A Importância do Trabalho Coletivo na Formação dos Professores da Educação de Jovens e Adultos

Autora: Nilza Isaac de Macedo
Orientador:  Sérgio Amadeu da Silveira

 

Dedico este trabalho a todos os educadores do CIEJA Butantã

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha colega de trabalho e parceira, por permitir que eu olhasse sempre para frente.

 

SUMÁRIO

 

  • INTRODUÇÃO
  • CAPÍTULO I – REPENSANDO A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES DE EJA
  • CAPÍTULO II – REPENSANDO A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES DE EJA
    2.1 A história da construção do trabalho coletivo no CIEJA Butantã
  • CAPÍTULO III – A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O TRABALHO COLETIVO PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
    3.1 – Ficha síntese da prática pedagógica
  • CAPÍTULO IV – APRENDENDO COM O TRABALHO COLETIVO, APRENDENDO A REFLETIR
    4.1 Formação continuada – reflexões sobre nossas aprendizagens
    4.2 Avaliação do PEA – Projeto Especial de Ação – 2º semestre
    4.3 Avaliação do PEA – Projeto Especial de Ação – Reflexão Coletiva
  • CONCLUSÃO
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

INTRODUÇÃO

Vivemos hoje em realidades culturais e sociais que nos obrigam a conviver num ambiente em que a leitura e a escrita são pré-requisitos para o pleno exercício da cidadania.

Quando fazemos uma retrospectiva da vida escolar, verificamos que o trabalho de aprendizagem propiciada pela escola fica aquém do atendimento ao sujeito em sua formação global. A compreensão que os professores tem do desenvolvimento cognitivo dos alunos de EJA é de que isso se dá de forma natural e que não são construídas a partir de atividades a serem trabalhadas pela escola. Essa escolaridade deveria ser o caminho para uma maior igualdade entre os seres humanos [1] , mas não é o que parece acontecer, pois, em pleno século XXI, o que ainda se constata são práticas pedagógicas que não levam em conta o processo de construção do conhecimento, aprofundando as desigualdades já existentes. Estará na formação de professores o foco da questão?

O que nos chama a atenção no trabalho de formação de professores nas últimas décadas é a grande quantidade de informação que se tem com relação ao tema de formação de professores [2] , porém essa formação inicial ou continuada não atende ao que se propõe, visto que temos dificuldade em desenvolver um trabalho que possibilite que todos os alunos aprendam.

Nos anos como professora alfabetizadora, professora supervisora de estágio e professora do curso de pedagogia, tivemos a oportunidade de conhecer as mais diferentes linhas teóricas referentes à aprendizagem o que nos levou a perceber que o sistema educacional encontra dificuldades em capacitar os professores para o ensino, principalmente o professor de EJA.

Por esta razão acreditamos que a formação de professores de EJA ganhará densidade teórica e prática quando buscar uma interlocução com a Economia Solidária.

Dessa forma, tencionamos desenvolver um trabalho de pesquisa a fim de encontrar indicativos que possam colaborar para o entendimento da importância do trabalho coletivo na formação dos professores da Educação de Jovens e Adultos.

Nosso trabalho tem como objetivo: pensar um processo de formação de educadores de EJA cujos referenciais teórico-metodológicos ajudem na compreensão e transformação da realidade, estimulando a criação de novos conhecimentos que possam ressignificar valores e práticas sociais.
Entendendo que a pesquisa em educação significa o processo de construção e ressignificação dos conhecimentos da área que ultrapassam o que está estruturado sob forma de senso comum e, para uma melhor compreensão da realidade educativa, a metodologia deve ser o processo que organiza cientificamente todo o movimento reflexivo, do sujeito ao empírico e deste ao concreto, até a organização de novos conhecimentos.
Escolhemos para esta pesquisa a metodologia qualitativa que pretende compreender a dinâmica educativa e interpretar seus caminhos. Dessa forma, parte-se da compreensão de que a abordagem qualitativa em educação vem sendo entendida como elemento irrestrito, intricado, requisitando uma nova forma de pesquisa que não mais pretende estudar o fenômeno educativo de forma descontextualizada, decompondo seu todo em variáveis observáveis descaracterizadas (Ludke, 2001).

A metodologia compreendeu dois passos: a problematização da realidade e pesquisa bibliográfica.

Todos os anos no CIEJA Butantã, fazemos uma avaliação do PEA- Projeto Especial de Ação, que se apresenta como um instrumento de planejamento das ações de formação da equipe docente. O PEA orienta nossa formação coletiva, ele é discutido e desenvolvido por todos os educadores da unidade escolar. Em seu desenvolvimento, são escolhidos os temas a serem estudados e decididos como isso acontecerá na prática. Para que o PEA possa ser viabilizado, ele deve ser avaliado por todos que dele participam. Por isso duas vezes ao ano as Orientadoras Pedagógicas constroem um instrumento de avaliação de maneira que todos possam se colocar para que o PEA seja significativo em nossa formação.

A partir da avaliação do PEA se faz uma tabulação dos dados e se faz uma devolutiva a todos. Dessa forma podemos reavaliar nossa prática e questionando-a e confrontando-a.

E é exatamente a avaliação do PEA que usaremos como prática e como instrumento de análise para subsidiar nossa pesquisa.

Na primeira avaliação (anexo) propomos aos educadores do CIEJA Butantã que comentassem sobre as cinco ações que foram propostas no PEA no inicio do ano e refletissem sobre o caminho percorrido. Na segunda avaliação do PEA (anexo) propomos aos educadores do CIEJA BT duas questões para que pudessem atribuir um conceito aos objetivos e metas de nosso Projeto: “Formação discentes e docentes: um caminho para uma aprendizagem autônoma”.

A partir das avaliações foram construídos gráficos para que nos auxiliassem na compreensão das respostas e portanto, necessidades a serem pensadas e melhoradas.

Para melhor compreensão do trabalho de pesquisa, o Capítulo I Repensando a formação dos educadores de EJA traz o questionamento sobre a necessidade de mudança na formação dos professores de EJA sob a perspectiva da Economia Solidária; o Capítulo II retoma o processo de aprendizagem nascido e fortalecido no cotidiano da sala de aula do ensino de professor e da coordenação pedagógica e a história da construção do trabalho coletivo no CIEJA Butantã, no Capítulo III A Economia Solidária e o trabalho coletivo para a formação de professores buscamos situar a necessidade de reeducação dos professores de EJA.

CAPÍTULO I – REPENSANDO A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES DA EJA

Gostaríamos de iniciar este trabalho ressaltando duas questões básicas que vêm constituindo referências ou, poderíamos dizer, marcas identitárias da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A primeira é a origem social dos educandos, ou seja, seu pertencimento ás camadas populares; e a segunda referência é a concepção de educação que norteia grande parte dos programas, projetos, ações de EJA. Uma concepção que, absorvendo o legado da educação popular, explicita sua intencionalidade: educação – um processo de formação humana que visa contribuir para o processo de mudança social.

Por camadas populares, entendemos aquelas que vivenciam o não-atendimento a questões básicas de sobrevivência (saúde, trabalho, alimentação, educação). E, para o campo da EJA, são jovens e adultos que não tendo tido o acesso e/ou permanência na escola, em idade que lhes era de direito, retornam hoje, buscando o resgate do mesmo.

A vivência do processo de exclusão social, fruto do agravamento da desigualdade social que se expressa na falta de moradia, no não atendimento á saúde, na falta de oportunidade de trabalho e, inclusive, o não acesso á educação, é uma experiência que deixa profunda marca nos seres humanos. São jovens e adultos que vão construindo, ao longo de suas vidas, uma autoimagem marcada pela falta e pela negatividade.

Um dos desdobramentos dessa situação é que a desigualdade social passa a ser concebida como realidade inescapável; a inferioridade passa a ser naturalizada até mesmo pelos sujeitos que a vivenciam e com isso, experimentam, a cada dia, o abalo de seu pertencimento social, o bloqueio de perspectivas de futuro social.

Aqui, nos perguntamos: como pensar um processo de formação de educadores de EJA cujos referenciais teórico-metodológicos ajudem na compreensão e transformação da realidade, estimulando a criação de novos conhecimentos que possam ressignificar valores e práticas sociais?

Acreditamos que a formação de educadores de EJA ganha densidade teórica e prática ao buscar uma interlocução com a Economia Solidária. É nela que vamos encontrar os referenciais para a compreensão da complexidade dos dilemas presentes na sociedade brasileira, profundamente marcada pela desigualdade social.

Essa interlocução Educação/Formação em Economia Solidária deve gerar um questionamento do pensamento pedagógico, ou seja, um rico campo de inovação da teoria pedagógica, que interrogue a docência e a pedagogia, à medida que anuncia uma nova sociabilidade, uma nova sociedade que privilegia a valorização do trabalho e não do capital; que denuncia tanto a exploração do trabalho no contexto da lógica excludente da economia capitalista, como ao sistema opressor que fragmenta o ser humano.

O processo educativo inspirado na Economia Solidária propicia uma aproximação entre o que se faz na escola e o que se vive no cotidiano das práticas, ao estabelecer o diálogo entre as experiências escolares e as experiências da vida cotidiana, do mundo dos fatos, do mundo das lutas, do mundo da discriminação, das tensões. O grande desafio é conseguir desenvolver metodologias de trabalho e educação calcadas numa solidariedade consciente e assegurar a articulação entre práxis produtiva e práxis educativa, conteúdos e metodologias que devam partir da prática dos empreendimentos e/ou cooperativas de economia solidária e estudos de casos similares.

Para a efetivação desses projetos, teremos de enfrentar alguns desafios, ou seja, ao desenvolver programas de formação de educadores voltados para a Economia Solidária, devemos estar abertos a outras experiências de formação e nos articular com outras iniciativas político-pedagógicas.

Outro aspecto que nos desafia é a pesquisa, ou seja, criar um espírito investigativo coletivo, capaz de envolver todos os atores do processo de formação, para a desconstrução do mundo que aí se apresenta, como para a busca de caminhos que favoreçam transformações políticas, econômicas, sociais e culturais.

Ainda sabemos muito pouco sobre a construção da identidade docente e, mais especificamente, pouco compreendemos sobre a construção da identidade de um educador militante. Que aspectos da sua prática o caracterizariam como tal? Igualmente, como diferentes sujeitos em diferentes espaços e tempos constroem sua identidade como educador militante? Segundo Ribeiro (2004, p. 79):

[…] a formação dos professores vem sendo pensada de forma restrita ou muito limitada. Isso ocorre principalmente nos meios acadêmicos, em discussões que envolvem somente uma pequena parcela dos professores e fica centrada em questões relativas às reorganizações dos currículos e das disciplinas enquanto estruturas. Portanto, as questões relativas à subjetividade dos professores no processo de formação têm sido alijadas das discussões frequentes.

Dessa maneira percebemos que estamos vivendo um momento propício para exigirmos uma maior intencionalidade política e pedagógica da EJA. Ações pedagógicas que propiciem a reintegração dos saberes que o capitalismo fragmentou e buscar os meios para incorporação de referenciais teórico-metodológicos que ajudem na compreensão e transformação da realidade, estimulando a criação de novos conhecimentos que possam ressignificar valores e práticas sociais.

Segundo Rummer (2007), a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um campo carregado de complexidades que carece de definições e posicionamentos claros. É um campo político, denso e carrega consigo o rico legado da educação popular.
Os educadores e as educadoras de pessoas jovens e adultas, assim como os seus educandos (as), são sujeitos sociais que se encontram no cerne de um processo muito mais complexo do que somente uma “modalidade de ensino”. Lembramos também que os alunos de EJA estão imersos em uma dinâmica social e cultural ampla, que se desenvolve em meio a lutas, tensões, organizações, práticas e movimentos sociais desencadeados pela ação dos sujeitos ao longo da história.

Acreditamos também que nós, educadores, e todos os que se dedicam ao campo da EJA, possuímos uma maior responsabilidade social, política e acadêmica de compreender, interpretar, descrever, refletir e analisar as trajetórias; histórias de vida; além das necessidades, saberes, ensinamentos e conhecimentos produzidos pelas pessoas jovens e adultas.

O que vemos de mais esperançoso na configuração da economia popular solidária, é o surgimento de um campo específico de educação que vem se revelando como um tempo humano, social, cultural e que se faz presente nos diversos espaços da sociedade, nos movimentos sociais, na mídia, no cinema, nas artes, na cultura.

A Economia Solidária tem gerado um questionamento do pensamento pedagógico, ou seja, um rico campo de inovação da teoria pedagógica, que termina interrogando a docência e a pedagogia. Questões que levam à EJA e que interrogam os saberes escolares, os currículos, as didáticas e a docência.

Que respostas temos como profissionais do conhecimento, a essas reflexões?

Responder a essas perguntas é o que nos faz ter mais clareza de que não se pode separar conhecimento e vida, saber sistematizado e cotidiano das práticas, ciência e senso-comum.

O que se ensina dentro dos muros escolares não pode ser desconectado do que se vive fora deles, e trazer essas vivências para dentro da escola é dar vida nova para a própria escola. Não podemos perder de vista a necessidade de fazer da escola um espaço privilegiado de leitura do mundo, como quer Paulo Freire.

A partir desta concepção, a educação popular deve constituir-se como metodologia e foco central nos princípios da Economia Solidária na medida em que esta se apresenta como uma inovadora alternativa de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social. Deve mostrar exemplos de empreendimentos solidários organizados em redes, centrais de comercialização, grupos de consumo, pautados pela participação, democracia econômica, cooperação, autogestão e solidariedade.

Afirmar que a Economia Solidária é diferente, é defender a mudança política no modelo de desenvolvimento e de sociedade; na centralidade do ser humano e na sua integridade como sujeito e finalidade da atividade econômica. É crer num novo modelo de desenvolvimento sustentável e que implica na reversão da lógica capitalista ao se opor à exploração do trabalho e dos recursos naturais.

Questionar a atual lógica excludente do mercado capitalista, e pensar e criar alternativas para ela, através de um processo de ação-reflexão-ação sobre como funciona o mercado global e sua lógica perversa, é criar e acreditar que é possível outra forma de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver, mesmo inseridos na hegemonia do sistema capitalista.

Pensando na reflexão que expomos até o presente momento, apresentaremos no segundo capítulo nosso memorial para entendermos como se deu nossa formação e o quanto ela nos auxiliou na formação dos demais educadores tanto no nível técnico (antigo 2º grau – magistério) e curso de Pedagogia no curso superior. A experiência no CEFAM – Centro Especifico de Formação do Magistério, onde iniciamos nossa aprendizagem com o trabalho coletivo e no CEMES (Centro Municipal de Educação Supletiva) e hoje CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos) onde a construção do coletivo não se esgota porque a escola exige sua reinvenção cotidiana.

CAPÍTULO II – A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E O ENSINO SUPERIOR DE PROFESSORES ALFABETIZADORES- UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Para começarmos nossa discussão sobre o processo de formação dos professores pensamos em fazer uma retrospectiva de nossa formação, pois o que mais chama a atenção no trabalho de formação de professores nas ultimas décadas é a grande quantidade de informação que se tem com relação ao tema de formação de professores, porém essa formação inicial ou continuada não atende ao que se propõe, visto que temos dificuldades em desenvolver um trabalho que possibilite que todos os alunos aprendam. Não podemos esquecer a importância que têm os professores na educação e no processo de construção de conhecimento de seus alunos, porém nem sempre conseguem como professores, atender seu objetivo principal.

Como professora em escolas da rede pública desde 1991, tivemos a oportunidade de conhecer as mais diferentes linhas teóricas referentes à aprendizagem.

Nos anos como professora supervisora de estágio dos alunos dos 4º anos em um Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério de nível médio (CEFAM) de 1996 a 2004, e depois como professora de Didática e Prática Pedagógica em uma instituição de ensino superior para os alunos do 4º ano de Pedagogia, exercendo inclusive a supervisão de estágio dos futuros professores e ao mesmo tempo como professora alfabetizadora numa Escola Pública Municipal de Ensino Fundamental pudemos perceber a dicotomia entre o fazer e o ensinar a fazer.

No CEFAM-Butantã havia um projeto pedagógico elaborado por todos os professores, cujo principio era a abordagem metodológica baseada na interdisciplinaridade, com eixos temáticos por série, que ao longo do curso, viabilizariam os objetivos propostos para a formação de educadores. O eixo dos 4ºs anos tinha como objetivo “A construção da Identidade do Educador”. E, para tanto, os alunos tinham de desenvolver estudos de meio e o estágio tinha o caráter de formação, isto é, regência de aula. Os alunos faziam um trabalho de observação só nos primeiros contatos. Depois, atuavam como professores e cabia ao professor supervisor de estágio a orientação com relação aos planejamentos e as dificuldades enfrentadas na sala de aula durante o estágio. A discussão sobre a prática da sala de aula era realizada nas horas destinadas ao “retorno de estágio” [3], espaço previsto na grade curricular. Nestes momentos de reflexão conjunta, buscavam-se alternativas para as situações-problema apresentadas pelos alunos e constituíam de fato, espaço de formação era preciso respeitar e vivenciar o coletivo. Nesse momento concordamos com TARDIF (2002, p.12) quando nos coloca que:

“[…] o saber também se configura por ser uma prática social, ou seja, ele se manifesta através de relações complexas entre os professores e seus alunos”, e ainda, […] o professor não define sozinho seu saber, ao contrário esse saber é resultado de uma negociação entre diversos grupos”.

Em 2003, iniciamos no cargo de Coordenador Pedagógico em uma escola de ensino fundamental. Enfrentando dificuldades, aprendendo a trabalhar com os professores com diferentes formações e buscando colocar em prática o Projeto Pedagógico, afinal, a prática pedagógica na formação de professores ensinou que este é o eixo norteador que possibilita a viabilização do trabalho coletivo.

Em dezembro de 2003, com o anúncio do fechamento dos Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério – CEFAM começamos a questionar que mudanças ocorreriam em relação à política de formação de professores, se a experiência do projeto sinalizava resultados positivos. Buscamos então, outro espaço de formação como professora de curso de pedagogia, no qual a experiência de alfabetizadora e formadora poderia contribuir.

A FAMEC – Faculdade Montessori de Educação e Cultura, onde passamos a lecionar mantinha parceria com o Programa de Alfabetização Solidária (MEC) do qual participava desde janeiro de 2002, na época como professora do CEFAM-Butantã. Nesse Programa, com a função de docente e de preparar alfabetizadores para jovens e adultos que não puderam freqüentar a escola em idade adequada, trabalhei no Município de Maués –AM, no município de Caridade do Piauí – PI, nos municípios de São José da Coroa Grande, Água Preta e Venturosa, todos no estado de Pernambuco.

De volta à alfabetização de jovens e adultos e como docente no curso de formação de professores, tornou-se urgente repensar sobre a trajetória percorrida até então, sistematizando-a para que essas experiências subsidiassem a elaboração de projetos de formação, já que o Curso Normal de nível médio, que durante mais de um século formou os alfabetizadores paulistas, chegou ao sem fim.

Optamos pelo mestrado, pois tínhamos a intenção de continuar nossa qualificação como professora de professores alfabetizadores e como coordenadora pedagógica. No mestrado fomos buscar referenciais teóricos metodológicos que pudessem nos ajudar na compreensão da realidade que nos estimassem na criação de novos conhecimentos e, que, nos auxiliassem na ressignificação de valores e praticas social.
A seguir apresentamos nossa história no CEMES / CIEJA e a construção de nossa formação com o trabalho coletivo.

2.1 A história da construção do trabalho coletivo no CIEJA Butantã

“[…] o professor não define sozinho seu saber, ao contrário
esse saber é resultante de uma negociação entre diversos grupos”.
(TARDIF apud MACEDO, 2008, p.29).

A história de nosso trabalho coletivo na formação dos professores se inicia em agosto de 1999, quando foram abertas as inscrições para professores do CEMES – Centro Municipal de Educação Supletiva do NAE 12 –, um projeto novo na região do Butantã que atenderia a educação de jovens e adultos. O CEMES funcionaria num prédio escolar estadual no Jardim Cambará, que estava desativado.

Para trabalhar no CEMES o professor precisava apresentar um projeto de trabalho, um relato de prática, o seu currículo, passar por uma entrevista com a equipe técnica do CEMES e fazer uma avaliação escrita.

Em outubro do mesmo ano, após o processo de seleção, iniciaram-se as convocações dos professores para o CEMES. Os professores que se candidataram faziam parte da rede municipal de ensino e parte deles cumpria Jornada Especial Integral, que prevê que o professor trabalhe 25 horas-aula com alunos e outras 15 dedicadas a trabalho coletivo ou individual; os que não optavam por essa jornada, para trabalhar no CEMES, tiveram que complementá-la com TEX (Trabalho Excedente) para poder participar do horário de trabalho coletivo, outro pré-requisito para se trabalhar no Projeto CEMES.

Em suas escolas de origem cada professor participava de um grupo de trabalho onde se faziam discussões e formações coletivas. Ao chegarmos ao Projeto CEMES, porém, tivemos que aprender e apreender o conceito de “coletivo” de que o Projeto necessitava para poder dar conta de suas demandas, isto é, durante a semana, de segunda a quinta-feira, trabalhávamos com os alunos e, às sextas-feiras, tínhamos que cumprir oito horas-aula de formação coletiva.

O plano era que, assim que fossem selecionados, os professores já deveriam iniciar suas aulas; o acaso, no entanto, nos propiciou um processo de formação diferente: por motivos diversos, o prédio no Jardim Cambará não pôde abrigar o CEMES e, como não havia sede, não havia alunos.
Durante dez meses, o CEMES funcionou provisoriamente em quatro locais diferentes, isto é, as escolas cederam espaço para que a equipe técnica e os professores designados pudessem trabalhar. Tínhamos que cumprir a carga horária semanal, porém sem alunos. Somente em julho de 2000, a atual sede foi alugada para o funcionamento e atendimento aos alunos.

Diante da situação favorável a um planejamento escolar, na medida em que as equipes eram formadas, o primeiro passo foi estudar a proposta do CEMES, entender como era o Projeto e como deveria ser o atendimento aos alunos. Essa não foi uma tarefa fácil, pois era algo muito novo para todos. As denominações das etapas de ensino eram outras; Módulos I e II (para o Ciclo I) e Módulo III (para o Ciclo II). Para os dois primeiros módulos, as aulas eram presenciais, com duração de duas horas e quinze minutos: já para o Módulo III, o curso era apostilado, os alunos levavam Cadernos de Estudo, vinham à escola para a Orientação Inicial (um primeiro contato com os professores e vice-versa), para as Orientações de Aprendizagem (sessão individual com o professor da matéria para esclarecimento de dúvidas) e finalmente para fazer as provas, já que o aluno só recebia o Caderno 2, por exemplo, depois que tivesse sido aprovado na prova do Caderno 1.

Havia um material específico para trabalhar com os alunos: para os Módulos II (últimos anos do Ciclo I do Ensino Fundamental) e III (quatro anos do Ciclo II do Ensino Fundamental) já havia um material de estudo específico para o aluno, mas era necessário construir instrumentos de avaliação, pois isso ainda não existia. Para o Módulo I (que se referia aos dois primeiros anos do Ciclo I do Ensino Fundamental), no entanto, não havia material pronto para o aluno e durante o período em que não havia sede para o funcionamento do CEMES, estudamos e pesquisamos para construir um. Foi nesse momento que sentimos certo desconforto, pois tudo era muito novo, não sabíamos o que fazer, mas precisávamos fazê-lo. De acordo com Ferreiro (1995, p.29): “Nenhuma aprendizagem conhece um ponto de partida absoluto […] isto significa que o ponto de partida de toda a aprendizagem é o próprio sujeito e não o conteúdo a ser abordado”.

Nossa pesquisa, para construção das avaliações, começou com os livros didáticos. Durante a semana, de segunda a quinta-feira, os professores do período da manhã faziam anotações de suas pesquisas, os professores da tarde também e os professores do período noturno davam continuidade. Somente às sextas-feiras, o grupo se reunia para discussão e sistematização das pesquisas para a construção do material. Esse procedimento ocorria com todas as equipes: equipe de módulos I e II, equipe de Língua Portuguesa, Arte, Ciências, História, Geografia, Matemática.
No início de 2000, o CEMES foi transferido para outra escola de Ensino Fundamental (EMEF) que ainda não era sua sede definitiva. Lá, continuamos os trabalhos de construção do material. Percebemos que o material não poderia ser qualquer um. Tinha de ser algo que atendesse o nosso público. Alunos que não eram alfabetizados, que haviam frequentado ou não uma escola, que precisaram sair da escola porque priorizaram o trabalho, ou que não conseguiam ficar porque a escola não atendia sua necessidade. Alunos que eram adultos e, na sua maioria, migrantes. Havia uma contradição, tínhamos que construir um material para um aluno virtual, mas, também, havia um exercício de busca de autoria. A produção do material possibilitou a reflexão sobre nossa história, identidade e autonomia.

Éramos alunos novamente, passando por um processo de formação e, nele, o grupo estabeleceu suas próprias regras de funcionamento, isto é, seus próprios princípios.

Ainda em fevereiro daquele mesmo ano, fomos para uma terceira escola. A equipe aumentou com a vinda de professores de outras áreas e tínhamos a incumbência de construir um material que fosse adequado aos futuros alunos do CEMES.

O material para o Módulo II era dividido em unidades, subdivididos em fichas. O material possibilitava a abordagem interdisciplinar, orientando o aluno a estudar as diferentes áreas do conhecimento.

A dificuldade de se trabalhar com o material estava no fato de que o CEMES tinha como objetivo o trabalho não-presencial. O aluno deveria estudar sozinho e para isso, tinha que ter autonomia para estudar; também desejávamos que a avaliação não fosse feita só para o aluno tirar nota ou eliminar a matéria, mas que aprendesse de fato, que fosse um momento de estudo. Esse era o nosso grande desafio.

O material do Módulo III era dividido, também, em unidades, apostilado e reproduzia os livros didáticos. O desafio dos professores desse Módulo era adequar o material a uma nova proposta, sócio construtivista.

O material do Módulo I, por sua vez deveria seguir a mesma linha dos demais Módulos, para que esses alunos pudessem continuar os módulos seguintes, subsidiados pelo conjunto de material produzido pela equipe.

Fomos visitar outro CEMES, na região de Interlagos, para conhecer o projeto, como era e como funcionava e continuamos estudando muito. Foi nessa época que aprimoramos nosso entendimento da proposta.

O trabalho coletivo estava sendo construído e sabíamos das nossas dificuldades, reflexo de nossa própria formação. O processo de construção do material durou oito meses. Nossa pesquisa não se restringiu aos livros; percorremos escolas em que havia curso de EJA, ouvimos os professores de todas as áreas que opinaram e nos ajudaram, com o seu olhar, na construção desse conhecimento. Esses encontros foram anotados e os registros foram guardados para análise e reflexão.

Nesse processo, aprendemos a trocar ideias, o que não era tão comum nas escolas por onde havíamos passado anteriormente, onde, frequentemente, cada um fazia o seu trabalho isoladamente e não havia participação. Identificávamos aí nossa maior dificuldade, uma vez que esse processo de troca teve de ser construído. “O fazer da aula não se restringe à sala de aula, está além de seus limites, no envolvimento de professores e alunos com a aventura do conhecimento, do relacionamento com a realidade”. (RIOS, 2001, p. 27).

Todos participavam da reunião pedagógica que acontecia às sextas-feiras, constituindo o momento coletivo para nossa formação e discussão dos trabalhos desenvolvidos; no entanto, ainda necessitávamos de local definitivo para nossa sede e de alunos.

Assim que o local foi definido, priorizamos as avaliações, pois os alunos teriam que fazê-las para a eliminação das disciplinas. Os instrumentos de avaliação além de atender a uma proposta sócio construtivista, deveriam indicar relação com o material que o Projeto CEMES já tinha.

Tendo em vista as dificuldades em relação ao material, começamos por estudá-lo para que pudesse contemplar o processo de avaliação de rendimento (notas) e de aprendizagem, isto é, o que o aluno efetivamente havia aprendido. Entretanto, nem todos os componentes da equipe tinham clareza do que deveria ser feito. Como construir um material com objetivo claro e coerente nessas condições? À medida que se avançava na construção do material, as dúvidas foram sendo superadas. Produzimos o nosso primeiro instrumento de avaliação.

Outra vez, mudamos de local de trabalho. Em junho de 2000, foi alugada uma casa que seria a sede do CEMES. Nossa preocupação passou a ser em como trazer os alunos para o CEMES e como faríamos o atendimento a eles.

Foram elaborados panfletos para que os professores os distribuíssem em vários lugares, tais como: padarias, pizzarias e postos de gasolina. Enquanto isso, aprendíamos a lidar com os encaminhamentos administrativos: preencher os papéis que faziam parte da estrutura do CEMES, a fazer a matrícula dos alunos que estavam chegando, ao mesmo tempo em que continuávamos com a produção do material, as avaliações e preparávamos a recepção para os alunos.

Quando as matrículas foram abertas, fomos surpreendidos pela quantidade de candidatos ao Módulo I e como tínhamos parado a construção do material desse Módulo, passamos a fazê-la paralela à aplicação do material com os alunos.

A recepção inicial dos alunos, que chamávamos de O.I. (Orientação Inicial), era o momento de receber o aluno, com atividades de sensibilização e levantamento das expectativas e dos objetivos com relação à escola. Nos módulos I e II era primordial ouvir e registrar quem era o aluno, se tinha domínio mínimo da escrita (líamos um texto e pedíamos um registro – uma frase, uma palavra ou um desenho); apresentar a escola e alguns procedimentos, como por exemplo, que o aluno poderia escolher um lugar na sala de aula para se sentar, mas que jamais se sentaria sozinho. Tudo seria trabalhado coletivamente e isso era algo que tínhamos de ajudá-los a exercitar, pois segundo Freire (1997 p.64):

Grupo é resultado da dialética entre a história do grupo (movimento horizontal) e a história dos indivíduos com seus mundos internos, suas projeções e transferências (movimento vertical) no suceder da história da sociedade em que estão inseridos.

Como já dissemos todas as sextas-feiras, acontecia a reunião do coletivo para estudos e preparação dos trabalhos para a sala de aula. Essas reuniões se desdobravam em três partes: primeiro o “coletivão”; segundo, reunião por equipe de especialidade, com uma discussão mais pontual, quando tentávamos resolver nossas pendências, buscando a construção do trabalho interdisciplinar; por fim, num terceiro momento, retornávamos ao “coletivão” para socializar as discussões. Nas palavras de Fazenda (apud PIMENTA, 2000, p.248): “A troca com outros saberes e a saída do anonimato […] tem que ser cautelosa, exige paciência e espera, pois traveste-se da sabedoria, na limitação e provisoriedade da especialização adquirida”.

Quando as turmas foram formadas, precisávamos decidir quem ficaria com o Módulo I – alfabetização, qual equipe faria a recepção dos alunos para que o mesmo se sentisse acolhido e, nesse momento, ficou claro o desafio de todos em ficar com essas salas, porque uma coisa era construir o material, outra era colocá-lo em uso, além disso, trabalhar com a aprendizagem da leitura e da escrita era uma experiência que poucos tinham. Tínhamos que refazer nosso caminho; saíamos da condição de professores para sermos pesquisadores e teríamos que voltar a ser professor, não esquecendo que também teríamos que continuar pesquisando.

No dia 26 de julho de 2000, iniciamos o trabalho em nossa sede, com alunos para os módulos II, IIA e módulo III. O espaço era uma casa que estava sendo adaptada e a solução foi colocar juntos, alunos de Módulos I e II. Essa medida possibilitou trabalhar com a diversidade, tanto para os alunos, que poderiam trocar conhecimentos, quanto para os professores colocarem em prática a proposta pedagógica.

Quanto ao processo de matrícula e classificação do aluno, após a inscrição para se estudar no CEMES, marcava-se uma avaliação diagnóstica para o candidato. Essas avaliações eram analisadas a partir dos objetivos que a equipe tinha priorizado: quatro operações matemáticas, ler e construir um texto e, dependendo do grau de conhecimento, eram matriculados nos módulos adequados. Os candidatos não alfabetizados apenas escolhiam o horário e não eram submetidos à avaliação.

No momento da O.I., os alunos eram orientados sobre o trabalho que seria desenvolvido no CEMES; por exemplo, o trabalho coletivo, a possibilidade de frequentar as aulas em qualquer horário que pudesse, com qualquer professor.

No módulo I (inicial), conseguimos fazer um trabalho de alfabetização em cinquenta dias, o que foi possível porque o trabalho coletivo nos auxiliou a encontrar alternativas para ajudar nosso aluno pontualmente. As interferências nas dificuldades dos alunos não eram experimentais, eram frutos de um trabalho de observação, pesquisa, acompanhamento e de reflexão sobre a prática pedagógica à luz de muito estudo. O grupo de professores trabalhava coletivamente e, na sala de aula, o trabalho do aluno também era coletivo.

Os alunos não tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua significação profunda. Só apreendendo-a seriam capazes de saber, por isso, de memorizá-la, de fixá-la (FREIRE apud MACEDO, 2008, p. 52).

Em 2001, o Projeto CEMES passou por uma avaliação que gerou mudanças e a nova estruturação do trabalho se deu a partir da organização em quatro módulos, turmas (grupos classe) e seis períodos com duração de duas horas e quinze minutos cada. Em 2002 todos os módulos de ensino tornaram-se presenciais. Essa nova estrutura de trabalho acontecerá por áreas de conhecimento, a prática do planejamento passa a ser com atividades integradas, inclusive no que se refere ao mundo do trabalho.

O trabalho coletivo visa à integração curricular que favorece o princípio da interdisciplinaridade. O CEMES passa a ser CIEJA – Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos – e a preocupação com o processo educativo vai exigir das equipes, que agora estarão organizadas por área de conhecimento, a (re) discussão e (re) definição de objetivos, competências e habilidades necessários para cada etapa do processo ensino-aprendizagem (CIEJA BUTANTÃ – Projeto Pedagógico, 2010, p11).

O CIEJA Butantã tem se preocupado com as discussões coletivas em que a reflexão da prática e das práticas permite uma clareza permanente de todos os envolvidos sobre a importância de que seu saber e seu conhecimento constroem sua identidade, mas também a identidade do Projeto como um todo.

Segundo Nóvoa (apud MACÊDO, 2008, p. 73):

A formação não é construída simplesmente por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através da reflexão crítica sobre as práticas de (re) construção permanente de uma identidade pessoal. Ela ocorre num processo de relação com o saber e com o conhecimento que está na identidade pessoal.

E é por esse motivo que a discussão coletiva dos trabalhos desenvolvidos no CIEJA Butantã, exige de todos os educadores uma reflexão e retomada do processo e de seu próprio processo.

Pensando nisso, todos os anos, propomos a avaliação da Unidade Escolar para, a partir dela, revisitar questões positivas e negativas de nossos trabalhos, para nos aperfeiçoarmos ou mudarmos no que se fizer necessário.

Esse movimento de avaliação permite-nos repensar nossos trabalhos e nossas participações, pois em se pensando na necessidade de nossa formação e, portanto, de um trabalho mais bem desenvolvido, compreendemos que os pontos levantados nos fazem querer que nossas práticas sejam aprimoradas, pois o grupo de educadores do CIEJA Butantã há muito tem como entendimento que:

É preciso reconhecer que a escola, enquanto instituição social cumpra uma função específica que é a socialização do saber historicamente acumulado. Dessa maneira, instrumentaliza alunos para participarem da transformação necessária da sociedade, mas o acesso a esses conhecimentos não é automático, necessita da mediação do professor, o que exige que, em sua formação, o professor tenha adquirido uma consciência da realidade e uma fundamentação teórica que lhe permitam interferir na realidade em que irá atuar […] (MACÊDO, 2009, p.58).

Partindo do conhecimento de que somos mediadores nas aprendizagens de nossos alunos e de que estamos em constante formação de nossa prática precisamos, ainda, ter maior conhecimento dos alunos jovens e dos alunos com necessidades especiais.

Conforme Nóvoa (1992), mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimento, a formação de professores é o momento principal da socialização e da construção profissional. Essa formação, no entanto, tem ignorado o desenvolvimento pessoal confundindo “formar” e “formar-se” e não valorizando a articulação entre a formação e os projetos das escolas. (apud MACÊDO, 2008, p. 73) .

Nesse processo, aprendemos a trocar ideias o que não era comum na escola anterior onde cada um fazia o seu trabalho isoladamente e não havia participação. Aí estava nossa maior dificuldade. “O fazer da aula não se restringe à sala de aula, está além de seus limites, no envolvimento de professores e alunos com a aventura do conhecimento, do relacionamento com a realidade”. (RIOS, 2001, p. 27).

Nas palavras de Fazenda (apud PIMENTA, 2000, p.248): “A troca com outros saberes e a saída do anonimato […] tem que ser cautelosa, exige paciência e espera, pois se traveste da sabedoria, na limitação e provisoriedade da especialização adquirida”.

Voltando a nossa pergunta inicial: Como pensar um processo de formação de educadores de EJA cujos referenciais teórico-metodológicos ajudem na compreensão e transformação da realidade, estimulando a criação de novos conhecimentos que possam ressignificar valores e práticas sociais? Buscamos a Economia Solidária para subsidiar nossa teoria enquanto ato pedagógico (SINGER 2004) que precisa ser praticado para se construir aprendizagem.

Por esta razão, no próximo capítulo, traremos a discussão de Singer e Freire para nos auxiliar na compreensão da construção do trabalho coletivo dos professores e na reeducação necessária para a efetivação do trabalho docente seja na formação formal (acadêmica) ou na formação em serviço.

CAPITULO III – A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O TRABALHO COLETIVO PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Segundo Singer (2005) a Economia Solidária pode ser entendida como um modo de produção pensado para superar o capitalismo. A principal característica do capitalismo é a concentração da propriedade dos meios sociais de produção nas mãos de poucos. Já na Economia Solidária a propriedade dos meios de produção está nas mãos de trabalhadores que possuem seus próprios meios de produção.

No capitalismo a concentração do capital forma uma classe de pessoas que não possuem seus próprios meios de produção e, que se sustentam vendendo sua força de trabalho aos capitalistas. No capitalismo o trabalho feito pelos assalariados gera lucro aos donos do capital e, existe uma competição que origina a desigualdade social e que se reflete também no ambiente de trabalho dos indivíduos.

Já na Economia Solidária não há a classe proprietária. Sua principal característica é propriedade coletiva dos meios sociais de produção. Segundo Singer (2005) todos os trabalhadores são donos por igual e detêm os mesmos direitos de decisão. Não há lugar para competição, mas sim de um comportamento social pautado pela solidariedade.

Porém, o capitalismo “ensinou” aos indivíduos que deveriam reservar a solidariedade aos relacionamentos pessoais e, muitas vezes, quando a pessoa passa para o empreendimento solidário, entra em conflito, pois nem todos os indivíduos conseguem entendê-lo e se perceber dentro desse outro modelo de produção, coletivo.

Conforme Singer (2005, p. 16):

“Fica claro que a prática da Economia Solidária exige que as pessoas que foram formadas no capitalismo sejam reeducadas. Essa reeducação tem de ser coletiva, pois ela deve ser de todos os que efetuam em conjunto a transição, do modo competitivo ao cooperativo de produção e distribuição. Se apenas um individuo adotar comportamento cooperativo em uma sociedade em que predomina a competição, ele será esmagado economicamente e vice-versa: se apenas um se comportar competitivamente onde predomina a Economia Solidária, ele será visto como egoísta e desleal pelos demais, que o excluirão do seu meio”.

Dessa maneira, podemos perceber que para a Economia Solidária existir, se faz necessário um trabalho de reeducação coletiva. E esse trabalho de reeducação coletiva, para Singer (2005, p. 16) […] representa um desafio pedagógico […] e o verdadeiro aprendizado dar-se-á com a prática, pois o comportamento econômico solidário só existe quando é recíproco. […]

Conforme Singer (2005) as pessoas que se formam num ambiente onde a Economia Solidária está presente, tendem a vivenciar atitudes e comportamentos coletivos onde a união faz a força. Aprendem desde cedo que a desigualdade não é bom e que precisa ser eliminada ou substituída por atitudes de solidariedade.

Percebemos com isso que a escola de jovens e adultos deve permitir que as aprendizagens ocorram num ambiente onde todos possam se perceber como aprendizes, pois as aprendizagens acontecem nas relações que são estabelecidas entre professor e aluno. A troca de conhecimentos e experiências permitira a produção de auto aprendizado mútuo (SINGER, 2005).

Paulo Freire (1996), em Pedagogia da Autonomia, traz à baila itens que considera importante para a prática docente: “não há docência sem discência” (p.23), pois “quem forma se forma e reforma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (p.25). Deixando claro que o ensino não depende exclusivamente do professor, assim como o aprendizado não é de exclusividade do aluno. Justificando assim o pensamento de que o professor não é superior, melhor ou mais inteligente, porque domina a teoria que o aluno ainda não domina. O professor é sim como o aluno, sujeito do mesmo processo da construção da aprendizagem.

Por isso é necessário um rigor metódico e intelectual que o educador precisa desenvolver nele mesmo, enquanto pesquisador, curioso, que busca o saber e o apreende de uma maneira critica e assim pode orientar seus alunos a seguirem essa linha metodológica de estudar e compreender o mundo podendo inclusive relacionar os conhecimentos aprendidos com a realidade de suas vidas, em seu meio social.

Para Freire (1996) o pesquisar, o buscar e compreender criticamente só acontecerá se o professor souber pensar. E saber pensar é duvidar de suas certezas e questionar suas verdades. Se o professor souber fazer isso, com certeza encontrará facilidade de desenvolver em seus alunos o mesmo espirito.

Ainda segundo Freire (1996) é necessário que os professores reflitam sobre seus fazeres pedagógicos, modificando, inclusive, aquilo que acharem preciso para que seus trabalhos sejam aperfeiçoados não de maneira ingênua e sim com esperança e possibilidades de mudar aquilo que em suas visões, necessitam mudar.

Educar é construir, é libertar o ser humano do determinismo, reconhecendo que a história é um tempo de possibilidades. É “ato comunicante, co-participativo”, e, de maneira alguma, produto de uma mente “burocratizada”. No entanto é preciso perceber que toda curiosidade de saber exige uma reflexão crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser aliado à sua aplicação prática.

O professor deve estar aberto aos questionamentos e dificuldades dos alunos, pois para ensinar é ter consciência da importância e da beleza desta tarefa, da importância de se fazer a diferença num sistema socioeconômico com certezas às vezes tão opressoras e cruéis aqueles que não dispõem de meios financeiros para obter cultura e informação.

PRÁTICA PEDAGÓGICA

CONCLUSÃO

Nosso caminho percorrido permitiu abordar questões, colocadas e buscadas no inicio de nossa pesquisa. Um percurso baseado nas memórias do passado de nossa constituição de professora e do encontro do nosso olhar como olhar de outros professores.

O roteiro construído através dos capítulos mostra um pouco do percurso feito. Assim, este trabalho tentou mostrar a exploração do universo docente em relação a sua formação, principalmente sua formação em serviço. Um dos pré-requisitos foi discutir a formação do professor para a EJA e a necessidade da formação no coletivo. Perceber também a relação do coletivo e a aprendizagem dos professores.

O entendimento que construímos ao longo das leituras, questionamentos e pensamentos interrogativos, para dar sentido às palavras formação e coletivo, foi o de diferenciá-las na construção do nosso texto.

Compreender e situar os conceitos tomados neste trabalho sobre formação e coletivo a partir de nossa prática, pressupõe tomarmos as aprendizagens docentes como teorias e conceitos educacionais capazes de explicar as questões sobre formação e coletivo. Conforme Freire (1996, p. 76): “Como professor preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu próprio desempenho”

Para a compreensão de como o professor aprende e trabalha com o coletivo, se faz necessário entender em que contexto ele aprendeu ou como sua formação se deu. Isso significa que o modelo de ensino e, consequentemente, o modelo de professor assumido pelo sistema educativo e pela sociedade tem de estar presente, impregnando as atividades de formação de professores em todos os níveis. (Garcia, 2001).

Ser professor é acima de tudo escolher uma tarefa-ensinar o que se sabe – e preparar-se para tal. O professor que não vivenciou uma verdadeira apropriação do saber não poderá acompanhar o aluno no caminho da construção do conhecimento, já que não pôde percorrer.

Enquanto professor é necessário ter clareza de onde se quer chegar, do que o aluno precisa saber, para que isso se transforme no “como fazer”.

Encerramos esta pesquisa com as palavras de Arroyo por nos parecer dizerem tão bem o que procuramos dizer em nossa trajetória de pesquisa sobre: A importância do trabalho coletivo na formação de professores de educação de jovens e adultos: “O ofício de mestre, de pedagogo vai encontrando seu lugar social na constatação de que somente aprendemos a ser humano em uma trama complexa de relacionamentos com outros seres humanos”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRÉ, M.E.D.A.; MINDAL, Clara. Estado da arte da formação de professores. UFSE, USP e UFSC. In: V Seminário de pesquisa em Educação da Região Sul, 2004, Curitiba.
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
FERREIRO, Emília. Psicogênese da língua escrita. Trad. de Diana Myriam Lchtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
______. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzáles (et al). 24 ed. São Paulo: Cortez, 1995. (Coleção Questões da Nossa Época; v.14).
FREIRE, Madalena. O que é um grupo: In. Grupo, individuo, saber e parceria: malhas do conhecimento. São Paulo, séries seminários, 1997.
FREIRE,Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura)
GARCIA, Carlos Marcelo. A formação de professores: centro de atenção e pedra-de-toque, 1992 p. 55. In Nóvoa, A (Org.). Os professores e a sua formação. 2 ed. Lisboa, Dom Quixote, 1992.
LUDKE, Menga. ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, SP: EPU, 1986.
MACÊDO, Nilza Isaac de. A transformação do professor alfabetizador em seu processo de aprendizagem. Dissertação de Mestrado. UNIFIEO, 2008.
PIMENTA, Selma Garrido. (org.) Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo, Cortez, 2000.
RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SINGER, Paul. A economia solidária como ato pedagógico. In Sonia M. Portella Kruppa (Org.). Economia solidária e educação de jovens e adultos. Brasilia; INEP, 2005.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

  1. [1]Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). O Artigo 26 dessa declaração falado Direito à Educação: “Todo individuo tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos no que se refere ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório”.
  2. [2]ANDRÉ, M.E.D.A.; MINDAL Clara. Estado da arte da formação de professores. UFSE, USP e UFSC. In: V Seminário de pesquisa em Educação da Região Sul, 2004, Curitiba.
  3. [3]Retorno de estágio eram as aulas em que os alunos do CEFAM-Butantã traziam à tona as questões que mais os incomodavam no estágio. Era o momento também de planejamento e pesquisa