Autor: Flávio Ventura
Orientadora: Marineide Lago Salvador dos Santos
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO
- CAPÍTULO I – PRÁTICAS E PROPOSTAS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
1.1. UMA EDUCAÇÃO POPULAR DE JOVENS E ADULTOS
1.2. PAARADIGMAS DA EJA - CAPÍTULO II – POR UMA ECONOMIA HUMANITÁRIA
2.1. DEMOCRATIZANDO A ECONOMIA
2.2. CONTRADIÇÕES DO SISTEMA HEGEMÔNICO
2.3. AÇÕES PARA COMBATER A POBREZA
2.4. ELIMINAÇÃO DA POBREZA OU DOS POBRES? - CAPÍTULO III – A CONDIÇÃO HUMANA
3.1. OPRIMIDOS E OPERÁRIOS EM TEMPOS MODERNOS
3.2. TRABALHADORES SEM ALGEMAS
3.3. DIGNIDADE E CARÁTER HUMANO
3.4. RELAÇÕES DE APREÇO OU PREÇO - CAPÍTULO IV – A LÓGICA PARA A TRANSFORMAÇÃO
4.1. VALORIZANDO O SER HUMANO
4.2. RECONCILIAÇÃO ENTRE TRABALHO E MEIOS DE PRODUÇÃO
4.3. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS SOCIAIS E ECONÔMICOS - CONSIDERAÇÕES FINAIS
- PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Com o curso em educação de jovens e adultos e economia solidária foi pensar em uma sociedade mais humanizada e solidária, numa época caracterizada exatamente pelo desemprego, pela desumanização dos mercados e pela exclusão social. Esta monografia mostra que, mesmo em um mundo cada vez mais globalizado, há saídas e alternativas à lógica perversa que rege o trabalho no capitalismo. Pois, há várias experiências bem-sucedidas, que revelam, na prática, ser realmente possível outra economia, baseada na solidariedade e na generosidade humana.
A monografia: Por uma economia solidária na educação de jovens e adultos. A lógica da transformação é uma análise da situação social e econômica, da miséria e da pobreza, da exploração e do desemprego ocasionadas pelo sistema mundial moderno sob a égide do capitalismo neoliberal. Desse modo, nossa pesquisa apresentará subsídios aos Professores e Professoras da Educação de Jovens e Adultos – EJA no sentido de transformar a realidade de nossos alunos e alunas do Município de Santo André, Estado de São Paulo. Tanto em âmbito local quanto global há alternativas para combater o aumento da pobreza, e com isso também mobilizar a sociedade no espaço e no tempo na busca de uma lógica que possa transformar esse modelo econômico ortodoxo vigente.
A economia solidária vem apresentando indicadores positivos e melhoras significativas no combate à pobreza e os esforços da comunidade possibilitam expressivas compensações. Superar a miséria e o desemprego por meio da economia solidária entre os alunos e alunas da EJA, é ao mesmo tempo conceder autonomia a essa população. O desenvolvimento local integrado e sustentável com apoio de políticas públicas, econômicas e debates ao redor do tema com diversas organizações sociais são subsídios que contribuem potencialmente e ativamente com o movimento popular democraticamente. A população organizada numa economia popular autônoma, gerenciando cooperativas de consumo, de crédito e de produção de artefatos diversos é o que consideramos indispensável como alternativa ao modelo neoliberal capitalista.
Essa monografia recorreu à bibliografia, a dados recenseados e trabalhos desenvolvidos ao longo do ano de 2011 com os alunos e alunas da EJA, Pólo de Santo André. Isso foi imprescindível para que questões suscitadas em torno desses dois modelos de ação distintas: a economia solidária como proposta de intervenção na realidade e na sociedade local economicamente desfavorecida; e o outro modelo hegemônico direcionado ao livre mercado e ao grande capital.
De um lado, os programas convencionais de apoio ao empreendedorismo de pequeno porte, direcionados ao desenvolvimento de competências individuais, no contexto de pequenos negócios, organização solidária e respeito ao ser-humano. Do outro, os proletariados desempregados, a política econômica resultante desse sistema como um processo de expropriação do trabalhador. Isso nos faz lembrar uma canção popular do século XVIII, na Inglaterra, que exemplifica bem essa situação: “As leis prendem o ladrão / Que rouba um ganso aos comuns / Mas deixam solto o outro / Que rouba a terra do ganso.” (Apud. HUBERMAN, Léo. 1986, p. 164).
É importante fundamentar a expectativa de geração de trabalho, emprego, renda e valor/salário nos cidadãos e cidadãs como alternativas inovadoras e eficazes de criação de postos de trabalho. Portanto, a análise das evidências empíricas resultantes de leituras realizadas no curso de economia solidária é relevante Ao avaliar aqueles indicadores relacionados à redução das desigualdades, o balanço dos benefícios trazidos pelos empreendimentos solidários, bem como de suas dificuldades e limites, no sentido de melhorar e equiparar as condições de vida dos seus integrantes, salário e remuneração pelo trabalho.
A crise do mercado de trabalho apresenta um quadro de complexo enfrentamento e desafios que podem ser amenizados pela organização social e cooperação entre os trabalhadores e trabalhadoras ao redor de uma economia solidária justa, fraterna e democrática que possa contribuir na construção de uma nova ordem econômica mundial. Desse modo, a pesquisa servirá como parâmetro que pode contribuir e atribuir esperanças aos seres humanos ao integrá-los socialmente num mundo onde as relações sociais sejam humanizadas e solidárias dentro de uma utopia possível, isto é, a Economia Solidária.
No primeiro capítulo Práticas e Propostas para a Educação de Jovens e Adultos, iremos abordar as perspectivas da Educação no país e as respostas para a transformação social dos educandos no espaço e no tempo. Em seguida, Por uma economia humanitária tem como objetivo fornecer alternativas para a melhor distrituição da riqueza por meio de uma economia solidária que valorize as relações sociais, o ser humano e não o capital. Uma economia que tem como base o apreço, isto é, a consideração pelo outro. O terceiro capítulo A condição humana a abordagem teórico-metodológica parte da construção e compreensão dos sujeitos históricos, da sociedade que está intimamente ligada à realidade econômica desses autores e atores sociais. Por último A lógica da transformação na região do Jardim Santo André, município de Santo André, Estado de São Paulo faz-se necessário, pois a produção, o consumo e a distribuição da riqueza devem ter como finalidade a valorização do ser humano. O trabalho visto como arte, liberdade e criação do artífice que, inserido no processo democrático e social da economia, cria suas alternativas para enfrentar as barreiras e obstáculos à alienação da relação capital/trabalho. A construção de um universo justo, fraterno, sustentável e democrático é possível nesse local. Essas conquistas são fundamentais para a emancipação histórica dos nossos alunos e alunas da EJA.
I CAPÍTULO – PRÁTICAS E PROPOSTAS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
1.1. Uma Educação Popular de Jovens e Adultos
Em nosso país a Educação de Jovens e Adultos vem passando por um processo de desenvolviento que pode ser percebida pelas experiências vividas em sala de aula e que são relfexox da cultura heterogênea da EJA. Para o Educador Paulo Freire:
O conceito de Educação de Adultos vai se movendo na direção do de Educação Popular na medida em que a realidade comoça a fazer algumas exigências à sensibilidade e à conpetência científica dos educadores e das educadoras. Uma destas exigências tem que ver com a compreensão crítica dos educadores do que vem ocorrendo na cotidianidade do meio popular. Não é possível a educadoras e educadores pensar apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos poulares. Os próprios conteúdos a serem ensinados não podem ser totalmente estranhos àquela cotidianidade. O que acontrece, no meio popular, nas periferias das cidades, nos campos – trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se para rezar ou para discutir seus direitos -, nada pode escapar à curiosidade arguta dos educadores envolvidos na prática da Eduação Popular (FREIRE, Paulo. “Educação de adultos: algumas reflexões”. IN: GADOTTI, Moacir. Romão. José E. Educação de Jovens e Adultos. Teoria, prática e proposta. São Paulo: Editora cortez; 2011, pp. 21-22).
Desse modo, é mais abrangente e diversa a Educação de Jovens e Adultos pois, as propostas pedagógicas, seus objetivos e métodos são apenas uma parte do trabalho a ser desenvolvida com esses alunos e alunas da EJA.
Sendo assim, é também agir em público, militar e refletir sobre a realidade do espaço local e, claro, global. A prática educativa se torna política, pois, não pode ser diminuída modelos estatizantes, estruturais e inflexíveis. Não basta apenas o conteúdo, mas sim a conscientização do ser humano como cidadão do mundo.
É nesse sentido que deve ser proposta uma educação de Jovens e Adultos, isto é,
De corte progressista, democrático, superando o que chamei, na Pedagogia do opromido, “educação bancária”, tenta o esforço necessário de ter no educando um sujeito cognoscente, que, por isso mesmo, se assume como um sujeito em busca de, e não como a pura incidência da ação do educador.
Dessa forma são tão importantes para a formação dos grupos populares certos conteúdos que o educador lhes deve ensinar, quanto a análise que eles façam de sua realidade concreta. E, ao fazê-lo, devem ir, com a indispensável ajuda do educador, superando o seu saber anterior, de pura experiência feito,por um saber mais crítico, menos ingênuo. O senso comum só se supera a aprtir dele e não com o desprezo arrogante dos elitistas por ele (Idem Ibidem).
Uma EJA que valorize a leitura crítica do mundo, mesmo que não a compreendem pela escrita, mas pelo conhecimento oral, primeiramente, e depois, pela leitura e escrita. Dessa forma, não há como se posicionar neutramente, pois, isso implica em disputar espaços com o modelo tradicional imposta pelo mercado econômico.
Essa metodologia de trabalho facilita a compreensão do mundo e facilita a atuação desses educandos em sociedade. Repeitando seus hábitos, costumes e tradições pode se chegar facilmente aos conhecimentos posteriores, isso é, científicos. Superar o senso comum e atuar criticamente é o propósito de toda Educação Popular de Jovens e Adultos.
Sendo assim:
É preciso brigar contra certos discursos pós-modernistas reacioonários, com ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da Utopia.
É possível vida sem sonho, mas não existência humana e História sem sonho.
A dimensão global da Educação Popular contribui para que a compreensão geral do ser humano em torno de si como ser social seja menos monolítica e mais pluralista, seja menos unidirecionada e mais aberta à discussão democrática de pressuposições básicas da existência (Ibidem).
1.2. Paradigmas da Eja
Alguns paradigmas devem ser mencionados aqui, ou seja, teorias. Metodologias, tendências e investigações são pressupostos indispensáveis para uma EJA popular no espaço e o tempo.
A Educação popular está na contramão do Estado, pois esse último por várias vezes se omitiu em seu papel de “civilizador”. Para Moacir Gadotti “a educação não formal está principalmente vinculada a organizações não governamentais, partidos políticos, igrejas etc., geralmente organizadas onde o Estado se omitiu e muitas vezes organizadas em oposição à educação de adultos oficial” (GADOTTI: 2011, p. 36).
É importante ressaltar que a educação popular defendida aqui é um modelo que deve levar em consideração a sua metodologia de trabalho, ou seja, uma proposta de mudança do currículo da EJA, pois, devemos partir dos conhecimentos sócio-culturais e da vivência desses jovens e adultos para, depois, sem alabetizá-los por meio do letramento e da escrita.
Incorporando as teorias científicas aos saberes populares, e distinguindo as conforme proposto por Carlos Rodrigues Brandão, o Currículo da Eja poderia ser alterado dessa maneira:
1º educação de classe, entendida como os processos não formais de reprodução dos diferentes modos de saber das classes populares;
2º educação popular como processo sistemático de participação na formação, fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos populares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico, ou seja, so saber da comunidade ao saber da classe na comunidade; e
3º educação do sistema (oficial), isto é, os programas de capacitação de pessoas e grupos populares, sob o controle externo, visando produzir a passagem do modos populares de saber tradicional para modelos de saber modernizado, segundo os valores dos polos dominantes da sociedade (GADOTTI, Moacir. Educação de Jovens e adultos: correntes e tendências. IN: GADOTTI, Moacir. ROMÃO, José E. Educação de Jovens e Adultos. Teoria, prática e proposta. São Paulo: Editora Cortez; 2011, p. 37).
O modelo atua da EJA conduz, direta ou indiretamente, ao modelo do dominador. É a reprodução da economia hegemônica que ensina o ser para atuar no mercado como mão de obra barata, atuando no mercado informal, não ensina para a vida.
É nesse contexto que a educação imposta pelo Estado capitalista atua. Ao financiar a educação por meio de paradigmas capitalistas, o Estado marca a ferro quente seus cidadãos e cidadãs ao massificar suas consciências. Destarte,
Um programa de educação de adultos, por essa razão, não pode ser avaliado apenas pelo seu rigor metodológico, mas pelo impacto gerado na qualidade de vida da população atingida. A educação de adultos está condicionada às possibilidades de uma transformação real das condições de vida do aluno-trabalhador (Idem ibidem, p. 39).
Se não foram consideradas relevantes para o sistema educacional de ensino oficial as metodologias educacionais que dão relevância à educação popular, estará condenada ao fracaso toda política educacional imposta pelos orgãos oficiais.
II – CAPÍTULO – POR UMA ECONOMIA HUMANITÁRIA
2.1. DEMOCRATIZANDO A ECONOMIA
É uma contribuição para a Educação de Jovens e Adultos, pois tem como objetivo a distrituição da riqueza por meio de uma economia solidária que busca valorizar o ser humano e não o capital. Uma economia que tem como base o apreço, isto é, a consideração pelo outro. Voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Preconiza o entendimento do trabalho como um meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista. Com uma variedade multicultural e social envolvemos as dimensões econômicas, políticas e ecológicas. Ao projetarmos a economia solidária no espaço público construímos um local social justo e fraterno, que tem por princípio a emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras, educandos e educandas da EJA como sujeitos históricos plenos de direitos.
Foi a partir da primeira revolução industrial com a expropriaçção dos artesãos dos seus meios de produção e com o advento da máquina à vapor que surgiram as primeiras Uniões de Ofícios, reconhecidas como Trade Unions. Com características cooperativistas de consumo, os Equitativos de Rochdale (1844), esse modo de cooperativsmo de consumo se consolidou. Porém, essas práticas de cooperativismo, respeitadas as características sócioculturais de cada sociedade, já existiam antes da Revolução Industrial. São agregações humanas que coexistiam e ainda persistem no espaço e no tempo. Portanto, as especificidades de economia solidária podem ser encontradas na América pré-colombiana, nos povos africanos e asiáticos, assim como entre os europeus.
Para Paul Singer (2002, p. 138) e Euclides Mance (1999, p. 178), a economia solidária é uma forma de se combater as desigualdades sociais e econômicas. Para os autores, a economia solidária é uma estratégia. Pois, “Ela aproveita a mudança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organzação da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista.” Nesse viés, a economia solidária está em constante conflito com a economia de livre mercado do mundo capitalista. Assim, “a economia solidária permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um novo emprego, a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria, individual ou coletivamente” (SINGER, Op. Cit). Desse modo, podemos oferecer os subsídios que agregam conceitos e noções em economia solidária e a colaboração entre os trabalhadores e trabalhadoras com o intuito de garantir o bem-estar social de todas as pessoas.
Destarte, comungamos com Mance ao compartilharmos um vínculo recíproco entre os seres humanos, que advém de conceitos morais e responsáveis “pelo bem-viver de todos e de cada um em particular, buscando ampliar-se o máximo possível o exercício concreto da liberdade pessoal e pública, introduzimos no cerne desta definição o exercício humano da liberdade” (MANCE, Op. Cit).
Pois, orientado do ponto de vista sociológico, ou seja, a economia solidária pode contribuir com o desevolvimento local e plural ao relacionar as atividades econômicas de maneira solidária, integrar o ser-humano à sociedade e valorizá-lo por meio da sua relação com o trabalho. Portanto, é de utilidade pública, pois, resgata o caráter e a dignidade da pessoa humana ao servir aos Educandos Jovens e Adultos subsídios para a realização de empreendimentos e geração de serviços diversos. Com o objetivo de inserir, principalmente as pessoas mais carentes social e economicamente, no espaço e no tempo, por meio de uma economia solidária fundamentada nas relações e práticas sociais.
Assim, a alternativa ao modelo econômico hegemônico visa à produção da vida material e social desses sujeitos históricos. O movimento de economia solidária tem crescido de maneira muito rápida, não apenas na Europa e no Brasil mas também em diversos outros países. O seu crescimento no contexto brasileiro se deve a fatores variados, dentre os quais vale destacar a resistência de trabalhadoras e trabalhadores à crescente exclusão, desemprego urbano e desocupação rural resultantes da expansão agressiva dos efeitos negativos da globalização da produção capitalista. Tal resistência se manifesta primeiramente como luta pela sobrevivência, na conformação de um mercado informal crescente, onde brotam iniciativas de economia popular tais como a atuação de camelôs, flanelinhas, vendedores ambulantes, entre outros, que normalmente é de caráter individual ou familiar. Com a articulação de diversos atores, essa resistência também se manifesta na forma de iniciativas associativas e solidárias voltadas também à reprodução da vida, mas que vão, além disso, apontando para alternativas estruturais de organização da economia, baseada em valores como a ética, a eqüidade e a solidariedade e não mais no lucro e acúmulo indiscriminado.
Desse modo, podemos observar no Brasil, durante a última década, a crescente organização da economia solidária enquanto um movimento que ultrapassa a dimensão de iniciativas isoladas e fragmentadas no que diz respeito à sua inserção nas cadeias produtivas e nas articulações do seu entorno, e orientando-se para a articulação nacional, a configuração de redes locais e o estabelecimento de uma plataforma comum. Essa tendência dá um salto considerável a partir das várias edições do Fórum Social Mundial, um espaço privilegiado onde diferentes atores, entidades, iniciativas e empreendimentos puderam construir uma integração que resultou numa demanda ao então recém-eleito presidente Luis Inácio Lula da Silva (2002), pela criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Simultaneamente à criação desta Secretaria, foi criado, na III Plenária Nacional de Economia Solidária, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Destarte, consideramos relevante esta pesquisa que servirá como um instrumento na criação e no fortalecimento, tanto em economia rural quanto urbana, e que vem consolidar a recente ampliação e estruturação desse movimento.
2.2. CONTRADIÇÕES DO SISTEMA HEGEMÔNICO
O crescimento insustentável socialmente e humanamente do modelo econômico hegemônico resultou num aumento considerável da pobreza e, consequentemente, contribuiu indiretamente com alternativas econômicas para combatê-lo. Esse é o nosso objetivo dada a dimensão estrutural e multidimensional da miséria, da pobreza e desigualdade sócio-econômica do Brasil, apesar de termos conseguido diminuir essa desigualdade na última década (2000-2010), ainda são necessárias várias ações que possam erradicar a pobreza e a fome em nosso país. Há muitas ações nesse sentido, porém são insuficientes por serem isoladas e autônomas. Buscamos, portanto, ações que superem essa triste realidade com o desenvolvimento integrado e sustentável por meio da economia solidária. Integrando socialmente o Ser – Humano e valorizando políticas e projetos com apoio dos poderes públicos e civis. Nesse viés, são relevantes atividades locais e potenciais incentivos à auto-estima dessas populações carentes e podemos atingir nossa finalidade com métodos de articulação e ação multidimensionais no espaço e no tempo.
Nossas ações devem explorar as contradições do sistema econômico hegemônico e apresentar as várias tendências e as várias soluções para erradicar a pobreza, a miséria e a desigualdade social entre os seres humanos. Por outro lado, devemos explorar os valores humanos característicos da economia solidária. Também a responsabilidade compartilhada da economia solidária e o pluralismo cultural são meios naturais e harmônicos fundamentais para a superação das crises econômicas e sociais. Com isso, despertaremos a esperança nos nossos alunos e alunas da EJA de que é possível a construção, aqui na terra, de um mundo melhor para todos com remuneração digna e bons salários pelos trabalhos realizados.
Devemos levar em consideração que a configuração e reconfiguração dos modos de produção ao longo da história até a contemporaneidade é fundamental para a compreensão da realidade do trabalho local e global. Na contemporaneidade é relevante problematizarmos, contextualizarmos e analisarmos cientificamente as relações entre os salários e suas remunerações por meio do trabalho. Aqui defendemos a economia solidária como um modo diferenciado de organização social, comunitária e democrática que integra o ser humano à sociedade no espaço e no tempo. Nesse viés, ocorre a valorização das culturas locais que contribuem para a diminuição das desigualdades sociais, resgate da cidadania e do protagonismo comunitário. Também a reflexão acerca das inúmeras configurações do trabalho na contemporaneidade é fundamental para a compreensão de nossa sociedade.
Dessa forma, a economia solidária está inserida no sistema econômico dominante, ao mesmo tempo em que questiona seus pressupostos e práticas. E a integração do ser-humano junto à sociedade, sua remuneração pelo trabalho prestado e valorização da geração de emprego e renda é possível por meio da Economia Solidária local implantada na Educação de Jovens e Adultos. Defendemos aqui a tese já sustentada por Karl Marx, em seu livro Para a crítica da economia política. Salário, preço e lucro: o rendimento e suas fontes, publicado no Brasil em 1982. Neste livro o autor defendeu as idéias de que as barreiras impostas pelo capitalismo neoliberal, expropriando os trabalhadores dos meios da produção e do capital, e só restando-lhes uma mercadoria, suas forças de trabalho que vendida a um preço baixo no mercado de trabalho, pois, ao expropriá-los de suas terras e outros bens criou-se um exército de reserva de pobres, miseráveis e desempregados que serviam, e servem, ao modelo capitalista ao pressionar os salários para baixo. Desse modo, Marx entrou nos domínios da investigação econômica. Seguindo o fio e os rastros deixados por esse pensador alemão, é relevante compactuarmos aqui que a evolução do pensamento econômico é inseparável do materialismo histórico. Assim como inseparável é da colaboração com Engels.
Foi Friedrich Engels que em seu livro A situação da classe operária na Inglaterra (1845) desvendou as lógicas do sistema capitalista e as consequências da Revolução Industrial. Engels designou esse modelo econômico “de exército de reserva de desempregados” (Apud, Jacob Gorender, 1982, p. VIII). Em seus Manuscritos econômicos e filosóficos (1844) Karl Marx rompe com o idealismo de Hegel sem rejeitar a dialética da negação enquanto princípio que gera e move a história. Sua adesão ao materialismo histórico foi influenciado pelo humanismo de Feuerbach. Recusa a teoria do valor-trabalho sugerida por Adam Smith e David Ricardo, pois, para Marx era inadequada servir-se desta base como fundamento científico e econômico-político. “Em seu lugar, o princípio explicativo original é o da dominação da propriedade privada, a partir da qual se enfoca a subjugação do proletariado como um processo de alienação” (Idem Ibidem, pp. VIII-IX). Esse conceito de alienação em Feuerbach, por exemplo, recebeu a significação de “apropriação da essência genérica do homem pela religião” (Ibidem). Foi Karl Marx quem deu o passo seguinte:
Ao trazer a alienação do céu para a terra. A alienação torna-se o processo por meio do qual a criação da riqueza pelos operários é deles expropriada e convertida em capital, ou seja, em instrumento da continuada subjugação daqueles que o criaram, nele exteriorizando sua essência humana. Assim, uma vez afastada a teoria do valor-trabalho, o que Marx apresentou em seu lugar foi uma teoria da expropriação e não da exploração da classe operária (GORENDER, Jacob. Da alienação ao valor trabalho. In: MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Salário, preço e lucro: o rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. IX).
2.3. AÇÕES PARA COMBATER A POBREZA
Em contrapartida a essa alienação do capital em relação à teoria do valor-trabalho, a economia solidária é um conjunto de organizações que produzem juntas, democraticamente e coletivamente, remunerando e integrando o ser humano em relação ao capital. São esses empreendimentos, que por meio do trabalho coletivo e motivado pelos proletários que os compõem, ameaçam ao status quo imposto pelo modelo fordista competitivo das fábricas. Em oposição à crescente divisão e alienação do trabalho das linhas de produção neoliberal, a economia solidária é uma das alternativas defendidas por Luiz I. Gaiger em seus trabalhos e pesquisas, tais como: Sobrevivência e utopia. Os projetos alternativos comunitários no Estado do Rio Grande do Sul, publicado em 1994; Movimentos Sociais e Cultura publicado pelos Cadernos CEDOPE, nas Série Movimentos Sociais e Cultura; Também é do mesmo autor As micro-experiências populares: novas malhas de um tecido social; No ano de 1995 Subordinação ou cidadania? Os dilemas da mudança cultural nos projetos alternativos comunitários; entre outros A Solidariedade como alternativa econômica para os pobres (1998); As organizações do terceiro setor e a economia popular solidária (2001); E A economia solidária no Brasil e o sentido das novas formas de produção não- capitalistas, lançado em 2004.
Para Paul Singer, a definição da economia solidária está ligada à relação entre o trabalhador e os meios de produção, sendo que “a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. (…) A empresa solidária é basicamente de trabalhadores” (2002, p. 4). Esses trabalhadores, segundo Singer são seus proprietários secundários, pois, “sua finalidade básica não é maximizar lucro mas a quantidade e a qualidade do trabalho” (Ibidem). Assim, o que propomos nesse capítulo é uma reconciliação dos educandos da Educação de Jovens e Adultos por meio da reintegração do ser humano através de uma economia solidária.
Nesse viés, Gaiger defende a ideia de que o sucesso desse empreendimento é garantido pelos proletariados, já que o empenho e aprimoramento nesse processo produtivo elimina os desperdícios, tempos ociosos, a má qualidade dos produtos e serviços além de inibir o absenteísmo e a negligência. Assim, o desenvolvimento local é relevante para a realização do modelo proposto em economia solidária. Com o rendimento do salário, o trabalhador bem remunerado buscará desenvolver economicamente e socialmente o espaço no qual está inserido. Para Cattani, esse processo “mobiliza pessoas e instituições buscando a transformação da economia e da sociedade locais, criando oportunidades de trabalho e renda, superando dificuldades para favorecer a melhoria das condições de vida da população local” (CATANI, 2003, p. 72).
São quatro características, segundo Gaiger, intrínsecas ao modelo capitalista de produção. Tais como: mercadoria com a finalidade de comercialização apenas; expropriação dos meios de produção; o valor-trabalho e seus rendimentos são transformados em mercadoria; lucro ao empresário burguês que detêm os meios de produção assim como o capital. Contudo, o modelo capitalista hegemônico transforma a sociedade e as relações sociais em desiguais, (des) humanas e que resulta em gerações de pobres e miseráveis desempregados. Com a valorização pela competição em oposição a valorização do ser humano, desintegrando ao invês de integrá-lo, esse modelo capitalista neoliberal é antagonico à espécie humana. Portanto, João Carlos Arroyo defende a ideia de que a competição se sobressai em relação à cooperação, a grande tendência é a exclusão daqueles que fracassam ou não estão aptos, enfraquecendo o ambiente sistemicamente (Cf. ARROYO, 2006, p. 21). Por outro lado, quando há integração do ser humano e este é valorizado nessa relação, cria-se um ambiente tolerante e igualitário, tornando possíveis processos de recuperação de economias abaladas.
2.4. ELIMINAÇÃO DA POBREZA OU ELIMINAÇÃO DOS POBRES?
Com o advento da modernidade e do poder hegemônico globalizado do capitalismo, os donos do poder buscam a todo instante evitar uma rebelião das massas empobrecidas e, para tanto, aplica-se a ideologia do controle populacional, que deve ser introduzido, o que significa “eliminar a pobreza pela eliminação dos pobres.” Como bem observou Milton Santos “poucos autores compreenderam que a história de um dado lugar é constituída a partir tanto de elementos locais, desenvolvidos ali mesmo, como de elementos extralocais, resultantes da difusão” (SANTOS, 2007, p. 42). Partindo da inovação no campo da economia como sendo uma transformação de invenções em fatos sociais e históricos, podemos criar algo novo a partir de rearranjos de elementos pré-existentes.
De acordo com Kariel & Kariel, a adoção de novas relações sócio-econômicas, principalmente em comunidades carentes – favelas, está baseado no grupo local e o que esse grupo pensa a respeito dessa inovação. Para os autores os menos miseráveis – “aqueles que têm à disposição uma rede de relações mais amplas na ‘cidade’ e fora da favela – são objeto de imitação e, assim, transmitem uma cultura mais voltada para fora” (Apud. SANTOS, 2007 p. 52). Seguindo essa linha de raciocínio de Kariel, é por meio de uma abordagem teórico-metodológica que contemple uma economia solidária aos educandos da EJA que podemos obter sucesso. Ao esclarecermos aos nossos alunos e alunas as relações de trabalho, capital, lucro, rendimento e suas fontes esses sujeitos históricos compreenderão e poderão ler a sociedade e o universo que os permeia. Ao estabelecermos o modelo econômico hegemônico como opressor e expropriador do proletariado, e que o acúmulo de capital e a implantação do capitalismo em todo o globo só foi possível com conquista, saque, pirataria e exploração, podemos nos perguntar se esse modelo e sua implementação ainda se sustentará universalmente.
É num universo econômico dominante que a economia solidária ao mesmo tempo em que questiona seus pressupostos e práticas, contribui como alternativa ao sistema hegemônico predominante. Portanto, uma psicologia na área da solidariedade, fraternidade e respeito pelo outro é fundamental para que o modo de produção fixado seja transposto. Uma possibilidade de começar algo novo, recomeçar e vislumbrar o campo econômico e a organização social como uma potência emancipatória do sujeito histórico. O modo de produção coletivo, ao mesmo tempo permite a singularidade de cada um respeitando democraticamente suas singularidades, caráter e personalidade.
A emancipação do trabalhador é a conquista da sua liberdade. E o meio para se chegar a essa finalidade é a Educação desses Jovens e Adultos numa organização econômica e solidária. Isso lhes garante no presente solucionar as desigualdades locais. Iniciativas nesse sentido necessitam conter medidas redistributivas da renda e visa à ativação econômica dos setores empobrecidos, por ser a forma mais indicada para gerar efeitos benéficos sobre a equidade e sobre o desenvolvimento social e econômico. Desse modo, a Educação de Jovens e Adultos tem um caráter político, entre os diversos representantes da sociedade, com um objetivo comum: transformá-la. Trata-se, portanto, de identificar, descobrir e analisar as diferenças sócio-culturais relacionadas entre os movimentos local/global. Respeitando a ideia de uma organização coletiva, solidária e formada com alianças públicas e civis, e entre diferentes classes sociais esse trabalho em equipe deverá transformar o status quo estabelecido. Com base nessas abordagens teóricas e metodológicas traremos desenvolvimento e perspectiva de vida aos nossos educandos da EJA. Atores e autores da história, nossos alunos e alunas devem identificar limites, barreiras e possibilidades de transpô-las desenvolvendo relações sociais fraternas e solidárias entre seus pares.
III – CAPÍTULO – A CONDIÇÃO HUMANA
3.1. OPRIMIDOS E USURÁRIOS EM TEMPOS MODERNOS
Nesse capítulo, a abordagem teórico-metodológica parte da construção e compreensão, dos e pelos sujeitos históricos, da sociedade que está intimamente ligada à realidade econômica desses autores e atores sociais. A liberdade de nossos alunos e alunas matriculados na EJA, nesse viés, poderá ser alcançada já que a economia solidária pode fornecer subsídios a essas pessoas que podem valorizar seus rendimentos, lucros, salários e, principalmente, as relações humanas, sociais e democráticas. Seguindo essa linha de pensamento baseado em Paulo Freire, incentivaremos a personalidade crítica desses cidadãos e cidadãs que são sujeitos políticos no espaço e no tempo. Paulo Freire induziu os educandos e também os educadores à conscientização, contextualização e problematização social, econômica e educacional dos povos oprimidos. A leitura do universo que os cerca e sua compreensão eram duas características intrínsecas desse pensador. Em seu livro A pedagogia do oprimido (1987), o autor despertou nos educandos a criticidade diante da realidade que local. Para esse autor, a educação burguesa é uma educação de mercado. Os alunos e alunas são recebedores de informações prontas e acabadas que não podem interferir na realidade social vigente e, claro, transformar a sociedade e o poder econômico hegemônico do capitalismo neoliberal.
Um texto de Gregório de Nissa datado de 330 a.D. com o título Sermão contra os usurários, o autor faz o seguinte comentário: “Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tira, senão das tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? (Apud, 1987, p. 17) E continua Gregório o seu Sermão dizendo ao pobre que se conhecesse a origem das esmolas que, certamente vem do “teu óbulo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de teus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com a lágrima de meus irmãos” (Ibidem). Nosso autor pedia aos bem aventurados que: “Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolva a teu semelhante aquilo que reclamaste e eu lhe seria grato” (Ibidem). Para Gregório não adiantava as dádivas ao pobres, pois, “De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?”(Ibidem).
Como em Tempos Modernos, em que Charles Chaplin representa e focaliza a situação social, econômica e política do povo norte-americano logo após a quebra da bolsa de valores de Nova York (1929), uma crise do sistema econômico hegemônico que resultou numa depressão e arrastou grande parte dos trabalhadores à fome e ao desemprego. Como protagonista do filme, Charles Chaplin consegue emprego numa indústria e logo se transforma em um líder grevista. Apaixona-se por uma mulher. O sistema da linha de montagem na indústria capitalista é uma crítica ao capitalismo, ao modo de produção e à sociedade como um todo. Carlitos, nome dado ao personagem de Chaplin, é perseguido por suas ideias subversivas. Na segunda parte do filme, Carlitos faz uma comparação entre as classes do proletariado e a burguesia. A primeira é explorada pela segunda. A exploração do proletariado é necessária no sistema capitalista para que a burguesia possa acumular riquezas, desfrutar do conforto e da diversão à custa do sangue, do suor e do trabalho do proletariado.
O contexto social apresentado por Carlitos faz parte do nosso dia-a-dia. É uma visão do futuro que o autor nos possibilita. Ali há cenas engraçadas e ao mesmo tempo tristes. Profunda melancolia dos tempos modernos. Neste contexto, há um desgaste que faz com que as pessoas destruam suas vidas. O ser humano torna-se frio, calculista, duro e impessoal tal qual a sociedade capitalista de nosso tempo. O tempo das fábricas determina o tempo da vida biológica. Um processo de mecanização que auto-destrói a consciência dos seres históricos. São situações onde as máquinas massacram os seres humanos; rapidez das produções mercadológicas; subempregos; industrialização e desemprego; problemas sociais e pessoais; o processo de desenvolvimento e aceleração do tempo; o progresso e a usurpação das relações humanas com o desenvolvimento acelerado da sociedade burguesa.
Ao demonstrar por meio das imagens o retrato da sociedade européia que se desenha desde a Revolução Industrial Inglesa do século XVIII, essa busca descontrolada pelo lucro é apresentada por Carlitos de forma genial por meio do cinema mudo. Com a Revolução Industrial, a arte passa por uma revolução de conceitos que são expostas e cultuadas em museus. Há uma relação estreita entre o povo e o artista. A reprodução industrial em série nos permite ver máquinas ocupando os lugares dos seres humanos; as causas que levam à criminalidades, escravidão; o amor como forma paternal de um “vagabundo” por uma menina moradora de rua etc. Essas são situações onde alguém de nossa família, ou pessoas próximas a nós já tenham sofrido algum tipo de colapso por trabalhar à exaustão. Alguém que seja órfão de pai e mãe e/ou seja, adotivo. Pessoas que tenham participado de movimentos sociais, movimentos de greves ou protestos contra algum tipo de criminalidade que tenha ocorrido em seu bairro ou localidades próximas. O filme nos permite contextualizar todas as causas sociais acima situadas com o processo de desenvolvimento, ordem e progresso da sociedade capitalista.
Para Chaplin havia dois caminhos a serem seguidos: o da liberdade e da beleza; o outro era o da cobiça que envenenou a alma dos seres humanos. Responsável em erguer muralhas do ódio que “tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da produção veloz, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz em grande escala, tem provocado a escassez.” Para o autor, a ciência nos transformou em céticos, bárbaros e cruéis e o resultado disso é que “Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade; mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura! Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido.”
3.2. TRABALHADORES SEM ALGEMAS
Utilizaremos aqui o exemplo da Argentina que desde o ano de 2001 possui mais de 140 experiências em empresas que foram retomadas e expropriadas pelos proletariados. Junto com a crise econômica de 2001 estourou na Argentina mobilizações e movimentos de rebeldia que reivindicavam seus direitos sociais, trabalhistas e econômicos. Um dos fenômenos mais empolgantes foi a retomada das atividades nas fábricas e empresas renomadas que passaram a ser geridas e administradas pelos funcionários. Esse movimento deu origem as Fábricas sem Patrão, ou seja, Proletários sem algemas. Os trabalhadores exigiram seus direitos ao trabalho, mesmo inseridas na lógica do capital e da economia de livre mercado, essas experiências permitiram outras maneiras de relacionamento trabalhista. Igualdade dos salários, decisões coletivas e socialização dos espaços recreativos e culturais. Os proletariados são os responsáveis pela produção.
Na segunda metade de 1990 começaram as retomadas das fábricas, período conhecido como menemista após a crise de 2001 ocorreu a maior parte das ocupações. Em entrevista concedida ao jornalista Waldo Lao, da Revista Caros Amigos um funcionário da Cooperativa Chilavert Artes Gráficas, situada no bairro de Pompeya, na capital Buenos Aires, Ernesto Gonzálaes que é da área administrativa do empreendimento falou sobre o processo de ocupação que teve apoio dos vizinhos do bairro de Pompeya para resistir às tentativas de expropriação e despejo. Gonzáles também comentou sobre as dificuldades pelas quais passa a empresa devido ao aumento constante da demanda de produção e, consequentemente, da lógica imposta pela modernidade tecnológica. Tudo começou quando
Em 2002 a fábrica, que se chamava Gaglianone – sobrenome do patrão -, que é uma gráfica antiga, passava por uma grave crise econômica, assim como o país inteiro. A empresa encontrava-se em uma situação terminal, possuía tantas dívidas que estava a ponto de quebrar. No início daquele ano, o patrão quis levar as máquinas que ainda funcionavam, e, quando percebemos que ele estava esvaziando a empresa, nós o impedimos. Foi aí que começou a ocupação. Isto nos motivou e nos impulsionou a permanecer lá, evitando que ele voltasse à noite ou durante os finais de semana (Revista Caros Amigos, São Paulo, Edição 173, Ano 20ll).
Esse exemplo é mais um dos que ocorrem em várias regiões no espaço e no tempo. Consideramos importante citar aqui a Fábula de Fedro (3,6) e, trabalhar com os educandos da EJA a noção de cidadania e liberdade, que são dois lados da mesma moeda e pode ser definida como a não submissão a outra pessoa. Essa Fábula nos permite questionar política e economicamente senhores e patrões. Esse conceito é fundamental para a construção da cidadania e da liberdade, conforme foi descrita por Fedro, que apresentou o conceito de liberdade entre os romanos:
Relatarei, sumariamente, a doçura da liberdade.
Um cão gordo e saciado encontra um lobo magro ao extremo; eles se cumprimentam e param:
– Diga-me, de onde vem tal exuberância? Que comida lhe deu esta corpulência?
Eu, que sou bem mais corajoso que vocês, morro de fome.
– O mesmo destino lhe espera, se você puder servir o dono de maneira idêntica
– responde, bondosamente, o cão.
– Em quê?, pergunta o outro.
– Vigiar a entrada, proteger a casa contra os ladrões, mesmo à noite.
– Estou, seguramente, disposto a isto! Por ora, sofro com a neve e a chuva, levo uma vida árdua nas florestas; como me seria mais cômodo viver sob um teto sem fazer nada, alimentar-se e saciar-me de comida!
– Siga-me, então.
– No caminho, o lobo reparou no pescoço do cão, que a coleira tinha marcado.
– De onde vem isso, meu amigo?
– Não é nada.
– Conte-me, eu lhe peço.
– Acham-me muito fogoso, por isso prendem-me durante o dia para que eu repouse quando está claro e para que eu zele quando chega a noite. No crepúsculo, sou desatado e vou onde quero. Sem que eu tenha que me mexer, trazem-me pão; de sua mesa, meu dono me dá ossos e as pessoas da casa atiram-me porções de tudo aquilo que não querem. Assim, sem me cansar, encho meu estômago.
– E, diga-me, se você quiser ir a algum lugar, você pode?
– Não, absolutamente.
– Seja feliz a seu modo, cão; não gostaria de um trono que me tirasse a liberdade.
(FUNARI, Pedro Paulo. Cidadania entre os romanos, pp. 72-73. Apud. PINSKY, Jaime & PINKSKY, Carla Bassanezi (orgs.) História da Cidadania. São Paulo: Contexto; 2003, p. 72-73).
Entre os romanos, a liberdade estava na base da cidadania. Porém, entre os modernos há uma inversão desse conceito de liberdade de não se submeter a outrem. Os teóricos da democracia moderna consideraram esta liberdade negativa, pois, ou se era livre, ou se era escravo em Roma. Em Institutas, Gaio (I, 48-52) nos informa a respeito dessa liberdade entre os romanos. Para ele haviam pessoas independentes consideradas “(personae sui iuri), outras estão submetidas a outrem (alieno iuri subiectae). Destas pessoas submetidas, algumas estão sob poder (in potestate), sob o domínio marital (in manu) ou sob servidão (in mancipio).” Desse modo, o autor das Institutas relacionava os escravos com pessoas que eram submetidas aos seus senhores. Portanto, dependentes.
Para os pensadores modernos, essa definição foi relevante para a construção da cidadania até os dias hodiernos. Pois, na sociedade civil somos livres ou escravos, ou seja, ou todos possuem a liberdade ou, pelo contrário, somos todos subordinados. Quem não está in potestate, isto é, em poder de alguém pode agir segundo seus princípios e direitos. Essa compreensão da liberdade no século XVII A.D., mais precisamente em 1642, colocou em xeque a Coroa do Rei Carlos I da Inglaterra. Para Pedro Paulo Funari (2003, 74)
O conjunto de cidadãos com liberdade, os cidadãos, representados no Parlamento, queria controlar o poder militar, mas o rei anunciou que se uma lei emanasse do Parlamento ele não a cumpriria, ao fazer uso do direito de veto. Esse direito absolutista, chamado de Negative Voice, fundava-se, de forma sintomática, no princípio romano já mencionado de que “o que agrada ao príncipe tem força de lei”, pois o que tão pouco lhe agrada pode ser uma lei.
Com a utilização do direito de veto, denominado de Negative Voice, o rei fazia do Parlamento inglês seu subordinado, e indiretamente todos os representados pelo Parlamento eram súditos do rei. Os “cidadãos” não eram personae sui iuris, mas sim subordinados do poder monárquico, isto é, alieno iuri subiectae. A idéia central consiste na liberdade como sendo condicionada pela subordinação, ou seja, a liberdade entre os cidadãos só consiste na reflexão e opinião dos cidadãos. Nesse viés, a liberdade não advém apenas da Revolução Puritana inglesa do século XVII, mas também das revoluções Americana e Francesa, ambas do século subseqüente (XVIII). Concordamos com Funari (Idem, p. 74), quando diz que “só existe liberdade se existir uma cidadania que se governe a si mesma, pois viver como súditos de um governante é viver na subordinação, no limite, como escravos.”
3.3. DIGNIDADE E CARÁTER HUMANO
Aqui iremos procurar compreender a dignidade e o caráter humano por meio do trabalho. A condição humana e o trabalho pode nos ajudar a compreender melhor os homens. Nossos alunos da EJA se encontram isolados e presos ao círculo estreito da necessidade. Porém, o espírito e a resistência fazem parte dos homens e mulheres que trabalham numa perspectiva arqueológica de esforços diversos, pesados, danosos e duros. Tanto no passado quanto no presente. São camadas desenterradas que nos apresentam sobrevidas entre os modos de subsistência tanto local quanto global no mundo do trabalho. O fotógrafo Sebastião Salgado (2009) em seu livro fotográfico Trabalhadores apresenta através de imagens o desaparecimento da forma tradicional de trabalho e produção em detrimento das eras das revoluções industriais, tecnológicas e científicas. Por outro lado, é um canto de solidariedade e esperança. Neste livro, o autor faz homenagens ao homem e a mulher que trabalham com as próprias mãos, com a força do próprio corpo e interpreta a condição humana com honestidade e respeito (Cf. SALGADO: 2009).
Os trabalhadores contemporâneos que ainda fabricam seus artefatos são uma expressão de arqueologia da era industrial, ou seja, seus trabalhos realizados com a força do corpo é uma tradição que persiste no espaço e no tempo. Honrados no passado e que agora sedem espaço para o mundo das máquinas e computadores. Para Nadine Gordiner, a dignidade e o caráter humano são sinônimos de beleza e veracidade eloquentes, composições de elegias visuais de homens e mulheres que possuem ânimos laboriosos que se sobrepõem às condições mais sombrias e duras. Numa perspectiva solidária é um verdadeiro estado de graça. Por trás das imagens contidas no livro de Sebastião Salgado podemos enxergar o caráter e a dignidade desses seres humanos que carregam nos ombros o peso do mundo. Concordamos que são explorados, porém permanece neles a estranha beleza estética (Cf. Gordiner, 2009). Arthur Miller nos diz que: “Sebastião Salgado desnuda a dor, a beleza e a brutalidade do trabalho, alicerce de tudo. Trata-se de uma coletânea obtida com uma devoção profunda e uma destreza impressionante.” (MILLER, 2009).
O trabalho sempre foi associado ao sacrifício, jamais ao prazer, defende Mauro Santayana (2011) em seu artigo Duas espécies humanas publicado na Revista do Brasil. Para ele “A criação, ao contrário, tem expressão lúdica. O marceneiro é um criador.” (SANTAYANA, 2011, p. 5). Desse modo, com a exacerbada corrida tecnológica que vem substituindo o proletariado nessa disputa pela produção industrial se esquecem de que o problema tem outro caráter, pois
O mundo não se divide entre os trabalhadores manuais e os outros, mas sim entre os assalariados e os donos do capital. Isso em uma visão ligeira do problema, porque todo trabalho humano é, ao mesmo tempo, manual e intelectual. Quem opera uma máquina, ainda que o faça mediante um ordenador eletrônico, usa ao mesmo tempo as mãos e o cérebro. (Mauro Santayana, Revista do Brasil, São Paulo, nº 59, maio de 2011, p. 5).
Nessa linha de raciocínio, o filósofo Agostinho da Silva defende a idéia de que o homem não nasceu para trabalhar, mas sim criar. Portanto, um artesão é um criador, pois ele dominava toda a linha de produção. Porém, no modo de produção moderno, o trabalhador é expropriado dos seus meios de produção e executa a mesma atividade durante toda a sua vida ativa e, consequentemente, só há trabalho. Compartilhamos com a tese de que:
Trabalho vem do latim tripalium, que era um instrumento de suplício no mundo romano. O trabalho sempre se associou ao sacrifício, e não ao prazer. A criação, ao contrário, tem uma expressão lúdica. O marceneiro que faz um armário, partindo de sua própria imaginação e desenho, é um criador. Até mesmo o lenhador, que escolhe na floresta a árvore a abater, é de certa forma um criador. Mas o operário que lixa 500 peças por dia ou aperta parafusos (hoje os robôs o substituem) na linha de montagem, como no belíssimo filme de Chaplin, Tempos Modernos, é um homem submetido ao suplício permanente. Na visão magistral de Marx, o trabalhador de hoje é o “complemento vivo de um organismo morto” (Idem Ibidem).
Dessa maneira os operadores que trabalham com computadores tem seu movimento manual determinado pela máquina, assim como a sua mente. A tragédia do mundo do trabalho no sistema capitalista moderno consiste em fazer do proletariado peças isoladas idênticas umas as outras de um mesmo sistema de produção. Esse modo de produção é fruto de uma sociedade neoliberal que substitui o trabalhador por robô, pois este não tem emoções e a sua programação é perfeitamente obedecida. Para o escritor Nelson Palma Travassos, que imaginava que:
As máquinas seriam a redenção do homem moderno, e substituiriam os escravos da Antiguidade, libertando-o para o exercício livre da inteligência – desde que estes robôs fossem de propriedade do Estado, que distribuiria os bens a produzidos com equidade a toda a população. A tecnologia não está a serviço dos homens. Está a serviço dos ricos, que a usam, sobretudo na transferência instantânea de capitais, roubando dos depositantes e dos acionistas, enfim, de todos, porque o Estado, ou seja, o povo, arca com o prejuízo. Só há duas classes sociais, a dos ricos e a dos pobres.
3.4. RELAÇÕES DE APREÇO OU PREÇO?
Da antiguidade até o feudalismo ricos eram os que detinham a posse da terra, os meios de produção e até certo momento, o capital. Nos dias hodiernos, no chamado sistema neoliberal, principalmente com a globalização econômica se transferiu o eixo do poder econômico para os bancos que monopolizam esse processo. Porém, com um agravante:
Os bancos não são administrados […] pelos acionistas, mas sim por executivos como os que vimos nos escândalos recentes de Wall Strett.
Observadores atentos, como o financista Paul Farrell, comentarista do Wall Stret Journal, mostram que a desigualdade social nos Estados Unidos é hoje maior do que em 1929, quando se iniciou a Grande Depressão, e que, se os ricos não pagarem pesados impostos que permitam melhor distribuição da renda, os pobres, não só ali, mas no mundo inteiro, se sublevarão. É uma questão de vida ou morte (Ibidem).
Por isso propomos e defendemos uma economia solidária que tenha como objetivo o ser humano em suas relações sociais e comerciais, isto é, relações de apreço e não de preço. Uma sociedade justa e fraterna que respeite os direitos do cidadão. Na comunidade escolar do Jardim Santo André – SP, podemos contribuir com essa pesquisa ao fornecer subsídios para a transformação econômica e social local. A economia solidária nessa região pode ocorrer por meio de uma agricultura familiar, pois há um espaço geográfico para isso. Também há espaços para implantação de uma economia solidária voltada para a construção civil, indústria moveleira, colônias de pescadores e prestadora de serviços diversos que podem fazer de nossos alunos e alunas da EJA verdadeiros cidadãos plenos de direitos, e não apenas de deveres. Essa comunidade situada no jardim Santo André é uma mistura de descendentes de indígenas, quilombolas, povos ribeirinhos que migraram da região Norte, Nordeste e também do próprio Estado de São Paulo devido à expulsão agrária tanto do latifúndio quanto do próprio governo. Por terem outro tipo de relacionamento com a terra não são levados á sério pelas políticas governamentais e sociais das classes detentoras do poder econômico. Esses últimos possuem uma relação com a terra e com os seres humanos do ponto de vista do agronegócio, da produção e exploração do proletariado.
A economia solidária, assim entendida, pode contribuir também com a preservação do meio ambiente, principalmente da Mata Atlântica e da Represa Billings da qual faz parte a região onde habitam nossos educandos. Embora a economia solidária seja relevante para a manutenção do equilíbrio sócio-ambiental, o governo ainda persiste na exploração do ponto de vista do mercado. A especulação imobiliária na região é um modelo destrutivo do meio ambiente, que acaba com as fontes de água e leva à falta d´´água. A economia solidária fornecerá a essa região outra convivência no mundo das relações sociais. Ao produziram bens conforme suas necessidades. Ao atender a necessidade onde todos participem ao contrário do modelo superpredador de alguns países que detêm a hegemonia econômica e militar no mundo. É por isso que questionamos e defendemos a mudança do modelo de economia vigente e, para tanto, é fundamental empreendermos uma economia solidária que forneça subsídios tanto a nível local quanto global. Encerramos aqui esse capítulo com as palavras do Bispo emérito de Goiás, Dom Tomás Balduino: “Por que tem que prevalecer a lógica da superprodução? O índio se relaciona com a mãe terra de maneira harmoniosa, mística, afetiva.”
IV – CAPÍTULO – A LÓGICA PARA A TRANSFORMAÇÃO
4.1. VALORIZANDO O SER HUMANO
Uma Economia Solidária na região do Jardim Santo André faz-se necessário, pois a produção, o consumo e a distribuição da riqueza devem ter como finalidade a valorização do ser humano e não do capital. O trabalho como acima citamos é percebido como arte, liberdade e criação do artífice que, inserido no processo democrático e social da economia, cria suas alternativas para enfrentar as barreiras e obstáculos à alienação da relação capital/trabalho. Numa perspectiva multidimensional, a economia solidária apresenta sua dimensão política, econômica, social, ambiental e cultural. A construção de um universo justo, fraterno, sustentável e democrático é possível nesse local. Essas conquistas são fundamentais para a emancipação histórica dos nossos educandos da EJA.
Os princípios de solidariedade no campo econômico, político e social está presente em diferentes culturas que agregam e coexistem em diversas comunidades humanas. Desde a América Pré-Colombiana essas práticas solidárias já existiam. Podemos dizer que fazem parte do caráter e da essência humana. Organizar as atividades econômicas e autogerir as atividades econômicas solidárias é possível no Jardim Santo André. Ao trabalharmos esses conceitos com os alunos e alunas da EJA perceberemos seus empreendimentos e suas igualdades entre suas individualidades criativas e participativas. Paul Singer (2000) e Euclides Mance (1999) defendem a economia solidária como estratégia às crises econômicas globais, as desigualdades sociais e o fantasma do desemprego.
As crises do sistema capitalista são as oportunidades para se construir economias solidárias. Com as mudanças nas relações de produção provocadas pelo capital internacional, esse modelo de economia solidária pode servir de estratégia à nova organização da produção. As pessoas que compõem o “exército de reserva” podem se integrar à sociedade. Para Mance, a colaboração solidária e a construção de sociedades pós-capitalistas garantem o bem viver desses dos seres humanos. Assim, a colaboração solidária entre nossos alunos e alunas possibilitará tanto trabalho quanto consumo recíprocos de sentido moral fraternidade e igualdade, sempre objetivando a liberdade pessoal e pública de cada indivíduo.
O conjunto de empreendimentos voltados para a economia solidária deve ser de iniciativa coletiva e democrática remunerando de forma privilegiada o trabalho e as relações humanas em detrimento do capital. Para Luiz I. Gaiger, o início do sistema moderno de produção o empregado era caracterizado como sendo propriedade do patrão, pois seus meios de produção haviam sido expropriados. Desse modo, defende o autor que:
O conceito que pode ser empregado pela economia popular solidária é: o conjunto de empreendimentos produtivos de iniciativa coletiva, com certo grau de democracia interna e que remuneram o trabalho de forma privilegiada em relação ao capital, seja no campo ou na cidade. Tolerar ou mesmo estimular a formação de empreendimentos alternativos aos padrões capitalistas normalmente aceitos, tais como cooperativas autogeridas é, objetivamente falando, uma forma de reduzir o passivo corrente que se materializa em ondas crescentes de desemprego e falências. (…) Tais empreendimentos encontram potencialmente no trabalho coletivo e na motivação dos trabalhadores que os compõem, uma importante fonte de competitividade reconhecida no capitalismo contemporâneo. Enquanto no fordismo a competitividade é obtida através das economias de escala e de uma crescente divisão e alienação do trabalho associadas a linhas produtivas rígidas – automatizadas ou não -, na nova base técnica que está se configurando, uma importante fonte de eficiência é a flexibilização. (GAIGER: 2002, p. 64)
Argumenta Singer (Ibidem) dizendo que a economia solidária está atrelada ao trabalhador e aos seus meios de produção que são indissociáveis. Portanto, para ele a “definição da economia solidária está ligada à relação entre o trabalhador e os meios de produção, sendo que “a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo”. Seguindo esse raciocínio, os empregados se transformam em patrões, pois, “A empresa solidária é basicamente de trabalhadores, que apenas secundariamente são seus proprietários. Por isso, sua finalidade básica não é maximizar lucro mas a quantidade e a qualidade do trabalho” (Ibidem).
4.2. RECONCILIAÇÃO ENTRE TRABALHO E MEIOS DE PRODUÇÃO
A moeda é a mercadoria universal de troca e a partir do momento em que foi usada para adquirir outras mercadorias e trabalho com a finalidade de revendê-las se tornou capital. Desse modo, quando a moeda é empregada em investimentos que prometem dar lucros esse dinheiro se transforma em capital. Foi preciso expropriar o trabalhador dos seus meios de produção para que o grande capitalista pudesse comprar sua força de trabalho no mnercado possibilitando o lucro para o capitalista. O lucro advém do salário pago pelo patrão ao trabalhador que é menor do que a mercadora produzida por este último. O monopólio dos meios de produção e da força de trabalho caracteriam o capitalismo. Por outro lado, a economia solidária apresentou-se como uma maneira de reconciliar o proletário com seus meios de produção, baseado nos ideais de igualdade, dignidade, fraternidade e liberdade. Segundo Gaiger, o enriquecimento se dá do ponto de vista cognitivo e humano. Motivação, divisão dos bens e solidariedade é do interesse dos
Trabalhadores em garantir o sucesso do empreendimento estimula maior empenho com o aprimoramento do processo produtivo, a eliminação de desperdícios e de tempos ociosos, a qualidade do produto ou dos serviços, além de inibir o absenteísmo e a negligência (GAIGER: 2002, p. 34).
Pretendemos então construir uma economia solidária local no Jardim Santo André aumentando os rendimentos dos trabalhos coletivos. Forneceremos subsídios ao desenvolvimento local tanto em seus aspectos econômicos quanto sociais. Mobilizando pessoas e instituiições criando oportunidades e geração de trabalho e renda. Ao inverso do modelo capitalista desigual e combinado, que seleciona parte dos trabalhadores e o “resto” é descatado ou engloba as fileiras do exército de reserva. Valorizando a competição em prejuízo da colaboração e cooperação. É criado um ambiente social instável e desigual. Porém, onde predomina a coletividade e a consideração pelo outro, o clima é tolerável e harmonioso. A economia solidária, conforme Wautier, é orientada do ponto de vista sociológico e caracteriza
A noção de projeto, de “desenvolvimento local e de pluralidade das formas de atividade econômica, visando à utilidade pública, sob forma de serviços diversos, destinados, principalmente, mas não exclusivamente, à população carente ou excluída” (In: CATTANI: 2003, p. 110).
Uma economia solidária local pode ser implementada através de resoluções que busquem democratizar, autonomizar e coletivizar as decisões por meio das assembléias entre os associados. Todos têm o direito a voto e com o mesmo poder de decisão por cada membro associado dessas cooperativas, organizações não governamentais e serviçõs em geral que se concretiza ao redor da solidariedade entre seus pares. Alguns projetos contribuem extraordinariamente para com a realização e o sucesso dessa economia solidária, tais como:
1) moeda social – que é um instrumento que facilita a comercialização dos produtos da economia local, é uma alternativa ao escambo e possui objetivos específicos;
2) Cooperativas de produção em empreendimentos abandonados e/ou falidos pelos capitalistas;
3) Cooperativas de crédito, tanto no mundo do trabalho urbano quanto no mundo do trabalho rural, que viabiliza recursos para investimentos aos associados por meio de uma linha de crédito com juros simbólicos e, consequentemente, com prêmios para aqueles que pagam corretamente os empréstimos adquiridos;
Essas são algumas das alternativas que podem ser desempenhadas pelos nossos alunos da EJA no espaço denominado Jardim Santo André. Alternativas que podem vir a concorrer e disputar mercados com os grandes conglomerados industriais nacionais e globais. A economia solidária vem crescendo consubstancialmente em nosso país, pois, com o advento das crises do sistema capitalis, com as demissões em massa a partir da década de 19980 e com o consequente incremento e inovação tecnológicos que substituem os seres humanos na linha de montagem das fábricas por máquinas e robôs, a economia solidária passou a ter relevância tanto por poderes públicos quanto pela iniciativa privada dos trabalhadores. São fatores que contribuíram para o crescimento da economia solidária no Brasil:
1) Resistência de trabalhadores e trabalhadoras ao crescimento da exclusão, desemprego urbano em detrimento da expulsão do trabalhador rural das suas terras em detrimento do agronegócio;
2) Luta pela sobrevivência na informalidade e que surgem independentemente alternativas através de uma economia popular, tais como: camelôs, flanelinhas, vendedores ambulantes entre outros;
3) Associação solidária voltada para o respeito ao ser humano, solidariedade, ética humanitária e relações sociais apreciosas
A organização da economia solidária em nosso país ocorreu com as iniciativas que transporam o isolamento em relação ao mercado tanto local quanto nacional. Sua articulação comercial pode ser caracterizada a partir do Fórum Social Mundial que privilegiou diferentes entidades, iniciativas e empreendimentos. Com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária concomitantemente foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária Essas instâncias consolidaram e também ampliaram a economia solidária de maneira dinâmica no Brasil.
Assim, podemos programar no jardim Santo André um modelo de economia baseado no Fórum Brasileiro de Economia Solidária. E podemos estruturá-lo dessa maneira: 1) articulação entre os diversos segmentos do movimento que integram a economia solidária; 2) empreendimentos solidários; 3) organizaçaões de acessoria e fomento; 4) administradores públcos; 5) empreendimentos solidários e suas manifestações por meio de cooperativas; 6) associações populares; 7) recuperação de empresas capitalistas que abriram falência; 8) agricultura familiar etc…
4.3. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS SOCIAIS E ECONÔMICOS
Defendemos a idéia de que alguns dos problemas sociais e econômicos brasileiros podem ser resolvidos com projetos que priorizem as populações quilombolas, pescadoras, agricultoras e vários movimentos sociais que reunidos podem conquistar seus direitos básicos. Uma espécie de bandeira de luta que por meio de diálogos e discussões ao redor da economia solidária podem levar a convergências. Aproximando as experiências das comunidades que consideram os conhecimentos em agroecologia um modelo de desenvolvimento para o país. Para a representante da FASE – Solidariedade e Educação, Maria Emília Pacheco,
As organizações vêm desde 2002 pensando nessa atividade e a partir de 2010, quando foi feito um balanço, começaram a aprofundar as relações já existentes entre as redes. Três oficinas territoriais ocorreram no ano passado a fim de aproximar os projetos no norte de Minas Gerais, no planalto serrano de Santa Catarina e no agreste da Paraíba. Maria Emília explicou que o encontro é regido por um princípio político pedagógico partindo das experiências concretas (Revista Caros Amigos, dezembro de 2011 Apud. www.carosamigos.terra.com.br).
Consideramos está uma alternativa ao agronegócio que vem transformando a expansão da monocultura em bloqueio à reforma agrária. Desse modo, a agroecologia é vista pelos latifundiários e monocultores em larga escala como ameaça aos seus interesses. Portanto, conforme ficou estabelecido no Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, que ocorreu em Salvador, capital do Estado da Bahia, nos dias 26, 27, 28 e 29 de setembro de 2011, os trabalhadores e trabalhadoras devem erguer “a bandeira de luta, deixa a bandeira passar. Está é a nossa luta, vamos unir para mudar” [1] , entoavam o canto os camponeses e camponesas. Para o representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental Marcelo Firpo,
É preciso ampliar a capacidade de leitura do contexto sociopolítico frente aos conflitos, observando as resistências e propondo formas de construção alternativas nesses locais. Ele lembrou que durante o evento uma plataforma de Intermapas, que localiza e aglutina essas iniciativas no Brasil via internet, foi inaugurada. O Intermapas reunirá dados de iniciativas agroecológicas, de empreendimentos de economia solidária, situações de injustiça ambiental e os impactos das obras financiadas pelo BNDES. Quebrar a barreira da mídia, de modo a apresentar as das obras financiadas pelo BNDES. Quebrar a barreira de mídia, de modo a apresentar as experiências, é um dos desafios desses grupos, de acordo com Firpo. Precisamos perceber e ampliar as lutas, nos fortalecer nos posicionamentos e propostas. É fundamental o fortalecimento entre redes e o diálogo com a sociedade. Essa atividade é fruto de um contínuo, profundo e frutífero diálogo. Ao final do evento, foi lançada uma carta que servirá de marco para que possamos aprofundar essas ações concretas… (Idem Ibidem).
Diante de um quadro propício é possível á economia solidária fornecer alternativas e buscar inovações que correspondam aos desejos de todos os seres humanos que, consequentemente, devem ter como princípio norteador as relações humanitárias e não econômicas. É um passo fundamental propostas que possam reconhecer a valorização e a negociação coletiva promovida de forma democrática e socializada. Os trabalhadores e as trabalhadoras poderão perceber as mudanças e transformações que uma economia solidária pode trazer á comunidade. Conforme demonstrou o Professor Paul Singer (2002, p. 114-5):
Vida melhor não apenas no sentido de que possam consumir mais com menor dispêndio de esforço produtivo, mas também melhor no relacionamento com familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, colegas de estudo etc.; na liberdade de cada um de escolher o trabalho que lhe dá satisfação; no direito à autonomia na atividade produtiva, de não ter de se submeter a ordens alheias, de participar plenamente das decisões que o afetam; na segurança de cada um saber que sua comunidade jamais o deixará desamparado ou abandonado. A grande aspiração que, desde os seus primórdios, sempre animou a economia solidária tem sido superar as tensões e angústias que a competição de todos contra todos acarreta naqueles que se encontram mergulhados na lógica da “usina satânica”, tão bem analisada por Karl Polanyi (SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Perseu Abramo; 2002, pp. 114-5).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que o sistema mundial moderno – capitalismo neoliberal deva ser transformado. Pois, esse modelo de economia levou Estados e Nações à se desintegrarem social e economicamente. Para tanto, defendemos a estatização dos bancos privados tornando-os públicos, bancos sociais e comunitários. Esses bancos não têm como objetivo a maximização dos lucros e, devem ser dirigidos por seus depositantes. O capitalismo neoliberal é um típico cassino financeiro que joga com o dinheiro alheio. Por isso apoiamos outra lógica de econômica e que deve ser colocada em prática entre os trabalhadores e trabalhadoras numa dinâmica com a Educação de Jovens e Adultos. Desse modo, as instituições públicas devem intervir na economia e apoiar as instituições comunitárias, as cooperativas.
Comungamos com a idéia do Professor Paul Singer, ou seja, os bancos e o sistema financeiro devem nos servir, e não o contrário. É o que já havia sido idealizado por John Maynard Keynes, e que foi colocado em prática após a crise de 1929, isto é, um Estado de bem estar social com geração de emprego, ciência e tecnologia a disposição e serviço de todos os seres humanos. A teoria de Keynes foi um dos raros exemplos na história do capitalismo de que é possível combinar teoria econômica e prática social. Ele escreveu no momento da crise de 1929, em meio à depressão econômica capitalista. Na contramão da teoria de Adam Smith, pai da teoria do livre mercado, pois defendia a ideia de que haveria uma mão invisível que controlaria o mercado.
Não é mais possível compreender a economia pelo equilíbrio automático entre oferta e procura, pois o aumento da poupança não significa produção. Estamos com Keynes ao defendermos que a redução das demandas é consequência dos baixos salários. Já os ortodoxos neoliberais argumentam que é responsabilidade das exigências salariais. O aumento dos salários contribui para o pleno emprego e aumento da demanda. Portanto, cabe ao Estado o papel inovador de intervir na economia e estimular o consumo com uma política de distribuição de renda, pleno emprego e economia solidária. Esta última não passa por crises,, não tem bancos quebrados porque não colocam o dinheiro de seus cooperados em especulação financeira e jogatina. Sendo assim, podemos os recursos financeiros dos associados para fins coletivos, seus recursos segurados e empréstimos a juros mínimos que possam ser utilizados para suas próprias necessidades.
Colocamo-nos contra o livre mercado por considerar um modelo falido. Somos a favor de um protecionismo econômico que venha proteger e garantir os interesses nacionais. Não concordamos com a imposição da Organização Mundial do Comércio – OMC que impõe o que deve ser importado e exportado, além de proibir barreiras alfandegárias. Os países que desrespeitarem sofrem sansões econômicas, é uma ditadura do neoliberalismo, do capital.
A iniciativa popular com valores democráticos e igualitários é o ideal que propomos e que pode ser realizado no Jardim Santo André. Ao Estado e as suas instituições públicas cabem apenas criar as condições necessárias para a sua implementação. Na EJA podemos estabelecer uma relação social de consideração pelo outro, e não de competição como nos sé imposto pelo sistema capitalista. Derrubar barreiras, e injustiças sociais e econômicas para construir uma economia solidária é uma transição no modo de produção que, provavelmente deverá ser realizada com revolução política. Transformar o caráter e a personalidade das pessoas é possível.
Dessa forma, acreditamos ter contribuído com esta monografia ao podermos apresentar aos nossos alunos e alunas da Educação de Jovens e Adultos, assim como aos professores e professoras do município de Santo André, que é possível a construção de um novo mundo, uma nova ordem mundial que envolva homens, mulheres, negros, deficientes físicos, retirantes, migrantes nordestinos e os vários movimentos sociais como um todo. Buscamos apresentar aqui subsídios para que possa ocorrer uma mudança social que deve acontecer de baixo para cima e sem imposições.
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
- Prática 1 – Pintura solidária de panos de prato
- Prática 2 – Situação Problema
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
GAIGER, Luiz I. (1994). Sobrevivência e utopia. Os projetos alternativos comunitários no RS. Cadernos CEDOPE – Série Movimentos Sociais e Cultura, n. 10, p 1-85;
____________ (1995). Subordinação ou cidadania? Os dilemas da mudança cultural nos projetos alternativos comunitários. Cadernos do CEAS, n. 157, p. 17-36;
____________ (2001). As organizações do terceiro setor e a economia popular solidária. Revista de Ciências Sociais, n. 159, p. 103 – 151;
____________ (2003). L’économie solidaire au Brésil. Revue du M.A.U.S.S., Paris, n. 21, p. 80-96;
____________ A economia solidária no Brasil e o sentido das novas formas de produção não-capitalistas. Revista Venezuelana de Economia Social. Ano 4, N. 8, Dezembro;
____________ As micro-experiências populares: novas malhas de um tecido social? Tempo e Presença, n. 282, p. 11-13;
____________ A Solidariedade como alternativa econômica para os pobres. Contexto e Educação, n. 50, p.47-71;
GORENDER, Jacob. Da alienação ao valor trabalho. In: MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Salário, preço e lucro: o rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982;
HUBERMAN, Léo. História da riqueza do homem. São Paulo: LTC; 1986.
SANTOS, Milton. Economia espacial. São Paulo: EDUSP; 2007;
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Perseu Abramo, 2002;
SINGER, Paulo. Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada, Mercado de Trabalho, 2004;
GADOTTI, Moacir. ROMÃO, José E. Educação de Jovens e Adultos. Teoria, prática, e proposta. São Paulo: Editora Cortez, 2011.
- [1]Revista Caros Amigos, dezembro de 2011. Apud. www.carosamigos.terra.com.br↩