EJA e Economia Solidária: um diálogo entre os princípios da ECOSOL e a prática da Educação Popular

Autora: Estela Fidelis Rodrigues
Orientador: Prof. Dr. Daniel Pansarelli

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe a Sra. Maria Fidelis Rodrigues, mulher guerreira e mãe dedicada que aos 42 anos em 1970, decidiu voltar a estudar, cursando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), onde aprendeu a ler a palavra mundo, pois deste, ela já conhecia muito!
Obrigada mamãe, foi em seu exemplo que eu sempre me espelhei: SEMPRE É TEMPO DE APRENDER!

AGRADECIMENTOS

Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente. (HENFIL)Leia também:

Meus sinceros agradecimentos:
A Deus, o autor da vida e o inspirador dos que lutam pelas causas dos oprimidos! (Como Paulo Freire, sinto-me e assumo-me como uma Cristã Revolucionária!)
À Universidade Federal do ABC.
À Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo do Campo
Ao orientador Prof. Doutor Daniel Pansarelli,  pelo acompanhamento
pontual e competente.
Desculpe-me também pelas falhas!
Aos professores do Curso de Pós-gradução
À Professora Regina Oliveira, pela organização de cada detalhe durante a execução do Curso
À Professora Vera Barreto, pela incansável luta pela educação de Jovens e Adultos (essa bandeira estou aprendendo a carregar me espelhando em você!)

A todos os que direta ou indiretamente
contribuíram para a realização desta pesquisa.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

  • CAPÍTULO 1 CONHECENDO A EDUCAÇÃO POPULAR
    1.1 O mundo do trabalho na EJA –  um currículo vivo em construção permanente
    1.2 Leitura crítica das especificidades da EJA – Educação ao longo da vida
  • CAPÍTULO 2- ECONOMIA SOLIDÁRIA E EJA: UM DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO    20
    2.1 – Um currículo possível – As possibilidades do currículo aliando EJA e Economia Solidária
  • CAPÍTULO 3-  EJA E ECOSOL: O DIÁLOGO NA PRÁTICA  – A PRÁXIS DA EJA E OS PRINCÍPIOS DA ECOSOL NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES (Relatos de Experiências)
    FICHA SÍNTESE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
    3.1 – Atividade de formação continuada de educadores das classes de alfabetização da EJA realizada em 19 de agosto de 2011
    3.2 – Atividade de formação continuada de educadores das classes de alfabetização da EJA realizada em 9 de setembro de 2011
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

O analfabetismo é a expressão da pobreza, consequência inevitável de uma estrutura social injusta e excludente. É ingênuo tentar superá-lo sem combater suas causas!

É urgente a presença de educadores criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Que lutem lado a lado pela causa dos educandos a partir do conhecimento das condições de vida do analfabeto, como o salário, o emprego, a moradia, suas  Histórias, suas lutas, organização, conhecimento, habilidades, enfim, só assim podemos falar realmente de saber ensinando, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.

Este trabalho pauta-se pelo princípio de que a educação é um direito humano de todas as pessoas, independentemente da faixa etária salientando que a EJA visa o aprender ao longo da vida.

Ela tem o compromisso com a alfabetização e continuidade, incorporado à luta pela escola pública de qualidade, que valorize a participação social, o conhecimento popular e alternativas pedagógicas que promovam a emancipação de sujeitos críticos.

Ressaltamos neste trabalho a importância da ação pedagógica da Educação Popular em dialogo com a Economia Solidária frente à exclusão social e histórica daqueles que declaram não saber ler e escrever, que vivenciam o “estereotipo de analfabeto” marcados por desigualdade social e regional, de classe, raça, gênero, geração entre outras. Mulheres e homens trabalhadores, marcados pela exclusão no processo de escolarização, que vivenciaram o baixo rendimento, o fracasso escolar e a reprovação – os excluídos da escola também compõem o quadro do analfabetismo neste país. O texto também fala que é possível lutar pelo direito coletivo de mulheres e homens terem acesso ao universo grafocêntrico através da alfabetização. E que esta, ao dialogar com os princípios da Economia Solidária, retoma a bandeira de transformação social, libertação e emancipação dos jovens e adultos populares.

CAPÍTULO 1
CONHECENDO A EDUCAÇÃO POPULAR

[…]Este movimento de superação do senso comum implica uma diferente compreensão da História. Implica entendê-la e vivê-la, sobretudo vivê-la, como tempo de possibilidade, o que significa a recusa a qualquer explicação determinista, fatalista da História (FREIRE, 2002-p29).

Para iniciar um diálogo é preciso compreender o que é educação popular, trata-se de uma tarefa desafiadora pelo fato de existir uma diversidade de concepções e perspectivas presentes nos diversos trabalhos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) ao longo dos anos.

Educação é um fenômeno social, pois é a formação do homem pelo homem para viver em sociedade, ou seja, é um processo pelo qual a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos.

A essência da educação é o compromisso com a defesa da vida, da justiça social, da libertação de todas as maneiras de opressão e da condenação de todas as formas de exclusão. Nesta concepção, visa-se à construção de uma sociedade que valoriza o sujeito e sua capacidade de produção da vida, assegurando direitos sociais plenos.

Historicamente, a Educação de Jovens e Adultos, no cenário brasileiro, nasce da união e compromisso estabelecido entre a alfabetização e a educação popular.

A educação popular, entendida como uma educação para o povo, um processo amplo de formação da classe trabalhadora, começa no Brasil na década de 40, impulsionada por uma idéia desenvolvimentista, realizada numa série de campanhas de alfabetização, programas de formação supletiva e técnica (SENAC, SUDENE, MOBRAL). Esses programas se pautavam pelo “mínimo necessário” para o estabelecimento de melhores condições materiais de vida nas comunidades mais pobres.

Setores da igreja católica, da Universidade e organizações de estudantes participaram destas iniciativas de formação e foram responsáveis por alterar a lógica do “mínimo necessário” para uma Educação Popular com letra maiúscula, ou seja, uma concepção pedagógica politicamente assumida, que propõe desvelar as relações sociais de opressão ao longo do processo de aprendizagem. (BRANDÃO, 2002 p 12).

Uma característica da educação popular, como a conhecemos hoje, é que ela rompe os espaços formais da Educação e busca a aproximação entre saberes de diferentes lugares da sociedade e da cultura. A escola passa a ser um entre muitos outros lócus onde as pessoas se formam pelo processo de conscientização crítica do conhecimento.

Paulo Freire, educador com trajetória junto aos setores populares, sistematizou suas experiência e propôs uma teoria crítica às concepções de educação então vigentes. A problemática principal da obra freireana é a libertação das pessoas concretamente em suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social. Para ele a Educação Popular é prática dialógica e conscientização libertadora. É práxis transformadora! O educador popular se constitui não apenas por sua formação teórica, mas principalmente por sua práxis transformadora.

São muitas as marcas do pensamento de Paulo Freire que contribuíram para construção do conceito de Educação Popular, a principal contribuição é que seu pensamento nasce da prática, propondo uma educação na ótica do oprimido. Educação que dá um novo significado ao destino da pessoa humana, pois a ação humana sobre o mundo muda não somente o mundo, mas também os sujeitos desta ação.

Desde esse ponto de vista o processo educativo exige que o educador coloque-se desde o ponto de vista das comunidades reais e veja o que conseguem produzir e articular a cada momento.

Paulo Freire foi um dos pioneiros, que impulsionaram a articulação de lutas organizadas a partir de Movimentos Populares em direção à transformação das realidades sociais opressoras.

Para compreendermos a Educação Popular faz-se necessário um entendimento geral da sociedade dividida em classes e dos instrumentos de dominação. “A história de todas as sociedades até nossos dias não foi senão a história da luta de classes.” (Karl Marx). A educação popular defendida por Paulo Freire visa à transformação e superação da realidade existente entre oprimidos e opressores – a exploração de uns para privilégio de outros.

Uma das marcas da educação popular é sua autoconsciência como prática político-pedagógica. Educação é um ato político. Numa realidade de interesses conflitantes, a neutralidade implica anuência com aqueles que detêm os instrumentos e meios de exercer o controle. Esse é um processo educativo que busca nas formas de resistência a ordem social burguesa de dominância material e simbólica, a qual trata o mundo do oprimido como difuso, desorganizado e atrasado, a inspiração para as práticas educativas. As práticas da Educação Popular, que nos referimos, questiona os princípios de dominância material e simbólica e seu planejamento está relacionada a busca da construção de condições políticas de libertação da classe trabalhadora.

A dimensão política das práticas educativas populares tem uma intenção social diferente tradicionais. Nesse sentido a dimensão transformadora opera nas práticas educativas sobre experiências concretas. Esta é a dimensão central do rigor interno na Educação Popular.

As experiências pedagógicas de Paulo Freire que ele mesmo chamou de uma “educação libertadora” consolidando o conceito de Educação Popular como um novo paradigma para pensar a educação de Jovens e Adultos.

Conceber a EJA desde a Educação Popular significa alicerça-se numa concepção de educação em que a transformação histórica e cultural faz parte de sua substância e nisso reside a sua dimensão política. Desde esse ponto de vista a educação de adultos procura trabalhar a partir da realidade dos oprimidos e o processo de escolarização parte do universo das significações populares para então articular com os referencias teórico construído pela cultura científica.

A partir da linguagem freireana, é possível usar alguns conceitos que contêm uma clara caracterização do processo educativo popular. Um deles é o conceito de consciência, ou melhor, de conscientização que deve acompanhar o processo educativo. “A pessoa conscientizada é capaz de perceber claramente, sem dificuldades, a fome como algo mais do que seu organismo sente por não comer, a fome como expressão de uma realidade política, econômica, social, de profunda injustiça.” (FREIRE, 1994, p. 225). Além disso, as relações dialógicas entre educando e educador, fazem parte de todo o processo educativo, bem como o caráter político e transformador da educação, questionando permanentemente a que interesses a educação está servindo: “Por isso é que eu dizia: a escola não é boa nem má em si. Depende a que serviço ela está no mundo. Precisa saber a quem ela defende”. (FREIRE, 2004, p. 38). Desnecessário dizer que Freire sempre defendeu radicalmente os oprimidos, buscando a libertação de todas as formas de opressão.

A Educação popular é concebida como um processo de grande extensão e profundidade, contribuindo para que as pessoas, pelo processo educativo, voltassem a acreditar na possibilidade de mudança e melhoria de suas vidas, pois ao poderem ler o mundo, também se conscientizam de que é possível, ao lê-lo, transformá-lo.

Sendo assim, a educação popular é concebida como um instrumento de libertação das classes subalternas, exploradas e expulsas da mínima condição de sobrevivência digna e humana. Sua metodologia tem como a matéria-prima as condições concretas de vida dos educandos e das comunidades onde estes estão inseridos. Os trabalhos em educação popular iniciam, junto aos mais variados setores populares, processos intensos de discussão, análise e reflexão, dentro de uma perspectiva histórico-social crítica

Com as mudanças globais, torna-se necessário uma nova identidade para a escola. Identidade essa, que encontra na educação l as bases para uma mudança substancial, pois é incorporada de humanidade, traz em sua essência o trabalho, a cultura, a ciência. É fundamental tratá-la na EJA, para resgatar a ação do sujeito jovem e adulto, ressignificando seus conhecimentos e ampliando sua consciência de existência humana.

No século que findou, dois projetos de sociedade fracassaram relativamente ao processo civilizatório: um porque privilegiou o eu, eliminando o nós; o outro porque privilegiou o nós, desconsiderando o eu. Neste novo século, confrontam-se dois projetos antagônicos de sociedade: um subordina o social ao econômico e ao império do mercado; outro prioriza o social. Faz-se necessário construir um projeto de sociedade onde o ser humano seja resgatado na sua plenitude de eu e nós, com base na prioridade do social sobre o econômico. Para que este novo mundo seja possível, é necessário que toda a humanidade entenda e aceite a educação transformadora como pré-condição. Esta educação tem como pressupostos o princípio de que ninguém ensina nada a ninguém e que todos aprendem em comunhão, a partir da leitura coletiva do mundo (GADOTTI, 2006 p 20).

A educação nos tempos atuais não é um problema isolado. Acha-se estreitamente relacionado aos impasses vividos na economia, na política e na cultura.

O sujeito precisa de uma educação que lhe propicie o reencontro com sua própria natureza; uma educação do homem e não apenas do “aluno”, em situação escolar. Isso exige uma ruptura, uma desestruturação e reestruturação não só dos modos de pensar a educação, mas o estabelecimento de novos interesses, de novos valores.

Este não é um processo natural nem espontâneo, mas que requisita esforço, rigorosidade, determinação, confiança plena na capacidade do ser humano. Nesse processo oa educadora terá que desenvolver novas habilidades para que para que possa orientar, abrir perspectivas, mobilizar forças que impulsione esse processo de descoberta de si e do mundo. É a articulação dos conhecimentos a partir das vivências e experiências, numa metodologia participativa conectada à realidade e às necessidades de aprender dos sujeitos, qualificando o tempo que passa na escola para uma aprendizagem que realmente seja significativa para o educando jovem e adulto.

Em uma sociedade mergulhada no modo de produção capitalista, os desafios dos educadores na formação dos trabalhadores são grandes e, apesar da solidez dos marcos jurídicos, normativos e educacionais, no qual o direito dos jovens e adultos à educação está assentado, a luta para traduzi-los em políticas públicas coerentes, que atenda às necessidades dos adultos trabalhadores é grande.

No Brasil, (revista fórum nº 98 p.17) os trabalhadores urbanos têm em média quatro anos de escolaridade, e isto impõem-lhes grandes desvantagens, pois sofrem as dificuldades de um mercado de trabalho altamente competitivo, e sentem-se excluídos da escola. “A apologia da competição chama a atenção apenas para os vencedores, a sina dos perdedores fica na penumbra…” (P.Singer p.6) e isto também se reflete no sistema excludente da escola tradicional, onde os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens! (P.Singer,p.6)

A conseqüência direta da baixa escolaridade reproduz as desigualdades entre pobres e ricos, pois em sala de aula as necessidades educativas dos jovens e adultos das camadas populares, não são atendidas. Cortela aponta que a educação pública das últimas décadas foi um dos desaguadouros do intencional “apartheid social” implementado pelas elites econômicas e é a partir dele que podemos compreender a crise da educação (Cortela p.13)

Na especificidade da EJA reafirmamos a necessidade de se pensar a EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA nas dimensões:

SOCIAL que implica em aprender com a experiência dos outros sujeitos, de saber conviver com as diferenças, de contribuir para melhorar a sociedade, enfim, de educarmo-nos para vivermos em grupo com respeito à diversidade.

PESSOAL que nos coloca como um ser que se constrói ao longo da vida, na busca do desenvolvimento da nossa potencialidade, no desafio maravilhoso de crescer, de evoluir mais em todas as áreas, de tornamo-nos pessoas mais livres, de aprender a conviver com as dificuldades, de aprender a conviver com as pessoas, com os animais, com o planeta e com o universo.

PROFISSIONAL que se faz na oportunidade de desenvolvimento constante em relação ao trabalho e na lógica de uma qualificação profissional social.

A educação pensada com base no conceito ao “longo da vida” [1] exige do educador um esforço para que este aprenda a relacionar as expectativas e contradições trazidas pelos educandos, na construção de uma identidade coerente, que integre o profissional, o pessoal e o social.

Cabe-nos considerar também que a marginalização e a ausência de horizontes de mudança social que afetam populações em situação de pobreza extrema influem na falta de motivação e nas dificuldades que tanto jovens quanto adultos enfrentam para se inserir em processos de escolarização.
A Economia Solidária, com seus valores e princípios, se apresenta como uma alternativa viável tanto social/econômica quanto educativa, por tratar de temas numa perspectiva de organização social e econômica mais justa e igualitária em relação ao capitalismo vigente, e que esta pode superá-lo proporcionando às pessoas uma vida melhor, onde se valoriza o ser humano em detrimento do capital.

Nesse contexto, a Economia Solidária envolvida com a modalidade (EJA) contribui para a construção de uma cultura do direito à educação ao longo da vida difundindo informações, desmontando preconceitos, mobilizando e ajudando a dar visibilidade à demanda social da EJA, pois coloca no cerne da discussão educativa a vida adulta, o trabalho e os educandos da EJA, passando a considerá-los como sujeitos plenos de cultura e conhecimento, com diferentes percursos e projetos formativos.

Isto exige uma organização curricular mais flexível e inovadora, colocando em diálogo saberes diversos (popular e erudito), dotada de estratégias formativas numa perspectiva intersetorial, articulando-a as políticas de desenvolvimento local, de trabalho e renda, participação, assistência social, saúde, cultura, meio ambiente, como nos aponta o educador Paulo Freire.

O papel da escola é propiciar um ambiente construtivo, acolhedor onde direitos e deveres são reconhecidos e respeitados por toda a comunidade escolar e que contemple a autonomia, a participação solidária e a pesquisa, como mais um instrumento de aquisição de novos conhecimentos.
É um espaço de práticas de relação entre os sujeitos, de produção de conhecimentos, de apropriação do saber sistematizado.  Acima de tudo é um espaço de diálogo, discussão, compreensão e ação para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e sustentável. Diante desse pressuposto, o currículo deve ultrapassar os limites disciplinares formalistas, para ir alem, possibilitando a organização de tempos e espaços para a aquisição e construção de conhecimentos.

Em “À sombra desta mangueira” Paulo Freire narra experiências vividas na infância, quando, no quintal da sua casa, embaixo de árvores frondosas, passava horas estudando, pensando, escrevendo – lugar onde aprendeu a ler e a escrever, riscando com gravetos no chão…
Essa história propõe um resgate do “ser humano” através da compreensão da realidade, “dando voz” aos sujeitos. Quando isto acontece, a escola é transformada em um espaço vivo de interações, aberta ao real, possibilitando que os educandos decidam, opinem, debatam e construam sua autonomia e seu compromisso com o social, formando-se como sujeitos culturais.

1.1 – O mundo do trabalho na EJA – um currículo vivo em construção permanente

A proposta pedagógica da EJA está referendada no dever do Estado em garantir a Educação Básica às pessoas jovens e adultas, na especificidade dos tempos humanos.

A EJA deve ser compreendida enquanto processo de formação humana plena que, embora instalado no contexto escolar deverá levar em conta as formas de vida, trabalho e sobrevivência dos jovens e adultos que se colocam como principais destinatários dessa modalidade de educação. Afirmamos também que estes sujeitos destinatários da EJA foram historicamente excluídos das ações de educação deste país, portanto temos uma dívida histórica com esses homens e mulheres que estão inseridos na EJA.

Afirmamos que é indispensável ressaltar os objetivos à educação, ampliando a sua concepção para dar respostas ao novo milênio e ao conjunto de “missões” (termo usado pelo documento de Delors), que prescreve que a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, – são os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; e aprender a ser. Os sujeitos inseridos na EJA são Jovens, Adultos e Idosos; homens e mulheres que lutam pela sobrevivência nas cidades ou nos campos, enfim são trabalhadores (organizados ou não), sujeitos que fazem a história em seu território, em seu país.

Para a garantia do Direito dos Jovens e Adultos à Educação Básica o currículo deverá ser pautado numa pedagogia crítica, que considera a educação como dever político, como espaço e tempo propício à emancipação dos educandos e à formação da consciência crítico-reflexiva e autônoma, que abra a ruptura de dominação das elites conservadoras, e amplie os direitos humanos, libertários dos cidadãos trabalhadores.
Neste sentido, tratar dos assuntos concernentes ao mundo do trabalho na EJA, pelo viés da economia solidária é uma ferramenta importantíssima na ruptura com os marcos do sistema capitalista e fortalece os sujeitos de direito que compõe a EJA, por isso o currículo desta modalidade é vivo e está em construção permanente.

1.2 – Leitura crítica das especificidades da EJA – Educação ao longo da vida.

Antes do operário existe o homem, que não deve ser
Impedido de percorrer os mais amplos horizontes do
Espírito, subjugado à máquina.
ZINO ZINI (escritor italiano)

Falar de EJA – Educação de Jovens e Adultos, é um exercício intenso permeado de reflexões sobre o universo dos adultos – o trabalho.  Ao debruçarmos sobre as especificidades desta modalidade é imprescindível questionar: Qual é a especificidade da EJA?

Num primeiro instante, podemos constatar que uma das especificidades, está no reconhecimento do educando como jovem e adulto trabalhador.
Sendo assim, vamos refletir um pouco sobre a natureza do trabalho na dimensão ontológica. Em Marx e Lukács temos o trabalho como categoria fundante do ser social. Nessa perspectiva, o trabalho é a ação de dar respostas às necessidades do homem. É pelo trabalho que o homem transforma a natureza e supre suas infinitas necessidades.

No entanto, este mesmo trabalho que qualifica o humano enquanto ser social, no modo de produção capitalista, transforma-o em apenas “força de trabalho”. Essa questão sócio-histórica faz uma cisão no humano: a dos que possuem os meios de produção e as dos que “vendem” sua força de trabalho. Neste modo de produção as relações de trabalho formam classes distintas: Burguesia (os que detêm os meios de produção) e o Proletariado (os que detêm a força de trabalho), o proletariado é antagônico à burguesia, pois a grande exploradora da mão-de-obra do proletário é a classe capitalista proprietária dos meios de produção, isto gera a luta entre classes e no seio desta luta, o sonho da construção de um mundo sem classes num estado comunista.

Está claro que durante séculos, desde a revolução industrial, o capitalismo só produziu grandes desigualdades sociais! A EJA precisa ser olhada por este viés, pois ela é fruto desta desigualdade. São os trabalhadores, explorados em sua força de trabalho que estão cursando a EJA, eles são vítimas da nossa história excludente.

Nos documentos orientadores das políticas públicas de EJA produzidos no Brasil ao final do século XX, argumenta-se que a EJA pode auxiliar na eliminação das discriminações e na busca de uma sociedade mais justa e menos desigual. A EJA é tratada como uma dívida social a ser reparada, assumindo a tarefa de estender a todas e todos, o acesso a educação, o domínio da escrita e da leitura como bens sociais. Neste sentido, a alfabetização, a aquisição da leitura e escrita, constitui-se em meios de inclusão social e a reparação de uma dívida histórica para com a classe trabalhadora.

No Brasil, A EJA reparadora leva-nos a refletir sobre o fracasso escolar, os altos índices de analfabetismo, a reprovação e a evasão, entre outros problemas. Leva-nos também a refletir sobre educação como direito de todas e todos ao longo da vida e isto traz a emancipação humana!
Alfabetizar hoje, mais do que nunca, significa ter como suporte uma análise política-crítica da realidade. Desenvolvida continuamente, ela será capaz de configurar a identidade e dar significado à vida. Por isso alfabetização de jovens e adultos é um compromisso com a aprendizagem crítica e tem como dimensão a educação ao longo da vida. Alfabetização é um direito humano, uma ferramenta de empoderamento pessoal e um meio para o desenvolvimento social e humano. É um ato de conhecimento, de criação e não de simples memorização. É pela alfabetização que os sujeitos se aproximam da cultura letrada, ela é matriz de consciência, neste sentido, empoderamento é o eixo que une consciência e liberdade, por isso alfabetização é um ato político carregado de experiência existencial, que traz em seu bojo o sonho possível de transformação da realidade social de homens e mulheres.

Tratar de educação ao longo da vida, segundo Timothy Ireland, é tratar de três dimensões: a individual, a do trabalho e a social. A primeira considera o homem como um ser incompleto, que tem a capacidade de buscar seu potencial pleno e se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo. Na dimensão do trabalho, está incluída a necessidade do homem se atualizar em sua profissão. Na terceira, a social (que é a capacidade de viver em grupo), um cidadão, para ser ativo e participativo, necessita ter acesso a informações e saber avaliar criticamente o que acontece.

A educação ao longo da vida deve ser entendida como um conjunto de processos de aprendizagem que possibilite aos adultos o desenvolvimento de suas capacidades, o enriquecimento de seus conhecimentos e a melhoria de suas competências técnicas ou profissionais, pois “Estar no mundo implica necessariamente estar com o mundo e com os outros” (FREIRE, 2002, p.20).

Quais são os anseios dos educandos trabalhadores? Esta questão também é uma especificidade da EJA. E esta reflexão traz à tona o tema trabalho para o currículo da EJA. Paulo Freire afirma “Quem ensina, aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” – tratar de trabalho no currículo de EJA é considerar também que educador e educando são trabalhadores e estão imersos no mundo do trabalho, sendo assim ambos têm muito a compartilhar.

Nesta via, o tema trabalho é imprescindível na formação do cidadão trabalhador; alfabetizar é construir a identidade libertária do trabalhador, pois o ato de transformação que nos distingue, de fato, dos demais animais, não é outro, senão o trabalho.

Nesse sentido, é fundamental estabelecer uma relação participativa, criadora, ativa, criativa e coletiva dos cidadãos para a consolidação desta nova proposta curricular de EJA – o diálogo com a Economia Solidária.

A Economia Solidária não pode ser vista apenas como um movimento econômico é necessário ligá-la a outros movimentos sociais que buscam a melhoria de qualidade de vida da população em geral.

Paul Singer entende a Economia Solidária como mais uma estratégia de luta do movimento popular e operário contra o desemprego e a exclusão social.

CAPÍTULO 2
ECONOMIA SOLIDÁRIA E EJA: UM DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO

“A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda.” (Paulo Freire)

A Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos últimos anos, tem sido alvo de reflexões/ações que colocam em xeque concepções e abordagens mecanicistas e utilitárias, até então dominantes nos cursos, projetos, mutirões em torno da alfabetização de jovens e adultos.

Trabalho é atividade essencialmente humana. Uma ação humana de inferência e transformação da natureza é a dimensão intrapessoal de busca consciente da autotransformação.

A educação está ontologicamente ligada ao processo de Trabalho, pois é uma prática social relacionada às formas pelas quais o homem produz e reproduz a própria existência na história.

No Brasil, conforme citado no capítulo anterior, os trabalhadores urbanos têm em média quatro anos de escolaridade, e isto impõem-lhes em grandes desvantagens, pois sofrem as dificuldades de um mercado de trabalho altamente competitivo, e sentem-se excluídos da escola.
Existe uma distância separando as necessidades educativas dos jovens e adultos das camadas populares, as condições que dispõem para desenvolver seus processos de aprendizagem e o ensino que lhes é oferecido. É possível imaginar que não exista demanda social por educação de jovens e adultos se o mercado de trabalho requer níveis cada vez mais altos de escolaridade e qualificações profissionais?

Por que os jovens e adultos não buscariam oportunidades de estudos se a participação na vida social, cultural e política é cada vez mais mediada por informação, conhecimento e tecnologia?

Para responder a este questionamento é preciso compreender que o capitalismo vigente, não considera o capital humano como valor, mas como mão de obra de exploração. Além disso, cabe-nos considerar também que a marginalização e a ausência de horizontes de mudança social que afetam populações em situação de pobreza extrema influem na falta de motivação e nas dificuldades que tanto jovens quanto idosos enfrentam para se inserir em processos de escolarização.

A economia solidária, com seus valores e princípios, se apresenta como uma alternativa viável tanto social/econômica quanto educativa, por tratar de temas numa perspectiva de organização social e econômica mais justa e igualitária em relação ao capitalismo vigente, e que esta pode superá-lo proporcionando às pessoas uma vida melhor, onde se valoriza o ser humano em detrimento do capital. Nesse contexto, a economia solidária envolvida com a modalidade (EJA) contribui para a construção de uma cultura do direito à educação ao longo da vida difundindo informações, desmontando preconceitos, mobilizando e ajudando a dar visibilidade à demanda social da EJA, pois coloca no cerne da discussão educativa a vida adulta, o trabalho e os educandos da EJA, passando a considerá-los como sujeitos plenos de cultura e conhecimento, com diferentes percursos e projetos formativos.

Isto exige uma organização escolar e curricular mais flexível e inovadora, colocando em diálogo saberes diversos (popular e erudito), dotada de estratégias formativas numa perspectiva intersetorial, articulando-a as políticas de desenvolvimento local, de trabalho e renda, participação, assistência social, saúde, cultura, meio ambiente.

Paul Singer, em seu livro Introdução à Economia Solidária, ressalta que esta é uma nova organização econômica que visa não apenas o lucro, mas a valorização do ser humano “inteiro” respeitando toda a sua complexidade.

A Economia Solidária é um projeto revolucionário, é um projeto para uma outra sociedade, e isto nos permite formulá-la como nós desejamos. No entanto, nós não somos utopistas no mau sentido da palavra, ou seja, nós não ficamos numa discussão pura do que é bom: o que é a natureza humana? Nós queremos também fazer com que essa concepção, esse programa, tenha viabilidade de conquistar as mentes e os corações dos nossos outros cidadãos, senão todos, muitos para que ela possa se transformar em pratica (SINGER, 2002).

Ao trazer os valores e princípios da economia solidária para sala de aula, quebramos o paradigma compensatório que cerceia o entendimento da EJA enquanto educação ao longo da vida. Este paradigma é problemático, porque ofusca a visão da diversidade dos sujeitos de aprendizagem, fazendo com que perguntemos sempre o que os educandos não sabem, ao invés de nos instigar a pesquisar quais são suas trajetórias de vida, quais suas bagagens culturais e saberes, quais seus projetos de futuro e suas motivações para retomar estudos.

Promover o diálogo entre as aprendizagens escolares e a vida, não significa restringir a formação dos jovens e adultos aos conhecimentos instrumentais necessários à participação dos sujeitos no mundo do trabalho e nas práticas culturais da sociedade urbana letrada. Mas é reafirmar a ação transformadora da educação apontada por Paulo Freire em seu livro pedagogia da autonomia, trazer a economia solidária como tema gerador de discussões reflexivas aos educandos da EJA vem reafirmar que a escola pode e deve transcender a experiência imediata, promovendo a reflexão crítica dos contextos mais amplos, auxiliando os sujeitos a (re)construírem a consciência social e de si, e a (re)formularem projetos pessoais e coletivos de futuro.

A EJA, durante o processo educativo, mantendo diálogo com a economia solidária, pode contribuir para a qualificação cidadã de seus educandos, formando sujeitos críticos, interventores, autônomos e solidários, e que realmente possam cumprir seu papel transformador nesse cenário global.

2.1 – Um currículo possível – As possibilidades do currículo aliando EJA e Economia Solidária

“Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro: de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e  de outros galos que com muitos outros galos se cruzam os  fios de sol de seus gritos de galo para que a manhã, desde  uma tela tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se  encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde  entrem todos, no toldo (a manhã) que plana livre de  armação.”  JOÃO CABRAL DE MELO NETO

A EJA, ainda, não é uma prioridade para os cursos de formação de professores, sendo mantida na marginalidade dentro das universidades, o que demonstra a inexistência do reconhecimento dessa modalidade por estas instituições. A UFABC realizando este curso de especialização em EJA e ECONOMIA SOLIDÁRIA, começa a delinear que a construção de um novo currículo para EJA é possível.

Várias são as definições atribuídas ao termo currículo, aqui vamos entendê-lo como “um processo complexo e contínuo de planejamento ambiental, (…) como um ambiente simbólico, material e humano que é constantemente reconstruído” (Apple, 1999:210).

Uma análise crítica de currículo permite que sejam analisados alguns elementos como a relação que o processo de criação, seleção, organização e distribuição do conhecimento escolar tem com os processos sociais mais amplos; a forma pela qual os educadores reagem aos programas oficiais; a maneira como o conhecimento escolar é distribuído de acordo com os diferentes grupos sociais; os elementos de ideologia, conformismo, produção e resistência presentes no currículo, dentre outros, que uma análise puramente pedagógica e metodológica não possibilita. A intensa mobilização de segmentos da escola, poder público e da sociedade civil, especialmente dos diversos educadores dos movimentos sociais, representa importante conquista histórica na construção cotidiana do currículo de EJA, construindo um espaço de reflexão, expressão, articulação e diálogo entre os saberes popular e cientifico.

Organizar um currículo implica num processo que se realiza entre lutas, conflitos de posições e relações de poder. Ao colocarmos os princípios da Economia Solidária em pauta nas aulas da EJA, educadores, educandos e gestores são convidados para refletirem sobre a diversidade sócio/cultural que permeia a EJA, pois educar é criar situações de aprendizagem nas quais todos os sujeitos envolvidos possam despertar para a sua dignidade de sujeitos do seu futuro. Sendo assim, um currículo onde a EJA e a Economia Solidária dialogam é considerado artefato social e cultural, pois a Economia Solidária traz o saber local para prática real na sala de aula.

Entre as muitas situações didáticas que aprofundam o assunto, os temas geradores passam a abarcar a discussão de diversas temáticas que envolvem questões de saúde, serviços telecomunicação, direito do consumidor, concepção mais ampliada de trabalho, segurança, ética, gênero, direitos humanos, relações sociais, serviços públicos, educação, meio ambiente entre outros. Um trabalho realizado assim proporciona aos educandos a liberdade de crescimento, pois reconhece o conhecimento como construção dentro de um contexto sócio-cultural real, subsidiando mudanças na melhoria da qualidade de vida individual e coletiva.

Esta pratica pedagogia libertadora e democrática pressupõe que o conhecimento é uma fonte de prazer e que as pessoas aprendem o tempo todo, na sua relação com todas as coisas, com outras pessoas e com elas mesmas. Sendo assim é urgente e necessário recuperar o saber acumulado dos trabalhadores, resignificando os processos de trabalho que até então sempre esteve nas mãos dos “gerentes” e, agora, sob outra ótica: a do trabalho coletivo, cooperado e solidário, passa para a mão dos trabalhadores”

A Economia Solidária não pode ser vista apenas como um movimento econômico: é necessário que esteja ligado a outros movimentos sociais que buscam a melhoria de qualidade de vida da população em geral. Paul Singer entende a Economia Solidária como mais uma estratégia de luta do movimento popular e operário contra o desemprego e a exclusão social.

“A construção da economia solidária é uma destas outras estratégias. Ela aproveita a mudança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista. Tudo leva a acreditar que a economia solidária permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um novo emprego, a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria individual ou coletivamente…” (SINGER 2002 p 28)

A prática da Economia Solidária, no seio do capitalismo, nada tem de natural, pelo contrário, ela exige dos sujeitos que participam dela um comportamento social pautado pela solidariedade e não mais pela competição.

Fica claro que prática da Economia Solidária exige que as pessoas que foram formadas no capitalismo sejam reeducadas. Essa reeducação tem de ser coletiva e exige uma pedagogia que “fale a língua dos sujeitos” – A educação popular possui este linguajar, porque é feita por e pelos sujeitos dentro de suas comunidades!

O desafio pedagógico é constante, pois trata-se de uma formação do diálogo como prática de liberdade, que visa ir para além do capital. É uma formação forjada em longos anos de luta dos oprimidos, engendrada pela solidariedade, pela cooperação, pela autogestão, valorizando a potencialidade de cada integrante do grupo. Requer:

  • Participação e envolvimento;
  • Exercício da democracia;
  • Saber ouvir / ser ouvido;
  • Viver / conviver entre diferentes;
  •  Buscar conjuntamente as soluções para os problemas;
  • Construção do coletivo.

CAPÍTULO 3
EJA E ECOSOL: O DIÁLOGO NA PRÁTICA
A PRÁXIS DA EJA E OS PRINCÍPIOS DA ECOSOL NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Relatos de Experiências

A sociedade atual encontra-se em profunda crise, na qual somos remetidos a repensar nossos valores e atitudes, principalmente os ligado a Educação.

A propagada neutralidade do conhecimento ensinado nas escolas e defendidos por Bobbit e Tyler é contestada pelo mestre Paulo Freire, que nos ensina que educação é um ato político e assim sendo, ela não se faz na neutralidade. A educação não pode negar a sociedade que está inserida e a luta de classes que há nessa sociedade.

A educação promove nos sujeitos que nela estão envolvidos uma consciência social e política, visando à melhoria da qualidade de ensino, à melhoria das relações interpessoais que se travam no ambiente escolar, à melhoria da organização do trabalho que se desenvolve na escola, dentre outros fatores que só um educando politizado pode reivindicar.

Educadores e educadoras precisam engajar-se social e politicamente, percebendo as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade classista. Para isso, antes de tudo necessitam conhecer a sociedade em que atuam e o nível social, econômico e cultural de seus educandos e educandas.

O desafio da educação é criar um espírito investigativo coletivo, capaz de envolver todos os atores dos processos de formação, tanto para desvelamento do mundo como para busca de caminhos que favoreçam transformações políticas, econômicas, sociais e culturais, como nos aponta o texto da I oficina nacional de formação/educação em economia solidária.

Quando falamos em formação de educadores da EJA, é preciso considerar as questões relacionadas às lutas sociais, pois estas influenciam a fisionomia das lutas pedagógicas. Os princípios da educação popular precisam dialogar com a educação formal, pois este diálogo é libertador ao trazer a relação dinâmica dos grupos populares com a realidade social em que estão inseridos.

A formação se dá a partir da ação: a educação popular é um processo de luta e de formação permanente e contribui para uma ação dialógica problematizadora, fortalecendo a prática pedagógica cotidiana dos/as educadores/as, através da reflexão sistemática da ação educativa e das discussões com o grupo de educadores/as.

No mova São Bernardo, estamos vivenciando uma organização dialógica da prática pedagógica (práxis libertadora), pautados pela investigação, problematização, sistematização, apreensão crítica e ação. Esses “passos” contribuem para a construção de uma práxis curricular libertadora, que parte do respeito à alteridade, do respeito ao outro em todas as suas diferenças (religiosas, étnicas, de gênero, ideológicas, sexuais etc.), do respeito ao trabalhador, considerando todos os sujeitos envolvidos na ação educativa.

A ação educativa do MOVA não separa teoria e prática e atribui aos sujeitos envolvidos importância significativa, redescobrindo o prazer de fazer junto, valorizando a capacidade criadora do ser humano, priorizando o diálogo horizontal entre os envolvidos, incorporando a afetividade e a sensibilidade como elementos da formação.

Educação pensada assim defende a dimensão humana em todas as suas possibilidades, e ao resgatar esses valores e práticas calcados numa solidariedade consciente, espelhamos nos princípios da Economia Solidária, trazendo para a discussão nos núcleos de alfabetização a temática de que um outro mundo é possível.

Ao colocarmos os princípios da Economia Solidária em pauta nas aulas do MOVA, educadores, educandos e lideranças comunitárias são convidados para refletirem sobre a diversidade sócio/cultural que permeia a EJA, pois educar é criar situações de aprendizagem nas quais todos os sujeitos envolvidos possam despertar para a sua dignidade de sujeitos do seu futuro. Sendo assim, um currículo onde a EJA e a Economia Solidária dialogam é considerado artefato social e cultural, pois a Economia Solidária traz o saber local para prática real na sala de aula.

Um trabalho realizado assim proporciona aos educandos a liberdade de crescimento, pois reconhece o conhecimento como construção dentro de um contexto sócio-cultural real, subsidiando mudanças na melhoria da qualidade de vida individual e coletiva.

A educação popular concebe a aprendizagem como uma tarefa criativa na qual o conhecimento é construído e reconstruído, mas, principalmente, em que re-fazer e nós, como indivíduos, como capaz de pensar, sentir , para fazer, para transformar.E é por isso que a educação não pode ser reduzido a apenas tentando conteúdo, mas que envolve a realização de todo o processo rico e complexo em que existem condições para que possamos aprender criticamente.

FICHA SÍNTESE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

3.1 – Atividade de formação continuada de educadores das classes de alfabetização da EJA realizada em 19/08/2011
3.2 – Atividade de formação continuada de educadores das classes de alfabetização da EJA realizada em 09/09/2011

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei nº9394/96 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional, de 20/12/96.
_______. Decreto nº2208/97, de 17/04/97.
_______. Parecer CNE/CEB nº11/2000, estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educação de jovens e adultos.
DI PIERRO, Maria Clara (coord.) Alfabetização de jovens e adultos no Brasil: lições da prática. Brasília: UNESCO, 2008.
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______. Pedagogia do Oprimido. Rio e Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
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FORUM  REVISTA,publicação da editora Publisher Brasil, Ed 98, maio 2011
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Práxis. São Paulo: Cortez, 1995
KRUPPA, Sonia M. Portella (org). Economia solidária e educação de jovens e adultos. Brasília: Inep, 2005.
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SINGER, Paul. Introdução a Economia Solidária.  São Paulo, SP: Perseu Abramo, 2002.
TIRIBA, Lia. Educação popular e pedagogia(s) da produção associada. Cad. CEDES, Abr 2007, vol.27, no.71, p.85-98.

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