Associação dos Produtores orgânicos do Alto Tiete – APROATE, a formação dos agricultores e a certificação da produção orgânica a partir dos fundamentos da Economia Solidária

Autora: Fatima Mohamad Aboucauch
Orientador: Professor Dácio Roberto Mateus

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do ABC.
Ao orientador Prof. Dácio Roberto Mateus, pela orientação.
Aos professores do Curso de Especialização.
À Professora Silvana Campos  que pacientemente colaborou comigo.
Aos agricultores que contribuíram significativamente para a produção deste trabalho.

‘Na verdade, se dizer a palavra é transformar o mundo, e dize-la não é privilégio de alguns homens e, ninguém pode dizê-la sozinho, pois isso acontecendo significa dizê-la para outros, uma forma de dizer sem eles e, quase sempre contra eles.  Dizer a palavra significa,  por isso mesmo,  um encontro de homens, conforme Paulo Freire  (Brandão, 1986).

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
  • 1. A PROBLEMÁTICA RESULTANTE DO CAPITALISMO NO CAMPO E SUA IMPORTÂNCIA
  • 2. ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES ORGÂNICOS DO ALTO TIETE –  APROATE
  • 3. PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONTROLE SOCIAL NA APROATE
  • 4. METODOLOGIA
  • 5. O PROCESSO DE CONTROLE SOCIAL
  • 6. PRÁTICA PEDAGÓGICA – RELATO DAS VISITAS
  • 7. CONSIDERAÇÕES
  • 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • ANEXO I
  • ANEXO II

INTRODUÇÃO

Indubitavelmente a agricultura vem servindo, predominantemente, aos interesses da classe dominante e do capital. Considerando que no Brasil o setor de bens de capital, principalmente o que produz para o setor agrícola, é totalmente dominado pelas multinacionais que produzem o mesmo modelo de produtos de suas matrizes, verifica-se que não houve produção tecnológica endógena. Portanto, desconsiderou – se as características do meio ambiente, estrutura fundiária, produtos e tipos de produtores dentre outros, suscitando,  mais do que resolvendo os problemas.

Embora o processo predominante seja o sistema convencional, historicamente, muitos são os movimentos que se contrapõem a este, como: a agricultura biodinâmica, a agricultura alternativa, a agricultura natural, a agricultura orgânica, entre outros (ver anexo I).  Esse processo histórico vem evoluindo de tal maneira, que vai além dos aspectos tecnológicos englobando os sócio econômicos e ambientais.

A transformação do modelo agrícola dominante não necessariamente começa a partir da iniciativa dos agricultores, embora estes casos tenham aumentado nos países industriais avançados, acompanhando as transformações no mercado consumidor, com setores cada vez mais exigentes em termos de alimento orgânicos. Entretanto deve haver uma relação de interdependência que envolva além dos agricultores, os órgãos de pesquisa, de extensão rural, as políticas públicas e grupos de pressão.

No Brasil o marco legal da agricultura orgânica é a Lei Federal n.º  10.831 de dezembro de 2003, regulamentada pelo decreto nº 6.326 de 27/12/2007. Para alguns uma burocracia a mais, apenas para comercializar seus produtos como orgânicos, mas para a uma quantidade significativa de agricultores familiares que produzem a partir de tecnologias que não são impactantes, é um importante instrumento que garante participar e construir o processo de controle social da produção orgânica. O governo brasileiro permite a certificação por meio dos sistemas participativos de garantia e da certificação por auditoria por meio de certificadoras, e ainda, pelo controle social para a venda direta dos produtos orgânicos da agricultura familiar, sistema inédito, que têm despertado a curiosidade de outros países.

Conforme a IN 46 de 6 de outubro de 2011,  Art.  3º temos:

“ VI – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade – OPAC: é uma organização que assume a responsabilidade formal pelo conjunto de atividades desenvolvidas num Sistema Participativo de Garantia – SPG, constituindo na sua estrutura organizacional uma Comissão de Avaliação e um Conselho de Recursos, ambos compostos por representantes dos membros de cada  SPG;
VII – Organização de Controle Social OCS: grupo, associação, cooperativa, consórcio com ou sem personalidade jurídica, previamente cadastrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, a que está vinculado o agricultor familiar em venda direta, com processo organizado de geração de credibilidade a partir da interação de pessoas ou organizações, sustentado na participação, comprometimento, transparência e confiança, reconhecido pela sociedade;”

Podemos considerar que a agricultura orgânica é uma maneira de produzir alimentos, alternativa ao atual modelo de produção industrial, assim como a Economia Solidaria é uma alternativa ao modelo de produção capitalista. Embora a agricultura orgânica seja considerada apenas uma das formas de produzir alimentos, ela é portadora dos conceitos e dos princípios da Economia Solidaria, principalmente por agregar pessoas que cooperam entre si para construir o ideal da sustentabilidade.   O processo de controle social para a venda direta dos produtos orgânicos é um processo emancipatório a partir da autogestão. Conforme Singer (2002,p. 23): “A autogestão promete ser eficiente em tornar empresas solidárias, além de economicamente produtivas, centro de interação democráticos e igualitários (em termos), que é o que os seus sócios precisam”.

A agricultura orgânica a que me refiro não é aquela que se utiliza unicamente de material orgânico como insumo de produção,  mas  aquela   onde a transformação não é  apenas uma questão de substituição de insumos, ou seja, uma agricultura capaz de “garantir a reprodução ampliada da vida”, uma outra maneira de se produzir alimentos.

1. A PROBLEMÁTICA  RESULTANTE DO CAPITALISMO NO CAMPO  E SUA  IMPORTÂNCIA.

As idéias oriundas da revolução verde criaram expectativa de superação do subdesenvolvimento através do setor agropecuário. Dessa forma o modelo de modernização da agricultura brasileira defendida pelos neoclássicos teve seu início fortemente direcionado e estimulado pelo Estado, por meio de políticas econômicas para atender aos interesses ideológicos e econômicos. Nesse sentido a pressão do capital industrial nacional e internacional, promoveu a ampliação do mercado interno para seus produtos, e ainda, privilegiou a oligarquia rural fortalecendo seus empreendimentos.

Constata-se então, que as pressões exercidas para a adoção e difusão das inovações provém de forma dominante das indústrias, comprometendo a interpretação da teoria de modernização [1] na qual tais pressões se originam dentro do setor agrícola e ainda, que é a escassez de fatores que direciona a geração de novas tecnologias agrícolas (Santos, 1986).

O processo de modernização da agricultura se deu a partir de tecnologias vindas de fora e talvez o agricultor não tenha tido tempo de incorporar porque não teve tempo também de se inserir nessa cultura tecnológica sem o atropelamento dos discursos daqueles que são os suportes da era moderna. Essa tecnologia é produzida fora para suprir necessidades de um mundo de fora da agricultura. No caso dos agrotóxicos, foi necessário num certo momento arranjar outro destinatário para as armas químicas que eram produzidas ( Santos, 1986). Os Estados Unidos da América usaram um desfolhante, chamado agente laranja, na guerra do Vietnan e quando a guerra acabou esse herbicida passou a ser usado em larga escala na agricultura mundial, principalmente nos países do chamado terceiro mundo.

Nesse sentido, é complicado aceitar o argumento do  “bom  / mau uso”,  já que isso implica em aceitar as coisas como elas são e apenas adaptar o agricultor a um mundo “melhorado” pelo ramo tecnológico da ciência, fornecendo-lhe a cultura que lhe falta para compreender e agir de acordo com elementos considerados próprios a um “mundo melhor”.

Verifica-se que existe uma ampla discussão sobre os modelos convencionais até então desenvolvidos devido principalmente à crise social e ambiental que se estabelece. Nesse sentido podemos considerar que os movimentos ecológicos começaram a ter mais impulso principalmente devido à questão dos agrotóxicos. Nos Estados Unidos, as denúncias de Rachel Carson(1964) lançam um alerta à população americana para os perigos dos agrotóxicos, como contaminação ambiental e o efeito acumulativo nos seres vivos. Também no Brasil esses produtos químicos foram responsáveis pela origem do  movimento ecológico na década de 70 (Paschoal, 1977). Assim, vai se consolidando uma consciência ecológica a partir de questões ambientais relacionadas com a agricultura e repensar o modelo produtivo agrícola passa  a ser um grande desafio.

Recentemente tem sido proposto e vem gradualmente se consolidando a noção de “agricultura sustentável”. O ideal da sustentabilidade ficou conhecido a partir do “Relatório Brundtland”, publicado em 1987 como Nosso futuro Comum,  “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Essa noção vem sendo difundida e defendida tanto por ambientalistas e ecologistas como por setores da indústria agro-química devido à amplitude do termo sustentável.  Nesse sentido, “fica difícil de entender como o uso de produtos químicos possa ser enquadrado no conceito de agricultura sustentável, a não ser que se interprete ‘sustentável’ como ‘que se pode sustentar ou suportar”: a agricultura (e o agricultor) sustentando a indústria agro-química” (Paschoal, 1995:12). O embasamento de sustentabilidade é ecológico e conservacionista, portanto não permite incluir o atual modelo químico-industrial.

A agricultura sustentável pode ser entendida como um objetivo para uma mudança de paradigma, cuja consecução somente pode ser prevista para o longo prazo, até mesmo situando-se no campo das grandes utopias humanas (EHLERS, 1996).  Ehlers reconhece que o principal obstáculo à ampliação da “agricultura sustentável” são os seus fundamentos científicos limitados. Nesse sentido há razões para se acreditar no surgimento de um novo paradigma em contraposição ao “modelo convencional” de agricultura, o qual traz uma nova compreensão tecnológica do desenvolvimento agrícola.  Aquele, não pode ser uma simples adaptação do atual padrão, mas pode ser uma proposta realmente nova. Dessa forma, a discussão que se tem atualmente implica não apenas modelos e teorias, mas a consolidação de novos valores, crenças e percepção da realidade.

A agroecologia é a proposta transformadora que converge para agricultura sustentável e os agricultores familiares são os atores para esse processo. Como descreve Dr.ª Maristela do Carmo Simões no seu artigo, cujo resumo é:

“O artigo trata da agroecologia e seus aspectos potenciais para transformar a realidade rural contemporânea brasileira, tomando os agricultores familiares como os atores por excelência desse processo. Pelas características da  exploração familiar, os princípios agroecológicos encontram terreno fértil para uma transição a agriculturas de bases ecológicas e o desenvolvimento rural sustentável. Do“camponês” ao agricultor familiar moderno interpõe-se uma gama de agentes produtivos, apoiados nos sentimentos de localidade e  pertencimento, que se traduzem na coevolução homem e natureza, alicerce de um conhecimento adquirido ao longo de gerações. Esse saber, fruto da convivência com a diversidade biológica e sociocultural dos agroecossistemas, tornam os agricultores fontes extraordinárias de cognição para a geração de CT&I endógenas e localizadas. O território é um conceito chave para participação e a ação social coletiva. Na atualidade, os agricultores familiares respondem por parcela significativa do agronegócio nacional e do emprego no campo. A agroecologia apresenta-se com potencial de força transformadora da realidade rural contemporânea, em especial como bandeira de luta política de movimentos sociais e de segmentos da sociedade comprometidos com um desenvolvimento equânime e sustentado.”

Portanto o processo de construção do controle social na APROATE pode ser considerado como uma fase para a mudança de valores e de conceitos na certificação orgânica, porque o trabalho desenvolvido pela associação vincula-se a forma de atuação na agricultura que vai ao encontro dos valores preconizados pela agricultura sustentável, assim como dos fundamentos da economia solidária.

2. ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES ORGÂNICOS DO ALTO TIETE – APROATE.

Os municípios localizados na região da nascente do Rio Tiete formam a região do Alto Tiete e contam com uma população de 1.511,078 habitantes, segundo IBGE/2010. Esta região se caracteriza pela produção de olerícolas e por ser uma região produtora de água, ou seja, possui uma grande área de proteção de mananciais.  As áreas de produção variam de 7 a 17 ha  segundo o Lupa 2007 / 2008.

A associação dos produtores orgânicos do Alto Tiete – APROATE, foi fundada em 2008 e está cadastrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA como Organismo de Controle Social, desde 2011.

A APROATE nasceu em Suzano a partir dos cursos do Sistema Nacional de Aprendizado Rural – SENAR e se estendeu a outros municípios da região por opção dos agricultores que almejavam o fortalecimento da associação na região. Atualmente compõem a associação os produtores dos seguintes Municípios: Suzano, Salesópolis, Santa Isabel, Mogi das Cruzes, Biritiba Mirim, Jundiaí e Arujá e mais recentemente um grupo de produtores de Guararema esta buscando integrar-se a associação.  Os principais parceiros da Associação são: SENAR, PREFEITURA DE SUZANO E SINDICATO RURAL.  Essa parceria tem sido fundamental para o processo que resultou na certificação da produção orgânica de seus associados. Atualmente conta com 25  agricultores associados dos quais 18 estão certificados e estão distribuídos nos municípios da seguinte maneira: Salesópolis:  6;  Biritiba-Mirim: 2; Mogi das Cruzes: 3 ; Arujá: 1; Suzano: 3; Santa Isabel: 2 e Jundiai : 1 ( único produtor que não está na mesma região). Os sete produtores restantes estão em fase transição da produção convencional para a produção orgânica.

Em relação ao grau de instrução dos associados certificados,  a partir da entrevista dos 18 agricultores entrevistados, temos:

  • 10 agricultores certificados pelo Organismo de Controle Social /APROATE, dos quais 5 possuem ensino médio, 2 possuem  ensino superior e 3 possuem ensino fundamental.
  • 08 agricultores certificados pela certificadora por auditoria, dos quais 5 possuem ensino médio, 2 possuem ensino superior e 1 possui ensino fundamental.

Independente da instrução formal, o importante é a participação no processo de educação popular. Pensar a prática  e construir o conhecimento coletivo.

3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONTROLE SOCIAL NA  APROATE

È importante ressaltar as razões  que uniram os agricultores:

  • Uma organização que busque outras formas de produzir que não seja aquela do capitalismo no campo
  • Poder garantir um produto de qualidade  para o consumidor
  • Participar e interagir para resolver questões que individualmente  não é possível ser resolvida.

Dessa forma, os agricultores adquirem  e constroem conhecimentos alternativos e realizam a autogestão para a produção e certificação dos seus produtos a partir da auto-avaliação em relação aos processos produtivos e aos processos de interação entre eles.

Os produtores Rurais associados passaram por um processo de entendimento da necessidade de certificação dos seus produtos como produtos orgânicos  até a decisão de constituir o Controle Social para aqueles associados que se caracterizavam como Agricultores familiares[2]e comercializavam diretamente ao consumidor e para aqueles que não se caracterizavam como Agricultores Familiares a decisão foi a da certificação por auditoria. Nesse caso uma certificadora do Paraná, a Tecpar-cert foi contratada, pois na ocasião era a única que estava cadastrada no MAPA.

Essa necessidade se deu a partir da exigência da Lei Federal nº 10.831 de dezembro de 2003, regulamentada pelo decreto nº 6.326 de 27/12/2007, o marco legal da Agricultura Orgânica brasileira.  Tanto no Brasil como no mundo, o comercio dos produtos orgânicos depende dos sistemas de controle da qualidade da produção para a certificação orgânica e no Brasil a regulamentação define o seguinte:

“Sistema orgânico de produção agropecuária é todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais. O objetivo é garantir a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente.” …
… “O conceito de sistema orgânico de produção agropecuária e industrial abrange os denominados: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológicos, permacultura e outros que atendam os princípios estabelecidos na Lei 10.831.” (artigo 1º e § 2 do artigo 1º da lei 10831 de 23 de dezembro de 2003).

No Brasil, os agricultores familiares podem contar com uma alternativa inédita para comercializar seus produtos orgânicos diretamente com os  consumidores,  por meio do Controle Social, prática  regulamentada pela Instrução Normativa  46 de 06 de outubro de 2011.

Embora a agricultura familiar de base tecnológica alternativa esteja amparada pela lei, a construção do processo que resulte no controle social da produção orgânica com a finalidade de comercialização direta não se faz do dia para a noite.  Nesse sentido, podemos afirmar que a construção desse processo na Associação dos Produtores Orgânicos do Alto Tiete – APROATE, vem sendo desenvolvida no decorrer dos últimos cinco anos. De um lado temos os agricultores interagindo para troca de experiência e  a criação de espaços de convivência, por outro lado,  temos a construção de um capital social bastante estruturado para realizar o controle social.

4. METODOLOGIA

A integração entre os agricultores para construção coletiva do conhecimento deve ser por eles entendida como um processo emancipador que precisa de um método que também seja autogestionado. Os gestores/formadores precisam respeitar os saberes dos agricultores, “ as ações pedagógicas percorrem caminhos que propiciam a reintegração dos saberes que o capitalismo fragmentou, articulando-os às práticas cotidianas de vida e trabalho, de maneira a favorecer o nexo entre a ação /reflexão/ação” (I Oficina de formação/educação em Economia Solidária, pg.16).  A metodologia a ser buscada é a metodologia autogestionária,  que “… une e humaniza o que o capitalismo divide e desumaniza em suas hierarquias valorativas. A metodologia autogestionária é o caminho para uma nova sociedade”. (I Oficina de formação/educação em Economia Solidária, pg. 21).

A necessidade de descrever o processo de controle social da produção e da comercialização dos produtos orgânicos, para a garantia do cumprimento dos regulamentos técnicos e da rastreabilidade dos produtos, contou com diversas  ações que veremos nos próximo item.  Antes, é importante ressaltar a importância dos diversos órgãos que interagiram para obter os resultados de formar, acompanhar e certificar produtores como orgânicos. Os cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, que só em Suzano já formaram aproximadamente 100 agricultores. O esforço do Sindicato Rural de Suzano para manter convenio com o SENAR e coordenar os aproximadamente 25 cursos, no mínimo,  por ano.  A vontade política da Prefeitura Municipal de Suzano nos orienta a dar continuidade a esse esforço.

5. O PROCESSO DE CONTROLE SOCIAL

O Processo necessário para avaliação da conformidade orgânica e garantia da  produção orgânica, na venda direta dos produtos da agricultura familiar pode ser realizado por meio de:

  • Reuniões mensais
  • Semana da Agricultura Orgânica
  • Palestras e cursos
  • Visitas  entre agricultores
  • Visitas entre agricultores com acompanhamento técnico

5.1 Ações realizadas

5.1.1 Reuniões mensais


As reuniões mensais tratam de pautas pré-estabelecidas conforme as necessidade do grupo em relação à produção, ao planejamento das visitas, à feira etc.

5.1.2 Participação na Semana de Agricultura Orgânica de Suzano

A participação nesses eventos tem sido de fundamental importância para obter as informações técnicas e legais a respeito da cadeia produtiva dos orgânicos (dominando as informações),   principalmente para estreitar as distâncias entre técnicos, escolas, instituições de pesquisas e agricultores.

5.1.3 Palestras

Independentemente dos eventos, também há promoção de palestras sobre temas de interesse, a exemplo da palestra da Drª Ana Primavesi sobre agroecologia que encanta a todos há mais de 50 anos.

5.1.4 Visitas com acompanhamento técnico e visitas entre agricultores

Para que cada agricultor elabore o plano de manejo da sua produção orgânica de forma participativa e dentro das normas técnicas, os agricultores se reúnem para visitar cada uma das propriedades[3].

Podemos considerar que há duas necessidades de registros do processo, uma é o diário de campo obrigatório para o agricultor individual e  a outra, é o registro feito das visitas que o grupo realiza a cada agricultor.

O material usado para acompanhar esse processo é o “Caderno de Manejo da Produção Orgânica “ elaborado pelo Ministério da Agricultura  Pecuária e Abastecimento – MAPA, disponível no site descrito na  ficha síntese da prática pedagógica, na pg. 22. O material usado  tem sido de grande eficiência para facilitar o entendimento de questões complexas.

No dia 06 de abril, sete produtores da Associação da Produção Orgânica do Alto Tiete- APROATE fizeram uma visita a um produtor de Salesópolis para avaliação da propriedade e auxilio na elaboração do plano de manejo, conforme determinado no anexo II[4]. Como o tempo que tínhamos não era suficiente para todas as questões, fizemos avaliações em relação às condições hídricas e de solo. O grupo solicitou que se fizesse análise da água e do solo a ser utilizado. A água é captada de um poço comum, na parte baixa da propriedade e perto de uma plantação convencional e por conta disso foi solicitada análise laboratorial.  Encaminhamentos: – análise de solo; análise de água; preenchimento dos outros requisitos relacionados no plano e a data da reunião para avaliar os resultados.

6. PRÁTICA PEDAGÓGICA

  • Elaboração do plano de manejo da produção orgânica para certificação e venda direta

8. CONSIDERAÇÕES

Aparentemente essa é uma atividade basicamente técnica, mas envolve uma série de questionamentos e interações que dizem respeito a uma nova maneira de pensar a propriedade agrícola e a sua produção (de dentro para fora, de fora para dentro) e que depende da cooperação e participação dos agricultores. A partir da necessidade de dar credibilidade a produção orgânica desenvolve-se uma rede social que interage para: entender as normas e aplicá-las na produção; diminuir os custos para a certificação e ou desenvolver um processo de controle social baseado na confiança e capaz fortalecer a agricultura orgânica regional. Esse é um processo educativo, ação-reflexão-ação, que pensa no ser humano e no ambiente em que vive, onde as ações necessárias podem ser consideradas como as ações que norteiam a Economia Solidária.  O texto da Dr.ª Lia Tiriba, “Educação popular e pedagogia da produção associada”, apresenta de maneira muito profunda a complexidade desse  processo educativo. A autora nos faz refletir sobre a necessidade de um processo contínuo e permanente de educação dos técnicos e formação dos trabalhadores associados que construa uma pedagogia associada capaz de dar conta de desbancar a lógica excludente e perversa do mercado capitalista, ou seja, que cultive uma cultura do trabalho que contrarie a do capital. Assim, todo o esforço deve ser realizado no sentido de se garantir a reprodução ampliada da vida.

Em suma, podemos considerar que:

  • A educação popular é um processo político de construção da cidadania;
  • A autogestão e a solidariedade são fundamentais para o processo;
  • O êxito do processo está relacionado com a capacidade de união para solucionar problemas comuns   que isoladamente não seria possível resolver e
  • As dificuldades das relações entre agricultores orgânicos e convencionais, pode até estar ligada ao grau de alfabetização, mas acredito que diz mais respeito a leitura de mundo que cada uma faz.

Como vimos, para que haja a construção de um novo paradigma na agricultura sustentável, são necessários consolidação de novos valores, crenças e percepção da realidade; bem como para consolidação de um novo modelo de produção, conforme os fundamentos da Economia Solidária, aqueles valores são imprescindíveis.

8.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brandão, C.R. Educação Popular. São Paulo, Editora Brasiliense S.A., 1985.
Carmo, M.S. Agroecologia: Novos Caminhos para Agricultura Familiar. APTA – Revista Tecnologia & Inovação Agropecuária, dezembro de 2008.
EHLERS, Eduardo. Agricultura Sustentável: Origens e perspectivas de um novo paradigma. São Paulo: Livros da Terra, 1996.
– I Oficina Nacional de Formação/Educação Em Economia Solidária ( Documento Final) – Ministério do Trabalho e Emprego – Brasília/2006;
Santos, Robério Ferreira dos. Análise crítica da interpretação neoclássica do processo de modernização da agricultura brasileira. In: Santos, Robério Ferreira dos. Presença de viéses de mudança técnica da agricultura brasileira. São Paulo: IPE-USP, 1986.
Singer, P. Introdução à economia solidária. São Paulo, Perseu Abramo, 2002.

ANEXO I

PRINCIPAIS CORRENTES DO MOVIMENTO ORGÂNICO E SUAS PARTICULARIDADES

As primeiras correntes alternativas ao modelo convencional surgiram por volta de 1920 e hoje, a agricultura orgânica representa a fusão de diferentes correntes de pensamento.  Darolt apresenta quatro grandes vertentes do movimento orgânico: agricultura biodinâmica; agricultura biológica; agricultura orgânica e agricultura natural.

A agricultura biodinâmica foi apresentada pelo Austríaco Dr. Rudolf Steiner em 1924 e é baseada na ciência espiritual da antroposofia. Os preparados biodinâmicos são substâncias de origem animal, vegetal e mineral, altamente diluídas segundo os princípios da homeopatia.  As operações agrícolas seguem o calendário astral.

A agricultura orgânica é uma corrente do movimento orgânico iniciada pelo inglês  Sir Albert Howard nas décadas de 30  e 40. A agricultura orgânica se baseia na melhoria da fertilidade do solo a partir da adição de matéria orgânica.
A agricultura biológica nasce dos estudos do biólogo e político Dr. Hans Miller sobre a fertilidade do solo e microbiologia.  O médico austríaco Dr. Hans Peter Rush difundiu este método na década de 60. Segundo ele, o mais importante era a integração das unidades de produção com o conjunto das atividades socioeconômicas regionais. Vale ressaltar que Francis Chaboussou publicou em 1980 “Plantas doentes pelo uso de agrotóxico: A teoria da trofobiose”. Nesse estudo o autor mostra que o uso de agrotóxicos causa desequilíbrio nutricional e metabólico à planta, resultando em plantas mais susceptíveis ( aos insetos e as doenças) e alimentos alterados biologicamente.

A agricultura Natural também tem origem religiosa. Na década de 30 o filósofo japonês Mokiti Okada funda uma religião, hoje chamada de Igreja Messiânica. A purificação do espírito é acompanhada pela purificação da alma e para isso os alimentos devem ser isentos de substâncias tóxicas. A agricultura natural tem como princípio respeitar as leis da natureza, interferindo minimamente no ecossistema. Os compostos são preparados com EM – micro organismos eficientes (produto patenteado), pois não é possível a utilização de estercos.  A partir desse método o Dr. Bill Mollison desenvolveu a Permacultura, um sistema integrado de espécies animais e vegetais perenes.

A agroecologia nasce nos anos 80 e o enfoque é o redirecionamento da pesquisa agropecuária direcionada às disciplinas para tratar de interações complexas entre pessoas, culturas, solos e animais. São seus precursores: Dr. Miguel Altiere e Dr. Stephen Gliessman da Universidade da California -EUA.

Na década de 90 surge o conceito de agricultura sustentável, muito amplo e contraditório e que será abordado no próximo item desse trabalho.

Essas correntes apresentadas estão de acordo com as normas técnicas para a produção e comercialização e para a lei são consideradas como uma forma de agricultura orgânica.  Estas correntes são base da agricultura orgânica e são desenvolvidas para buscar um sistema de produção sustentável.

ANEXO II

Documento solicitado pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento  – MAPA para a Associação dos Produtores Orgânicos do Alto Tiete como requisito para obtenção do  cadastramento  como “ ORGANISMO DE CONTROLE SOCIAL – O.C.S..

PROCESSO DE CONTROLE PARTICIPATIVO E SOCIAL DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS – GARANTIA DO CUMPRIMENTO DOS REGULAMENTOS TECNICOS E DA RASTREABILIDADE DOS PRODUTOS.

ORGANIZAÇÃO DE CONTROLE PARTICIPATIVO E SOCIAL: APROATE – Associação dos Produtores Orgânicos do Alto Tiete.

Base legal: Normas de certificação orgânica
Lei n 10.831, de 23 de dezembro de 2003
DECRETO Nº 6.323, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2007
IN 46, 18 de dezembro de 2008
IN 19, de 28 de maio de 2009

Gestão e funcionamento da APROATE

1. Reuniões

As visitas entre os agricultores, deverão acontecer uma vez por mês para as seguintes atividades:
– entendimento das normas;
– trocas de experiências;
– Atualização do plano de manejo;

Essas visitas poderão ocorrer com mais freqüência ou menos, de acordo com a necessidade do grupo.

  • As reuniões da organização de Controle participativo e social, APROATE, serão realizadas 1 vez por mês. Podendo ser realizada em conjunto com as visitas entre os agricultores.
  • As visitas da Comissão de Ética serão realizadas no mínimo 2 vezes por ano, ou conforme deliberado em assembléia quando for necessário um número maior de visitas.

2. Processo de escolha da Comissão de Ética

A Associação dos Produtores Orgânicos do Alto Tiete elegerá a Comissão de Ética que será composta por 3 representantes dos agricultores, 1 representante dos consumidores e um  representante técnico.

O trabalho do conselho consiste em visitas às propriedades com um roteiro pré-definido que permite a verificação “in loco” das atividades desenvolvidas e a comparação destas com as normas estabelecidas.

Cada membro do conselho realiza um relatório que destaca suas impressões, os pontos positivos e aqueles que por ventura estiverem em desacordo com as normas, sugerindo as devidas modificações.

3. Sistema de monitoramento e acompanhamento da correção das não conformidades apontadas pela comissão de ética.

Havendo identificação de não-conformidade, a associação definirá em reunião as medidas de correção/prazos e ou penalização. A reunião deverá ser registrada em Ata.

Os procedimentos poderão ser os seguintes:

  • Encaminhamento de medidas corretivas ao agricultor, conforme parecer da Comissão de Ética;
  • Sugestão para que o produtor participe de processos de capacitação em Agroecologia;
  • A Comissão estabelecerá período mínimo, de acordo com cada caso, para que o agricultor desqualificado na avaliação de conformidade possa solicitar nova avaliação;
  • A reincidência no descumprimento de normas será avaliada caso a caso pela Comissão, em conjunto com a Associação, e nesse caso o agricultor poderá ter interrompida a certidão de produtor orgânico.

Obs: As normas da certificação orgânica já foram distribuídas aos agricultores para tomar conhecimento das mesmas.

4. Roteiro para visita de avaliação de conformidade orgânica
A. Plano de manejo da unidade de produção orgânica:

  • Histórico da propriedade;
  • Croqui da área contendo: endereço; divisas com a localização de vizinhos especificando se é convencional ou orgânico; localização e discriminação das culturas com suas respectivas áreas de cultivo; especificar a produção convencional, caso tenha;
  • Relação dos produtos que pretende produzir;
  • Quanto pretende plantar ou criar de cada espécie vegetal ou animal;
  • Descrição geral do sistema de produção;
  • Como é feito o preparo do solo;
  • Como é feito o controle de plantas invasoras, insetos e doenças;
  • Quais insumos utilizam e qual a origem dos mesmos;
  • Como é feita a nutrição do solo ou dos animais,
  • Qual a origem e como é feito o controle da qualidade da água utilizada;
  • Como é feita a proteção ambiental;
  • Como são feitas as barreiras quando aplicável;
  • Descrição do processo da pós-colheita até a embalagem.

 

B. Diário: O diário deverá conter o registro de todas as atividades desenvolvidas durante o dia, como:

  • Qual o tipo do insumo;
  • Qual a qualidade e a quantidade de insumo adquirida;
  • Qual a origem do insumo;
  • Quais as atividades ou práticas realizadas;
  • Identificação do local e da cultura onde foi desenvolvida a atividade.

C. Relatório da associação do que foi colhido e vendido

5. Instrumento para a rastreabilidade dos produtos do grupo

Os produtos serão identificados através de rótulos, embalagens, sacos plásticos, adesivos e outros meios, padronizados pela APROATE, e cada agricultor deverá informar dados como nome e CNPJ (ou CPF), ou número de cadastro junto ao MAPA, ou entidades competentes.

6. Transporte e Comercialização

Para vendas diretas como a feira, não há necessidade de nota fiscal, no caso de produção familiar (DAP).

O sistema de comercialização nesse caso é o de venda diretai para os consumidores, podendo ser: em Feiras populares; na propriedade ou cestas de produtos orgânicos.

Nesta fase inicial a APROATE agrega grupos mistos: compreende agricultores já certificados com clientes que retiram o produto com transporte adequado; agricultores que transportam o produto com adequação até o cliente; associado comerciante que retira o produto com adequação e o comercializa em feira livre e agricultores que fazem venda direta na propriedade ou em domicilio.

Os produtos deverão ser transportados dentro das boas práticas, de forma para não serem contaminados.

7. Mercado

Feira da Agricultura Familiar; Compras Institucionais (para merenda escolar); cestas e venda direta na propriedade, e outros.
Considerando que os mercados almejados demandam produtos diversificados e continuidade de entrega, devemos realizar o planejamento da produção pensando inclusive nesses critérios.

8. Planejamento da Produção

O planejamento da produção será feito individualmente por unidade produtiva e apresentado para a APROATE em reuniões especificas onde serão compilados os dados para obtenção do planejamento do grupo.

Critérios considerados:
Grupo de produto; área; época de plantio; produção esperada e período de colheita.

Conforme a In 19 de 28 de maio de 2009:

“Art. 124. Os produtos a que se refere o artigo anterior não poderão utilizar o selo do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica entretanto, o produtor poderá incluir na rotulagem, quando existir, ou no ponto de comercialização a expressão: “Produto orgânico para venda direta por agricultores familiares organizados não sujeito à certificação de acordo com a Lei n° 10.831, de 23 de dezembro de 2003”.Artigo aplicável aos grupos de Controle Social.

  1. [1]O processo de modernização da agricultura brasileira através do uso de insumos modernos, foi defendido por uma corrente de pensamento neoclássica que fundamentou teoricamente esse processo  num conjunto de modelos  que Santos  denominou  de Teoria da Modernização da agricultura.
  2. [2] A  Agricultura Familiar implica em uma forma de uso dos fatores de produção, terra, trabalho e capital cujo comando e organização  é dado pela própria  família, malgrado suas interações sociais, econômicas, culturais com a sociedade mais ampla.
  3. [3] Todas as propriedades devem ser visitadas considerando suas características próprias (ambiental, social e econômicas) e o seu entorno ( geográfico, econômico, ambiental e social).
  4. [4]O ANEXO II é descrição que o grupo faz do processo que eles realizarão para dar conta do controle social da produção orgânica do grupo. Esse material faz parte da documentação exigida pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento para o cadastro do Organismo de Controle Social.