Gravação de radionovela

Ficha Síntese da Prática Pedagógica

Objetivos da Prática Pedagógica:

  • Desenvolver atividades e projetos educomunicativos, visando à inclusão midiática e tecnológica dos educandos.
  • Promover o desenvolvimento da capacidade comunicativa e crítica dos estudantes, do trabalho em equipe e do uso das tecnologias informatizadas.
  • Promover a compreensão dos sistemas de comunicação, suas linguagens e formas de produção, visando a desnaturalização dos produtos culturais veiculados pela mídia na atualidade.
  • Estimular o protagonismo dos participantes e desenvolver sua autonomia;
  • Possibilitar o aperfeiçoamento da leitura e da escrita por meio de atividades voltadas à produção radiofônica, envolvendo várias linguagens da comunicação;
  • Empreender ações pedagógicas fundamentadas em princípios como a cooperação, a valorização social do trabalho humano e a compreensão de todas as etapas de produção.
  • Fortalecer as relações sociais e os vínculos humanos numa perspectiva diferente da vivenciada na sociedade capitalista.

Característica do grupo a quem foi aplicada a prática:              
Adolescentes, adultos, idosos e pessoas com necessidades educacionais especiais em fase de alfabetização e pós-alfabetização, cursando os módulos I e II do CIEJA Butantã.

Dinâmica de trabalho adotada na prática pedagógica:        
Visando à apresentação das especificidades da comunicação radiofônica, no que se refere aos códigos e linguagens utilizados e aos recursos humanos e materiais necessários para a produção de programas, fizemos a adaptação de uma cena de telenovela para radionovela. Por meio da transposição da linguagem televisa para a linguagem radiofônica, desenvolvemos trabalho em grupo, dividindo as tarefas de acordo com a predisposição e as habilidades individuais dos participantes, discutindo passo a passo a execução do trabalho, propiciando a todos o direito de intervir no processo e perceber o alcance e importância de sua atuação na equipe. Complementamos a ação pedagógica com a avaliação coletiva da atividade inicial que orientou a discussão do grupo para elaborar propostas de programação para a rádio escolar a serem apresentadas numa assembléia geral da escola.

Recursos necessários para aplicação:
Utilizamos durante as atividades aparelho de tevê, gravadores, aparelhos de som, computadores com microfone, o programa de edição de áudio Audacity instalado e internet.

Breve currículo da autora da prática pedagógica:
Célia Aparecida Borges – Professora de Arte do Ensino Fundamental II no CIEJA Butantã (Prefeitura de São Paulo), atua há 24 anos como educadora para adolescentes, jovens, adultos e idosos na rede pública de ensino. Especialista em Curadoria e Educação em Museus de Arte pela Universidade de São Paulo.

Cristina da Silva Ferreira – Professora de Ensino Fundamental I no CIEJA Butantã (Prefeitura de São Paulo), atua há 20  anos como educadora para adolescentes, jovens, adultos e idosos na rede pública de ensino. Graduada em Publicidade e Letras.

 

Uma proposta educativa libertária, baseada nos princípios da Economia Solidária,  concebe estudantes e educadores como sujeitos de sua aprendizagem. Entretanto, não como seres isolados, mas como atuantes em diferentes grupos sociais, capazes de gerir sua existência individual e coletiva, conviver e respeitar a diversidade étnica, etária, sexual, física, intelectual, entre outras.

No CIEJA Butantã temos a possibilidade de trabalhar com agrupamentos variados de alunos, integrando estudantes de diferentes módulos, idades e etapas de aprendizagem em turmas heterogêneas que possam se constituir como grupos e atuar coletivamente na realização dos projetos que lhes são apresentados.

A atividade que pretendemos relatar faz parte do projeto de criação da rádio escolar,  envolveu a disciplina de Arte em módulos iniciais de alfabetização e foi feita com alunos de diferentes idades, em diversas etapas de aprendizagem da leitura e da escrita, sendo vários com necessidades educativas especiais, com deficiência intelectual, mental e física. Foi realizada em quatro aulas de 2h15min cada, num dia específico da semana, previamente combinado. Além disso, foi complementada em outras aulas com exercícios de leitura e escrita relacionados às propostas de trabalho a serem realizadas pela turma.

Iniciamos esse conjunto de aulas tendo por objetivos chamar a atenção e o interesse dos alunos para a linguagem do rádio, viabilizar o trabalho coletivo e o desenvolvimento da autonomia da turma numa atividade de criação radiofônica, planejada como preparação para futuro protagonismo dos estudantes do CIEJA na concepção e produção de programas de rádio para a emissora que estamos implementando na escola.

Começamos as aulas apresentando nossa proposta de fazer com os educandos uma atividade de criação. Nesse primeiro momento, não informamos sobre o objetivo de criar programas para a rádio para não correr o risco de que isto parecesse muito distante de sua realidade. Em geral, pela nossa experiência na EJA, percebemos que os alunos têm, na maioria das vezes, muito medo de se expor, mostrar suas dificuldades e entraves, e por esse motivo, preferimos ir devagar, não os assustando com expectativas que pudessem lhes parecer além de suas possibilidades.

Como introdução ao assunto da aula, passamos um pequeno vídeo com a gravação de um trecho de uma telenovela bastante popular – “O cravo e a rosa” – texto adaptado da peça “A megera domada”, de Willian Shakespeare. Escolhemos uma cena da novela baseadas em sua riqueza sonora, leveza, humor e qualidade dos diálogos. A encenação escolhida se inicia com um plano geral de uma fazenda paulista da década de 30 do século passado, mostrando diferentes animais e ruídos típicos do lugar, tendo como fundo uma moda de viola; segue com dois personagens, que embora um tanto estereotipados, possuem traços marcantes de personalidade e dialogam utilizando linguagem regionalizada, com sotaque “caipira”,  vocabulário rico e versátil.

Após assistirmos ao curioso vídeo e darmos umas boas risadas, com os alunos comentando sobre quando a novela teria passado, se tinham assistido ou não, travamos uma conversa sobre o material observado. Perguntamos à turma o que, afinal, tínhamos visto e eles responderam: “uma novela”. “Que tipo de novela?”, “Como foi feita?”, “Onde a vimos?”. Fomos conversando até poder formar na lousa a palavra “telenovela”, escrita em letras maiúsculas. Aproveitamos para separar por um traço a palavra em duas partes, evidenciando o prefixo “tele” e seu significado (“à distância”), relacionando-o a outras palavras conhecidas que também o utilizavam: telefone, telegrama, televisão etc.

Em seguida, observamos que o nome “telenovela” se devia ao fato da novela ser transmitida pela tevê e aproveitamos para perguntar sobre outros meios possíveis para veiculá-la. Nesse momento uma aluna mais velha disse que ouvia novelas pelo rádio antigamente e contou como era a dinâmica da sua família para se reunir em torno do aparelho para escutá-lo.

Outros alunos também deram testemunhos, comentando sobre as diferenças entre ouvir radionovelas e assistir a novelas televisionadas. A principal, obviamente, era a presença da imagem. Indagamos: “Nosso comportamento é o mesmo, diante da TV ou ouvindo rádio?” Alguns alunos disseram sim, mas outros responderam não, “porque para ver televisão é preciso ficar parado e para ouvir rádio não”. Questionamos: “Por quê?” “Porque tem coisas que na tevê só ficamos sabendo vendo, já no rádio a gente não precisa ver, imagina…” Perguntamos se havia outras situações nas quais isso acontecia,  ter de usar a imaginação para visualizar as cenas. Responderam que isso também acontecia no livro: “Quando a gente lê uma história num livro, tem que imaginar a cena inteira, a imagem e o som.”

Então, aproveitamos para contar a eles o fato de a história de “O cravo e a rosa” ter sido primeiro escrita, não num livro de contos ou romances, mas para ser representada no teatro, em forma de peça teatral. Falamos sobre o autor, Shakespeare – e alguns alunos disseram já terem ouvido falar dele. Dissemos o nome original: “A megera domada” e conversamos também sobre seu significado.

Para finalizar esta parte da aula, escrevemos na lousa, nessa ordem, as três palavras “NOVELA, RADIONOVELA, TELENOVELA” para representar que antes todas as histórias estavam nos livros ou na imaginação das pessoas, que as contavam umas para as outras ou as dramatizavam no teatro; depois puderam ser transmitidas pelo rádio; por último, pela televisão. Observamos não termos citado todas as formas de se contar histórias, que havia ainda outras, como o cinema, por exemplo, mas, para nós, naquele momento, era importante escrever naquela sequência para perceber as ligações que havia entre aquelas palavras.
Em seguida, dividimos a lousa em duas partes, escrevendo em letras maiúsculas um título em cada uma: “Imagem” e “Som”.

Pedimos para que os alunos pensassem na cena que tinham assistido e elencassem as imagens e os sons por eles percebidos. Dessa forma, foi criado uma espécie de roteiro em que apareciam na sequência todos os sons, exceto os diálogos presentes na cena. Entregamos, então, para a turma um texto com o registro do diálogo realizado pelos personagens. Lemos o texto em voz alta e pedimos para que acompanhassem a leitura em suas cópias.

Nesse momento, diante do estranhamento e da dificuldade de leitura do texto pelos alunos, aproveitamos para conversar sobre a fala regionalizada dos personagens e a forma como estavam escritas, imitando a maneira de falar de cada um. Observamos as diferenças entre a norma culta da língua e a linguagem informal, coloquial, que usamos no dia a dia, aproveitando para desconstruir a ideia rígida do “falar certo” e “falar errado”, discutindo com os educandos sobre diferentes situações de interlocução e adequação da linguagem para cada uma.

Na continuidade das aulas, introduzimos a ideia de transformar aquela cena de telenovela numa cena de radionovela e propusemos aos alunos enumerar os sons e os diálogos na sequência em que apareciam e dessa forma criar um roteiro para a gravação, que no rádio é chamado de “lauda”. Também foi introduzido um narrador, cujo texto foi elaborado coletivamente, sendo um para abrir o programa e outro para finalizá-lo. Explicamos que no rádio o narrador, ou apresentador, é chamado de “locutor” e que as laudas vêm divididas em duas colunas: locução e “sonoplastia”, esta última englobando áudios diversos e também músicas.

A parte final da atividade foi a gravação e audição da radionovela. Nessa etapa foi bastante interessante observar a integração e o entusiasmo da turma em participar e valorizar a atuação de todos, independente das dificuldades e do tempo de que precisariam dispor para realizar a tarefa, principalmente no que se refere à leitura. Foram vários os ensaios até que todos julgassem que o resultado estava satisfatório para ser gravado. Os alunos escolheram músicas para abrir e fechar a novela e precisaram se organizar para fazer silêncio na hora da gravação, esperar sua hora de falar ou de fazer ruídos para a sonoplastia, como, por exemplo, o ranger de uma porteira ou o som dos animais que estavam presentes no cenário.

As dificuldades encontradas nessa etapa do trabalho, em grande parte devidas à heterogeneidade da turma e à presença de alunos com necessidades educativas especiais, exigiram de todos muita concentração, paciência e tolerância, mas também evidenciaram a importância do papel dos indivíduos no grupo, propiciando o entendimento de que a tarefa não seria viável sem a participação de todos, só poderia ser realizada coletivamente. Isto ficou claro, após a gravação, quando fizemos uma breve avaliação da atividade com a turma e foi observada pelos estudantes a importância do trabalho em equipe e o quanto isso enriqueceu seu relacionamento e os levou se sentir capazes de criar, de fazer algo que nunca haviam feito e o quanto é boa essa sensação.

É importante observar que o tempo necessário para a realização da proposta foi bem maior do que tínhamos imaginado inicialmente e os resultados podem parecer rudimentares quando ouvidos, mas que os objetivos de provocar o interesse dos alunos e familiarizá-los com a linguagem do rádio, viabilizar o trabalho coletivo e o desenvolvimento da autonomia da turma numa atividade de criação radiofônica, tendo como base os princípios da Economia Solidária, foram atingidos, viabilizando uma proposta pedagógica libertária, que concebe educandos como sujeitos de sua aprendizagem. Além disso, a atividade se mostrou rica do ponto de vista da aprendizagem da leitura e da escrita e nos instigou, enquanto educadores – pesquisadores a acrescentar ao projeto da rádio comunitária da escola objetivos mais especificamente ligados à alfabetização. Os resultados de algumas gravações dos alunos estão postados no “blog” http://www.ciejanarede.wordpress.com.

Leia também:

  • A Rádio Escolar como Meio Para Desenvolver o Protagonismo dos Estudantes de EJA e a Construção de Saberes Relacionados à Economia Solidária – Monografia relacionada
  • 4.2 Proposições para a programação da rádio escolar