no tempo. Consideramos que A Educação de Jovens e Adultos de Santo André deve possibilitar aos alunos e alunas da EJA

A participação no trabalho social de reposição, recriação e reconstrução permanente das condições do bem viverem na cidade;
A participação nas informações e conhecimentos necessários ao exercício desse trabalho e também a;
Participação, com conhecimentos de causa, nos debates e decisões de Governo sobre a cidade.
Portanto, não apenas uma educação voltada para a aquisição de conhecimentos e, menos ainda, conhecimentos cortados, deficientes, autossuficientes ou subalternos prepotentes. Mas uma educação capaz de constituir o processo de tornar-se cidadão, isto é, um processo voltado à formação de sujeitos sociais participantes do exercício e usufruto do trabalho, da geração e uso dos conhecimentos, e do exercício da responsabilidade de governo sobre a sua cidade (Ibidem, pág. 4).

Portanto, a transformação da realidade atual é possível ao propor uma mudança na atualidade local e a nível nacional por serem ainda discriminatórias e com mecanismos antigos no que tange aos conteúdos abordados na EJA, dividindo o “pensamento da ação, o comando da execução, a política da técnica” (Ibidem, p. 4).

 

3.2. Inserindo tecnologia e ciência na EJA

Entendida como um mecanismo instrumentalizado para a alienação, a tecnologia e a ciência devem ser apropriadas pelos alunos da EJA de Santo André como ferramentas que possam ser reinventadas e recriadas a todo instante. O trabalhador e a trabalhadora assim passam e/ou continuam a serem os criadores em benefício das suas sobrevivências sobre a vida, a sociedade e o convívio com a natureza harmonicamente. A tecnologia e a ciência são compreendidas dessa maneira, democráticas e contribuem para a expansão do conhecimento dos indivíduos em sociedade.

Sabedores de que a política governamental tanto a nível local quanto nacional e global se submete aos poderes do capital e dos donos do poder, acreditamos ser imprescindível que os governos representem de fato a vontade do povo por meio de investimentos em tecnologia e ciência nas unidades escolares da EJA. Exercer a soberania sobre esses dois instrumentos de poder é sine qua non para uma educação igualitária e justa. Movimentos populares de trabalhadores e trabalhadoras educandos da EJA devem ser favorecidos e inseridos como sujeitos históricos de produção, recriação e construção de cultura. E é nesse contexto histórico que

Cada vez mais a tecnologia atual quer se fazer passar como sinal indefectível de progresso do homem em sua proposta de domínio sobre a “natureza”; a ordenação humana de uma natureza hostil e caótica.
Mas, junto com a estrada de ferro, os homens constroem também a possibilidade do descarrilamento; assim como criam um modelo para explicar a estrutura da matéria, criam junto à possibilidade da bomba atômica.
Cada vez ficam mais claros os desafios da tecnologia atual. Nunca se produziu tanto alimento, para uma fome tão grande. O aumento da produtividade acarreta a diminuição de postos de trabalho. Nunca se gerou tanta informação, para se produzir tamanha desinformação. Os atuais níveis de consumo dos países chamados desenvolvidos é tão exorbitante que, se levados a todos os continentes a Terra entraria em colapso imediato.
Cada vez é menos fictícia a denúncia sobre a falência da vida no Planeta. Os sinais se espalham na terra, na água e no ar, ameaçando os encadeamentos da Vida. Poluição ambiental que se soma à poluição social, exigindo uma inversão radical das referências da revolução técnico-científica dos últimos séculos (Ibidem, pág. 5).

E nesse universo do trabalho que estão inseridos nossos educandos da EJA, localizado no município de Santo André. Com o avanço científico e tecnológico, podemos observar o crescimento das desigualdades sociais, do desemprego, do desaparecimento de algumas profissões e o surgimento de outras, novos mecanismos que mudam a relação de trabalho e a organização de todo o espaço social. É imposto aos cidadãos um novo modelo de vida, significados, consumo e modos de ser e agir no cotidiano.

Consideramos a ação uma das alternativas para a mudança dessa realidade, preparando nossos educandos para essa nova modalidade através da apropriação desses mecanismos científicos e tecnológicos. Discussões e transições devem resultar na expropriação desse poder concentrado pelo capital internacional globalizado. A correta função da ciência e tecnologia seria

Criar condições para o bem viver de cada cidade, permitindo a expansão da autonomia dos sujeitos sociais conforme a proposta de cada cultura humana. Não a uniformização cultural castradora, produtora de indivíduos separados e egoístas, igualados pela aspiração do consumo.
As modernas tecnologias mudam rapidamente. Quanto a isso, as escolas de trabalhadores têm opções a fazer. Ou correr atrás dessas mudanças, para o que não haveria recursos, ou, antes, buscar o domínio dos princípios que a regem. Essa segunda opção possibilita não só o aprendizado rápido das mudanças, como também a sua crítica, a análise de seus impactos e a abertura para a criação de alternativas. Mas, mesmo para isso, exigem-se máquinas e equipamentos compatíveis (Ibidem, pág. 6).

Todos os educandos de Santo André também devem ter seus direitos adquiridos no que tange ao domínio dessas ferramentas científicas e tecnológicas. Esse efetivo exercício à cidadania deve ser conquistado por meio de formações políticas e sociais que mobilizaram a participação e ao questionamento das políticas públicas atuais. Participar e questionar, ensinamento para o conhecimento crítico e construção de uma sociedade justa e fraterna devem ser os pilares para a inserção de Jovens e Adultos numa sociedade cidadã.

3.3. Conquistando a cidadania pela EJA

Não há cidadania sem conhecimento, pois, é preciso pensar a realidade, a sociedade e seus mecanismos de dominação para que se possa atuar e agir como indivíduo transformador. Para se discutir e debater as questões socioeconômicas e educacionais do município de Santo André é preciso conhecimento.

Portanto, a socialização do conhecimento entre os alunos da EJA deve ser realizada com base em alguns princípios norteadores e necessários para essa conquista. Tais como: 1) habilidade técnica específica para cada profissão; 2) conhecimento de linguagens matemática, informática, língua portuguesa, línguas do bloco continental e expressões artísticas e culturais; 3) história do trabalho, da cidadania, da política, ciência e tecnologia, e a geografia social e humana; 4) as ciências que envolvem a química, a biologia e a física são imprescindíveis para que os educandos possam participar democraticamente dos debates e decisões dos rumos da Polis.

Devem ser de conhecimento dos educandos da EJA as relações socioeconômicas, luta de classes, de gênero, etnias e grupos sociais e movimentos populares que lutam pela terra, por um teto, pois, conhecer a Polis e discuti-la é exercer a plena cidadania.
O ser humano em suas relações com o meio ambiente, o universo e a vida devem ser características de uma sociedade que tem responsabilidade com as gerações presentes e futuras. Pois, uma economia solidária é uma das maneiras de se ter crescimento econômico sustentável por meio da distribuição igualitária da renda.

Para tanto, é preciso inovar na EJA com a questão pedagógica, pois,

Nas escolas de trabalhadores, a questão pedagógica não é vista como uma simples questão de método, mesmo porque a questão de método não é uma simples questão neutra. O modo é sempre modo de um conteúdo conforme suas cargas e tensões. A pedagogia que se volta para o torna-se cidadão é uma pedagogia voltada para a expansão da autonomia dos sujeitos sociais: um processo, portanto, que não tem fim. Um processo pelo qual os sujeitos se dão, a cada vez, e socialmente, um novo fim.
São características desse processo:
A valorização das experiências acumuladas que cada um traz;
A construção conjunta e Intercomplementar das habilidades, conhecimentos e condutas;
A desmistificação da absolutização do conhecimento e da carga de poder que a esta se associa;
A ação ligada à reflexão e à intervenção social;
A construção da autonomia, o exercício do poder compartilhado e a invenção de novas formas de representação;
A abertura à crítica, à reciclagem e à reinvenção;
A permanente avaliação;
A responsabilidade e o envolvimento dos alunos e ex-alunos em relação ao empreendimento social no qual se constitui cada uma das Escolas dos Trabalhadores (Ibidem, pág. 9).

Desse modo, a participação de todos os atores, tanto educadores quanto educandos, no processo político pedagógico da EJA é fundamental para transformarmos a realidade local de Santo André. É o aprendizado científico, tecnológico, desenvolvido em laboratórios e oficinas, mas acima de tudo, a aprendizagem para a vida. A convivência social de maneira democrática e republicana com direitos plenos à cidadania de todos os seres sociais.

É a socialização das ações por meio da cultura. As relações das atividades com significados socioculturais e econômicos, e acima de tudo, com o reconhecimento da criatividade humana o processo de aprendizagem e produção, tanto na EJA quanto no mundo do trabalho.

Acreditamos na inclusão social desses trabalhadores e trabalhadoras por meio da Educação de Jovens e Adultos, pois, a convivência, o respeito à diversidade cultural, a dignidade e o caráter entre esses atores sociais de Santo André, com muito trabalho e dedicação vem promovendo a arte do benefício humano a partir das aulas ministradas com base nas orientações, sugestões, leituras e métodos desenvolvidos no Curso de Especialização e Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária, junto à Universidade Federal do ABC. E é nesse movimento que estamos nos inserindo, isto é, na produção dos sujeitos e agentes da mudança social (Cf. Apêndice 03).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa monografia e todo o trabalho desenvolvido ao longo do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária, ministrado na Universidade Federal do ABC e com orientação da Professora Marineide do Lago Salvador dos Santos, faz-me lembrar da Fábula do Rio e o Oceano. Pois, o rio antes de cair no oceano treme de medo, isto é, antes de entrar para esse curso de especialização havia muito receio, medo e descrença nessas propostas, tanto por parte dos educadores quanto por parte dos educandos. Contudo, ao olhar para trás e ver todo o trabalho já desempenhado no Polo Educacional de Santo André, sentimo-nos como o rio que corre pela montanha num longo caminho sinuoso que atravessa as florestas, povoados, e vê à sua frente um oceano imenso que, ao desaguar nele desaparece para sempre.

Porém, não vimos outra maneira, pois em educação não se pode voltar, assim como o rio que não pode fazer o caminho inverso. Desse modo, só havia um caminho, que era o de seguir em frente com nossos estudos e pesquisas em educação. Assim como o rio que se arrisca ao entrar no oceano, ao elaborarmos essa monografia o nosso medo desapareceu. Ingressar no oceano da educação nada mais é do que tornar-se oceano, ou seja, educador. Se por um lado é desaparecer na imensidão, por outro é renascer.

Destarte, esse trabalho pretendeu contribuir para mudanças e reflexões sobre o atual Currículo da EJA, assim como abrir perspectivas e novos horizontes tanto para educadores quanto para educandos.

As novas experiências apresentadas pelas professoras e professores da UFABC ampliaram meu olhar, já que tudo era novo, diferente. O tempo foi meu maior inimigo. Mesmo assim conseguimos desenvolver trabalhos relevantes atuando como assistente Pedagógica nas três unidades, tais como: Jardinagem, Projeto Horta com as professoras de alfabetização e pós-alfabetização, onde articulei os encaminhamentos para que o Projeto pudesse ser concretizado em parceria com o Parque Escola, as três atividades que se encontram no apêndice e que foram realizadas especificamente para auxiliar e demonstrar possíveis alternativas de práticas pedagógicas, articulação do Projeto Arte e Memória na EJA em parceria com o Departamento de Cultura da Cidade onde os alunos tiveram a oportunidade de visitar duas exposições de arte e convidados a expor suas produções na cidade de Santo André o que causou o sentimento de satisfação elevando a sua autoestima, pois os trabalhos também contribuíram para o cenário de uma apresentação no Teatro Municipal da Cidade.  O filme Tempos Modernos de Charles Chaplin foi muito discutido durante as aulas de História na EJA II, assim como o Filme: A história das coisas com a EJA I já mencionada discutiu o presente, o passado e o futuro da humanidade, sua diversidade cultural e o mundo do consumo.

A resistência aos modelos socioeconômicos e político impostos de fora foram também debatidos e discutidos durante as aulas ministradas na EJA e nos cursos realizados no Polo Educacional de Santo André. A cooperação no trabalho, a economia solidária e a Educação de Jovens e Adultos são formas de promover uma “contracultura” ao modelo neoliberal do capitalismo. Dito dessa maneira, a resposta dada ao empobrecimento e ao desemprego resultante do avanço científico e tecnológico nos fez pensar, discutir e praticar ações de mobilização e inserção dos nossos educandos na sociedade, e assim na conquista da cidadania por meio da Educação desses Jovens e Adultos em Economia Solidária.

E nessa vertente procuramos mobilizar toda a rede educacional do município de Santo André à participação ativa junto aos educandos e à comunidade nos projetos relacionados à economia solidária. Sabendo que é apenas o início de um projeto transformador e consciente das limitações realizamos as práticas coletivas com a participação e envolvimento de vários atores sociais; exercitamos a democracia; compreendermos o outro; vivemos e convivemos entre diferenças socioculturais e econômicas que, conjuntamente solucionamos os problemas e construímos o início de uma educação transformadora, outra globalização que inclui o ser humano em suas relações socioeconômicas.

A democracia, a solidariedade e a autonomia foram valores que constantemente lembrados e colocados em prática durante os trabalhos pedagógicos surtiram resultados positivos na prática pedagógica. Como toda educação é um ato político, o local onde se encontram os educandos, suas visões de mundo, suas histórias de vida e sobrevivência implicaram no primeiro momento em estranhamento. Mas, com o desenvolvimento dos trabalhos, ficou constatado que é preciso humanizar o Currículo e as práticas pedagógicas dos docentes, pois o cotidiano dos alunos nos possibilita essa transformação.

APÊNDICES

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS:

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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