Ficha Síntese da Prática Pedagógica
Objetivos da Prática Pedagógica:
- Ressignificar o espaço urbano e as relações sociais nele imbricadas;
- Mapear, promover a postura crítica e tomar posse do território escolar e do entorno; Possibilitar a criação artística como forma de atuação social e construção da identidade; Promover a intervenção social dos estudantes nos territórios estudados;
- Promover o letramento a partir da leitura, sistematização de dados e produção de textos diversos; Promover a participação dos alunos no desenho dos projetos de aprendizagem.
Palavras-chave: prática de ensino, EJA, território escolar, intervenção social, educação na cidade
Característica do grupo a quem foi aplicada a prática:
Jovens, adultos e idosos, estudantes do ciclo I e II do ensino Fundamental. Por tratar-se de projeto aberto e de participação optativa, as turmas foram variadas, com frequência média de 12 alunos, constatando-se constituição de um grupo de mulheres entre 25 a 60 anos presentes com frequência mais contínua.
Dinâmica de trabalho adotada na prática pedagógica:
O projeto foi orientado segundo três eixos: sensibilização, reconhecimento do território e proposta de intervenção.
As atividades no primeiro e segundo semestre seguiram a seguinte metodologia: Mapeamento do território (pesquisa de campo/coleta de dados), sistematização e análise dos dados coletados (leitura, produção de textos e projeto de intervenção), intervenção coletiva.
Recursos necessários para aplicação:
Durante as atividades foram utilizados máquinas fotográficas, gravadores, aparelhos de som, computador
com internet. Para reaplicação das atividades, no entanto, cabe suprir as necessidades específicas para coleta de dados, pesquisa sobre o território estudado e intervenção proposta pela turma, sendo possível a substituição dos recursos utilizados ou sua ampliação de acordo com as demandas do grupo a se constituir.
Breve currículo do autor da prática pedagógica
Célia Aparecida Borges – Professora de Arte do Ensino Fundamental II no CIEJA Butantã (Prefeitura de São Paulo), atua há 24 anos como educadora para adolescentes, jovens, adultos e idosos na rede pública de ensino. Especialista em Curadoria e Educação em Museus de Arte pela Universidade de São Paulo.
Cristina da Silva Ferreira – Professora de Ensino Fundamental I no CIEJA Butantã (Prefeitura de São Paulo), atua há 20 anos como educadora para adolescentes, jovens, adultos e idosos na rede pública de ensino. Graduada em
Publicidade e Letras.
José Rodrigues Ferreira Junior – Professor de Geografia do Ensino Fundamental II no CIEJA Butantã (Prefeitura de São Paulo), atua há mais de 10 anos como educador para adolescentes, jovens, adultos e idosos na rede pública de ensino.
Vanessa Elsas Porfirio de Faria – Professora de Português do Ensino Fundamental II no CIEJA Butantã (Prefeitura de São Paulo), atua há 9 anos como educadora para adolescentes, jovens, adultos e idosos na rede pública de ensino e ONGs. Aluna do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade de São Paulo, desenvolve a pesquisa “Trajetória de Formação do Projeto CIEJA: o papel da participação dos atores locais”.
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. (FREIRE, 1967)
No Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos do Butantã (CIEJA Butantã), em todo início de ano, como em geral ocorre nas escolas, desenhamos mais um plano de voo ao qual pretendemos nos lançar com nossos alunos.
Cuidamos atentamente para que se possa (re)conhecer de onde partiremos juntos, tentamos vislumbrar quais serão os desafios do percurso, pensamos nas estratégias que podem nos ajudar a driblá-los. Assim, idealizamos com cada aluno um lugar para pousar e poder partir, depois, para mais longe.
Em 2011 não foi diferente, enchemos as nossas bagagens com outras que se apresentaram em diferentes turmas e desejamos novamente que outro voo fosse possível. No entanto, dessa vez o que nos mobilizou foi a possibilidade de que os estudantes pudessem transformar o olhar sobre o próprio espaço, participar mais efetivamente das decisões, de que pudessem criar um caminho coletivo para construção do conhecimento.
Após o ingresso no curso de especialização “EJA e Economia Solidária”, ganhamos a companhia dos saberes, engajamento e vigor de jovens estudantes do ITCP USP e de professores da UFABC e USP, que somaram à bagagem também a intenção de semear relações sociais mais justas e solidárias.
Para tornar concreta a possibilidade de planejar e fazer não apenas para, mas com os alunos, idealizamos o projeto CIEJA na RUA, no qual depositamos a crença de que eles poderiam ser sujeitos autônomos de sua aprendizagem para assumir um papel mais crítico e atuante também em suas comunidades.
Ousamos ultrapassar os limites de nossa atuação como professores de uma mesma área de conhecimento para integrar outros saberes à nossa prática. No CIEJA Butantã, trabalhamos em equipes por áreas de conhecimento no ciclo I e II, de maneira que nossos planos de voos não são solitários, mas partilhados entre professores de Alfabetização no Ciclo I, de Português, Inglês e Artes na área de Linguagens e Códigos; Ciências e Matemática na área de Ciências da Natureza e Matemática; e História e Geografia na área de Ciências Humanas.
No CIEJA na Rua, que ocorre desde o início de março de 2011 durante Oficinas de Estudo nas sextas-feiras, tem sido bastante enriquecedora a participação das professoras de Artes, Português, Alfabetização (ciclo I) e do professor de Geografia, além dos alunos em diferentes estágios de desenvolvimento, de maneira que os diversos saberes podem circular e se transformar entre todos.
As Oficinas de Estudo das sextas-feiras, com duração de 90 minutos, ocorrem no CIEJA Butantã com atendimento em diversos horários e projetos, que os alunos podem escolher e frequentar como reposição de aulas ou como atividades extras. Dessa forma, os projetos e atividades são compostos por alunos variados a cada semana, formulando uma nova organização que ultrapassa o grupo classe.
No CIEJA na Rua, a turma de estudantes foi bastante diversificada, porém, foi configurado um grupo fixo de participantes que estiveram mais integrados com o coletivo e propostas ao longo do ano. O grupo foi composto majoritariamente por mulheres e alguns homens que tinham frequência mais regular. Desse modo, todas as atividades estavam abertas às intervenções de alunos diferentes, embora cada uma tivesse um planejamento de começo, meio e fim. Entre os 30 encontros realizados, alguns momentos dessa experiência, aqueles que julgamos mais significativos, foram selecionados para compor este relato.
Nosso planejamento, dessa vez, contemplava três momentos distintos do projeto, que foram recheados com os saberes, as descobertas e necessidades da turma para, a partir da vivência e avaliação dos estudantes, construir um retrato do espaço, propor e provocar uma transformação do mesmo. Eram eles: sensibilização e mobilização; reconhecimento do território e intervenção coletiva.
Dessa forma, nosso plano de voo pôde ser constituído coletivamente, levando em consideração os olhares dos educandos e a possibilidade de que alcançassem mais longe. Decolamos com um pé no chão a que nós, alunos e professores, pertencemos e outro no chão em que gostaríamos de pisar. É nessa travessia que pudemos ensinar e aprender para além dos muros da escola.
Sensibilização e Mobilização
Atividade: Caminhos para escola
Aluna Mariana Silva, módulo III
Foram diversas as propostas em que exercitamos com os alunos o desenvolvimento dos sentidos do tato e audição, por exemplo, para perceber a composição espacial da escola, das ruas, avenidas, do bairro. Esse “aflorar” dos sentidos propiciou também que os estudantes desenvolvessem a habilidade de investigar os lugares por que passavam para além do que viam, muitas vezes também com o olhar automático e desatento.
As duas primeiras atividades do projeto iniciaram com a sensibilização. Pedimos aos alunos que se apresentassem e dissessem de que bairros tinham vindo, quanto tempo tinham demorado em chegar à escola, se vieram de casa ou do trabalho. Muitos disseram que tinham “vindo correndo” e duas mulheres disseram que vieram mais cedo e bastante tranquilas porque naquele horário “não tinha tanto trânsito”. Em seguida, passamos um trecho do filme Baraka, do diretor Ron Fricke, que contrastava paisagens, sons e movimentos entre espaços urbanos e rurais de países orientais e ocidentais bastante diversos. Nosso intuito era provocar o estranhamento e reconhecimento das dinâmicas entre tempo e espaço com aquelas manifestadas pelos estudantes.
Após assistirem ao trecho do filme, pedimos aos alunos que se dividissem em pequenos grupos, comentassem o que tinham percebido de diferente ou o que mais havia lhes chamado atenção. A discussão em grupos menores possibilitou que todos participassem e se expressassem nos debates. Em seguida, os educandos compartilharam as questões mais polêmicas ou recorrentes de cada grupo.
Muitos apontaram que o filme mostrava “muita desigualdade entre os lugares, mas isso não tem jeito”, comentaram que “o tempo parece mais devagar no interior”, que “a cidade parece um formigueiro” e “parece que é tanto barulho que ninguém se ouve”, “todo mundo aqui sabe o que é viver na correria”.
Atividade: Caminhos para escola | Atividade: Pesquisa de Campo – o entorno da escola
As observações dos estudantes foram mediadas por nós, educadores, que procuramos transitar entre aquela consciência ingênua e a crítica [1]. Perguntamos, por exemplo, se aquelas diferenças apontadas não poderiam existir em um mesmo país, cidade ou bairro. Nesse momento, uma das mulheres observou que entre eles mesmos isso era possível, pois “cada um veio de um jeito e de um lugar diferente para escola… uns vieram com pressa e outros sossegados”. Então, observamos que cada aluno tinha um jeito de circular na cidade e ocupava o tempo de forma diferente, mas isso não era assim por acaso, a construção dos espaços, a organização dos tempos, a divisão do trabalho eram realizações humanas e, portanto, culturais. Relacionamos as discussões como o nome do projeto “CIEJA NA RUA”, esclarecendo que pesquisar sobre o nosso entorno e os modos de viver nele poderia nos levar a aprender mais sobre nossa cultura.
Na atividade seguinte, retomamos o nome e intenções do projeto, mas dessa vez através da fala dos estudantes. O grupo já não era o mesmo, muitos alunos voltaram nesse dia, alguns não, outros vinham pela primeira vez. Aqueles que vieram no primeiro encontro apresentaram, então, a ideia do projeto. Disseram frases como “a gente vai aprender o que tem a ver a rua com o que a gente aprende na escola”, que pretendíamos “aprender porque a cidade é desse jeito”. Em parte, as colocações dos alunos atenderam às nossas expectativas. Eles pareciam ter compreendido, afinal, que a escola não trataria de assuntos alheios à realidade, que o projeto se propunha justamente a ser uma ponte entre o conhecimento sistematizado sobre ela e a experiência deles; mas para eles ainda pareciam coisas bem diferentes e mesmo um mistério como seria possível relacioná-las. Complementamos as apresentações e então iniciamos a aula tocando a música “Esquadros”.
Após ouvirem a música, que apresentava imagens recortadas, pedimos que cada aluno destacasse uma delas. Foram várias aquelas apontadas, as mais frequentes eram “vendo doer a fome nos meninos que têm fome” e “os automóveis correm para quê?”. Relacionamos as imagens à passagem do tempo, desigualdade na cidade, ritmos de trabalho etc. Percebemos, então, que a música apresentava várias cenas características do espaço urbano. Relacionamos as cenas apresentadas na música com seu nome e destacamos a fragmentação entre elas. Perguntamos por que ela ocorria e obtivemos respostas ligadas ao ponto de vista de quem cantava e só via as situações “de fora”, sem participar delas. “A moça está na janela de casa”, “está na janela do carro”, “está vendo televisão”. Nesse momento, retomamos o verso “eu ando pelo mundo” e dissemos que as possibilidades apontadas por eles tinham que ser investigadas na própria música, além de diferenciarmos o cantor do compositor.
Aproveitamos para notar porque pensaram na televisão, destacando que era um meio de comunicação que também selecionava, isto é, recortava quadros da realidade para transmiti-los. Associamos essa ideia à expressão “remoto controle”, que escrevemos na lousa. Perguntamos por que aquele termo poderia ter aparecido na música, quais eram seus possíveis sentidos. Após esclarecermos o significado da palavra “remoto”, concluíram que a pessoa não tinha controle total sobre o que ela via “assim como na tevê”, notou uma das alunas.
Diversos outros aspectos foram analisados na música. Após a tocarmos pela segunda vez, notamos as diferenças entre os sons e ritmos do seu início, meio e fim. Um aluno disse que “no final o som vai ficando devagarzinho e mais baixo”, concluíram que isso significava que “ela estava parando de andar”. Destacamos, assim, que a música tinha duas formas de representar a realidade, a linguagem sonora e verbal, notamos que essas linguagens permitiam que as cenas se formassem na nossa imaginação com apenas algumas “pistas”.
Após a análise da música propusemos aos estudantes que representassem, individualmente, através da linguagem verbal ou visual, os pontos que eram mais significativos em seu caminho até a escola. Desta vez, eles seriam os autores e representariam através de uma percepção única suas trilhas. Muitos escolheram desenhar, outros escolheram escrever. As produções foram reunidas ao redor de uma folha que representava o CIEJA. Dessa forma, ao dispor suas produções ao redor da folha, os alunos compuseram um primeiro retrato de nosso entorno, que seria base para nossos próximos estudos de reconhecimento do território.
Reconhecimento do território
As atividades dessa etapa eram promovidas na perspectiva do estudo de campo. Nosso intuito nessa fase do projeto era fortalecer o sentido de pertencimento dos alunos em relação ao território escolar. Acreditamos que para pertencer a algum lugar ou grupo era preciso se reconhecer neles, encontrar algo que os vinculasse ao indivíduo. Ao mesmo tempo, esse sentido de pertencimento seria construído na medida em que aquele lugar fomentasse descobertas sobre ele e para além dele. Dessa forma, após os exercícios de sensibilização, seria possível partir de uma percepção singular para compor o todo, um todo constituído pela experiência e conhecimento sistematizado.
Foi bastante marcante, entre as atividades desse eixo, aquela que nomeamos de “Pesquisa de Campo na Escola”. Essa atividade inaugurava essa nova etapa de nosso trabalho. Após esclarecermos o que era e para que servia uma pesquisa de campo, ela teve início com um desafio: preencher com dados singulares o centro daquele primeiro “retrato” construído na etapa anterior, ou seja, recolher dados que retratassem a nossa própria escola.
Para tanto, dividimos a turma de alunos em três grupos que se revezaram entre três instrumentos de registro sobre o nosso lugar: fotografia, gravador de sons e frotagem [2]
Foi muito interessante notar as diferenças entre os registros de uma mesma técnica, a alegria dos estudantes em manipular os equipamentos (gravadores e máquinas), bem como a originalidade dos enquadramentos que buscavam e reforçavam seu papel autoral. Foi uma atividade prática que mobilizou não só a sensibilidade dos estudantes, como também seu senso crítico sobre o espaço escolar.
Atividade: Pesquisa de campo na escola – coleta de dados Atividade: Elaboração da planta da escola
Em aula posterior, os grupos comentaram como foi a execução dos trabalhos na coleta de dados, expondo dificuldades e reflexões. Colocaram, por exemplo, que ficaram surpresos com o fato de não terem percebido antes algumas características do ambiente escolar frequentado por eles diariamente.
Mostramos, então, aquele primeiro “retrato” da etapa anterior e passamos à sistematização dos dados coletados, visando organizar os registros obtidos. Como atendemos alunos em diferentes estágios de aprendizagem, aqueles que ainda não escrevem com desenvoltura ficaram responsáveis pela identificação das frotagens no verso das folhas. Os demais fizeram as legendas das fotos e escolheram algumas para comentar. Um dos alunos, por exemplo, escolheu uma foto de cadeiras empilhadas num canto e fez observações relacionadas à organização e limpeza da escola. Instigamos os alunos a apresentarem sugestões de intervenção sobre este tema.
Atividade: Pesquisa de Campo no entorno da escola – coleta de dados
Durante a observação das frotagens, alguns estudantes ficaram particularmente interessados por algumas texturas e pudemos conversar sobre a utilização dos diferentes materiais na construção civil de acordo com a funcionalidade, conforto e patologias da construção, observando aspectos como privacidade, acústica, temperatura, circulação de pessoas, entre outros. Dessa forma, a escrita, nesse contexto, assumiu um sentido concreto, com função e objetivos claros para toda a turma. Não foi configurada como a codificação mecanizada e com fim em si mesma, mas sim como uma escrita significativa, que teria leitores e seria instrumento de estudo de todo o grupo.
Na aula seguinte, reunimos os alunos para compartilharem as produções e também apresentar a localização da escola por meio da ferramenta de mapas do Google. Os alunos localizaram a escola no bairro. Aproveitamos para enfatizar no mapa as percepções consideradas importantes pelo grupo. No mapa satélite, por exemplo, percebemos diferentes extensões do espaço verde ou concreto, que pudemos relacionar com o primeiro “retrato” construído pela turma, em que destacavam os poucos pontos verdes que viam no caminho para escola.
Já no mapa cartográfico, reparamos no uso do verde para diferenciar aqueles espaços ou as ruas e avenidas de maior e menor movimento, correspondendo a tons mais fortes e fracos de amarelo. Nesse momento, um aluno observou que ele também tinha usado as cores como espécie de legenda ao realizar as frotagens. “Eu usei o giz verde para frotar as paredes que são verdes e o marrom para janelas, portas e grades” (que são marrons).
Pudemos observar no mapa outros aspectos importantes além das noções de representação. Perguntamos aos alunos onde estavam os rios, por exemplo. Eles notaram que o curso dos rios coincidia com as avenidas de grande circulação. O professor de Geografia esclareceu que as terras foram desbravadas seguindo o curso dos rios, por isso aquelas rotas se tornaram lugares de maior acesso. Observou também que o curso dos rios foi mudando em nossa cidade devido às canalizações que apagaram suas curvas.
Atividade: Pesquisa de Campo no entorno da escola – coleta de dados
Localizamos no mapa, ainda, a direção dos bairros em que os alunos moravam, a leste, oeste, norte e sul da escola. Foi um momento bastante importante, porque muitos alunos não aceitavam que estavam ao sul da escola, por exemplo, “eu moro na zona oeste e não na zona sul”. Então esclarecemos que esses termos eram referências geográficas e, portanto, eram fixas em relação à representação da Terra, mas mudavam de acordo com o ponto referencial.
Essas atividades foram apenas o início de nossa pesquisa de campo. Coletamos alguns dados da escola, investigamos o que eles nos revelavam, estudamos e os relacionamos a outros saberes para então construir um mapa daquele lugar. Esse processo se repetiu, depois, em relação ao nosso entorno.
Atividade: Pesquisa de Campo no entorno da escola – coleta de dados
Percorremos alguns quarteirões ao redor da escola, caminhamos com máquinas fotográficas, gravadores, cadernos, folhas A3 e giz nas mãos. Recolhemos diversos materiais no caminho: folhas de árvores, lixo, texturas, cores e palavras grafitadas nos muros. Esses elementos compuseram, assim, um mapa diferente daquela região e propiciou o reconhecimento mais crítico de nosso território, que passamos a percorrer como pesquisadores curiosos.
Intervenção Coletiva
A partir do mapa do território escolar, delimitado e constituído pelo grupo, os alunos apontaram diversas problemáticas. Elas foram elencadas por eles até escolherem como objeto de intervenção a relação dos estudantes do CIEJA com a produção de lixo e sujeira nas ruas vizinhas, com o despejo das embalagens do lanche no chão. Em todo o nosso percurso pelas ruas havia “pistas” da passagem de nossos estudantes. Na passarela em frente à escola isso era mais visível ainda e incomodou bastante o grupo, pois não há lixeiras no local.
Com a situação-problema nas mãos, era chegada a hora de o grupo intervir naquela realidade. A proposta da intervenção necessitou de três encontros entre a apreciação dos dados que cercavam o problema, levantamento de possibilidades para alcançá-lo, escolha da ação a ser realizada e elaboração de plano de trabalho. Os estudantes propuseram, enfim, uma intervenção silenciosa e impactante. Recolheram as caixinhas de embalagens descartadas em apenas um dia de aula e as perduraram nas árvores em frente à escola.
A intervenção era uma tentativa de chamar a atenção dos outros alunos de maneira inusitada. Assim, eles também poderiam “estranhar” o que viam e refletir sobre sua ação. Essa intervenção foi avaliada pelo grupo após duas semanas de sua realização. Os alunos consideraram que as caixinhas jogadas no chão diminuíram e comentaram sobre a curiosidade dos colegas sobre aquelas penduradas nas árvores.
Uma das estudantes relatou que o projeto a ajudou a perceber melhor seu próprio bairro, ela passou a reparar no lixo em uma rua próxima de sua casa, lixo que já tinha se naturalizado ao seu olhar. Segundo ela, com a experiência da intervenção se sentiu capaz de provocar mudanças, então decidiu procurar o líder da Associação de Moradores de sua comunidade para providenciarem a limpeza do local. Arlinda contou que hoje o auxilia a pensar em estratégias e a vigiar para que as pessoas não descartem mais nada por ali.
O começo do fim ou o fim do começo?
No início do segundo semestre, os estudantes também avaliaram o que não deu certo, o que aprenderam e o que poderiam ter explorado melhor. Identificaram, assim como nós, pistas para os nossos próximos voos. Enquanto educadores, porém, lançamos mão de outras ferramentas para avaliar nossa trajetória. Percebemos, por exemplo, que ao trabalharmos juntos, saindo do conforto de nossas equipes de área ou de ciclo, fomos capazes de integrar melhor nossas ações e de propiciar aos alunos uma vivêcia efetivamente transdisciplinar. Percebemos também que a participação de vários docentes na orientação das aulas nos possibilitou acompanhar melhor o desempenho de cada estudante e dar maior apoio na realização de suas atividades, além da divisão de tarefas ter facilitado o trabalho de registro e condução das aulas.
Notamos, no entanto, que alguns de nossos registros se perderam ao longo do caminho. O Diário de Bordo que usamos para avaliar alguns encontros e a Colheita das Palavras ao final de outros foram práticas menos frequentes do gostaríamos. Nem mesmo nós conseguimos articular um momento específico para escrevermos e avaliarmos cada encontro em meio a outras demandas de nosso trabalho. No entanto, procuramos aumentar nossa comunicação eletrônica, os encontros nos cafés e almoços. Ao mesmo tempo os registros ganharam força na utilização do Blog CIEJA na Rede, em que diversos recursos puderam ser utilizados.
Nossa avaliação foi preponderantemente positiva. Acreditamos que conseguimos fazer com que os alunos se vinculassem mais com a escola, com o grupo, com o saber. É visível o quanto instigamos sua sensibilidade, vontade de aprender, de participar e intervir também em contextos diferentes daquele do projeto. A escrita para nossos estudantes já não é mais motivo de lamento ou tida como “tarefa”, mas como instrumento de nossas investigações. Muitas vezes as mulheres trouxeram nos encontros de sexta alguns textos, palavras e frases que tinham escrito durante a semana pensando nos problemas estudados ou observando as ruas.
Consideramos também que a fala da aluna Arlinda demonstrou uma apropriação de saberes para além de nosso círculo de convivência e que demonstra, assim como outras estudantes, um comprometimento e autonomia no ato de aprender.
Juntamos esses aprendizados percebidos na avaliação do fim do primeiro semestre para começar uma nova fase do projeto em agosto. Seguimos na perspectiva de Milton Santos (1979) de que o território está para além do local, de que o espaço é construído na dimensão das relações humanas. Então, dessa vez nossos olhos estariam mais voltados para as pessoas que faziam parte do grupo, da escola, do entorno, das problemáticas levantadas pelos alunos no primeiro semestre.
Após reiniciarmos o projeto com a sensibilização, exibimos alguns curtas alunos levantaram perguntas sobre diferentes objetos de estudo que, invariavelmente, remetiam os estudantes à posição da mulher na sociedade. Perguntas como “Aquela mulher tinha cinco filhos, por que eles não a ajudavam?”, durante a discussão sobre o filme “Levante sua voz” ou “Por que só mulheres estão catando lixo?”, ao assistirem Ilha das Flores, além da observação sobre nosso próprio grupo e escola, nos conduziram a investigar a
situação das mulheres do CIEJA para aprender mais sobre sua condição na sociedade.
Atividade: Levante sua Voz (curta e debate)
Partimos daquela problemática acerca da situação da mulher na sociedade, daqueles primeiros questionamentos acerca dos curtas assistidos e imagens trabalhadas (vide anexo), daqueles primeiros debates. Algumas hipóteses iniciais do grupo guiaram, então, nossos temas de investigação. Na verdade, esse foi um momento muito rico do segundo semestre, após surgirem as inquietações, os estudantes esforçavam-se em compreendê-las.
Entre as hipóteses que levantavam para responder aos próprios questionamentos, destacam-se aquelas que se referiam mais à esfera de sua experiência familiar ou comunitária, que tomavam forma na elaboração verbal ou escrita e se tornavam mais críticas através do diálogo. Algumas dessas hipóteses partiam do suposto de que aquelas mulheres trabalhavam catando lixo e cuidavam dos filhos sozinhas porque “não tinham marido”, “porque os homens a abandaram”. Questionamos, então, se existiriam obrigações próprias dos homens e próprias das mulheres, quais seriam elas, por que seriam elas vinculadas a cada um, se estariam se modificando. Pouco a pouco, as respostas dos estudantes revelavam que a situação da mulher também era diferente entre as diversas classes sociais, que estariam atreladas à sua entrada no mercado de trabalho, à escolaridade.
É assim que compreendemos, por exemplo, a fala de Dona Rozalina: “As mulheres agora tem que ir à luta atrás do sustento. Quer dizer, naquela foto5 [imagem utilizada em atividade de sensibilização] mostra que sempre tiveram, mas agora não cuidam só da comida e da casa, mas das contas. É mais trabalho. Se bem que só as mulheres pobres, né? Não tem mulher rica naquele lixão, a rica ela vendia perfume”. Em sua fala, Rozalina condensava algumas questões levantadas nas atividades de sensibilização e debate.
A expressão “quer dizer”, como de quem se corrige, revelava que a aluna percebeu que a mulher cumpria a tarefa de buscar e preparar a comida, cuidar dos afazeres domésticos, buscar o sustento há tempos, então, historicamente cumpria uma tarefa na família e na comunidade, um trabalho. Ao mesmo tempo, D. Rozalina revelava sua noção de trabalho e de luta atrelada à mulher rica e pobre, revelava sua própria noção de mulher rica, como aquela que vendia perfumes. Essas noções foram ainda debatidas na sala de aula, todos pareciam ter um “mas” a acrescentar à fala do outro.
O primeiro “mas” à fala de Rozalina surgiu de um adolescente: “Mas aquela Dona do perfume era rica? Não era nada, ela trabalhava. Mas tinha trabalho melhor, mas não era rica. (…) Ela devia ter estudado mais. Minha mãe tem estudo, mas não é rica. Só que ela trabalha também, trabalha em casa”.
“Mas ela tinha trabalho melhor porque tinha marido, filho e casa, tudo certinho. Minha vizinha é até estudada, mas trabalha em casa porque não tem marido, trabalha de faxina. Lá no meu bairro quase não tem isso hoje em dia, hoje em dia as meninas engravidam e quem cuida é a vó e a mãe não quer saber de nada. Pouca gente tem isso tudo certinho.”, rebateu outra senhora. O debate ia, então, sendo conduzido pelas percepções particulares e seu confronto com as ideias expostas por cada estudante. Nesse momento, guiamos a conversa esclarecendo que o filme e as imagens tratavam de situações singulares que representavam um fato geral. Já as falas dos alunos, muitas vezes, eram situações particulares que se relacionavam umas às outras e poderiam revelar também uma situação geral, uma característica, um traço comum à realidade das mulheres.
Esclarecemos que precisávamos partir daquilo que era particular para compreender o que poderia ser geral e vice-versa, assim, questionamos se “ter tudo certinho” como a aluna disse era a característica das famílias ou de poucas famílias, se seria uma característica das famílias “pobres” ou “ricas”, se as mulheres que estudavam mais tinham mesmo trabalhos melhores etc. Enfim, procurávamos fazer com que os estudantes pouco a pouco refletissem sobre o fato conhecido ou vivenciado de forma mais crítica, buscando identificar traços comuns entre suas percepções. Então, discutimos que seria preciso saber mais sobre esse assunto, entender como e por que as mulheres viviam “daquele jeito”, isso seria construir nosso conhecimento sobre o tema.
Interpelamos os estudantes, então, sobre como poderíamos reconhecer os traços comuns sobre as mulheres e por que isso seria importante. Nossa intenção inicial era de que chegassem a pensar em estudar a história da mulher na sociedade e mesmo que percebessem a importância do gênero na organização familiar, comunitária etc. Ou seja, pensávamos, ainda presos à nossa própria formação, que deles pudesse surgir a necessidade de acessar um “conhecimento geral” para “iluminar” os fatos levantados.
Nesse ponto, os alunos, o próprio projeto e a maneira como vinha se desenvolvendo nos propiciaram aprendizado: se nosso objetivo desde o início era vincular o conhecimento ao território onde estávamos, às condições em que vivíamos nele, por que buscaríamos uma “explicação geral” ao dado vivido fora deles, sem antes, de fato, conhecê-lo? “É só perguntar para elas”, disse um dos estudantes. Essa fala nos chamou de volta ao projeto. Precisávamos, então, ir a campo e perguntar às mulheres da própria escola quais eram suas vivências, para então relacioná-las àquilo que pudesse ser “traço geral”. Essa fala do estudante, ratificada por outras “Para saber o que a gente tem de comum é só perguntando”, nos redefiniu nossa expectativa sobre o projeto. “Perguntar como?”, questionamos já cientes de que o estudo dos traços comuns entre casos particulares pudesse tão rico quanto a pesquisa de dados gerais, regionais, nacionais etc. “Tipo quando vão os homens em casa perguntar se tem geladeira, essas coisas”, respondeu o aluno referindo-se aos pesquisadores do IBGE. Fazer uma pesquisa! Uma pesquisa com as mulheres do CIEJA, esse seria, então, nosso trabalho no semestre.
Esse fato foi bastante marcante para nós durante o projeto. A partir dele, pudemos experimentar mais lucidamente o que já sabíamos: nossa formação tende a condicionar o modo como conduzimos as atividades educativas, muitas vezes, a limitando, mesmo quando, de pronto, procuramos inová-la. Pudemos, então, aprender devido à abertura própria do projeto e à participação dos alunos. Aprendemos com eles, de fato, aquilo que pretendíamos ensinar no semestre anterior: olhar com mais estranhamento, desmontar conceitos preconcebidos.
Nesse momento, experimentamos as palavras de Paulo Freire (1987) já mencionadas anteriormente “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. É claro que compreender a história da mulher na sociedade continuava a ser importante, mas ela poderia tornar-se viva na realidade dos estudantes, afinal, desde o início, o Projeto CIEJA na RUA apostara que o conhecimento da experiência poderia ser também objeto de estudo.
Foi assim que chegamos juntos à idealização de um questionário de pesquisa. Dentre as diversas ferramentas que poderíamos utilizar, escolhemos, os estudantes e nós (nessa ordem), a formulação de um questionário que permitiria conhecer mais sobre as mulheres do CIEJA. O questionário era um instrumento diferente daqueles que já havíamos usado para coleta dos dados, porém, bastante rico para o processo de ensino- aprendizagem.
Desde o início, esclarecíamos que o questionário não corresponderia fielmente à realidade de cada mulher ou da mulher brasileira, mas que poderia retratar traços comuns à realidade das mulheres do CIEJA. Explicamos, então, a noção de “amostra” e elencamos os eixos da pesquisa, segundo aquilo que a turma considerava importante saber. Além de abordarmos a objetividade necessária para execução daquela tarefa, passamos a investigar diferentes formas de construir um questionário, com perguntas mais gerais ou específicas, abertas ou fechadas com opções delimitadas pela turma, entre outros. Foram várias atividades para preparar a pesquisa.
Destacamos aqui a atividade em que se elaboraram as questões da pesquisa. Os alunos elaboravam as questões oralmente, numa “tempestade de ideais”, seguindo os eixos determinados pelo próprio grupo anteriormente sobre aquilo o que queriam saber. Perguntávamos, por exemplo “Quais perguntas podemos criar para saber o que as mulheres fazem?”. Então, os estudantes formulavam questões. Uma professora e uma estudante eram escribas da turma.
Colocamos na lousa algumas palavras chaves de cada pergunta criada pelos alunos, para orientar os educandos dos módulos de alfabetização e pós-alfabetização. Nesse momento, perguntávamos aos estudantes sobre como seriam escritas as palavras, quantas partes tinha cada uma, as letras do início e final, a formação das sílabas.
Atentávamo-nos para os dígrafos e interpelávamos os estudantes dos módulos de alfabetização e pós-alfabetização (primeiro ciclo) a participarem da escrita.
Os alunos do segundo ciclo (módulo 3 e 4) intervinham somente quando os do primeiro encontravam mais dificuldades, ainda assim não respondiam os questionamentos, mas auxiliavam os colegas a descobrirem a escrita. Essa atitude não foi solicitada pelos educadores, mas demonstrava, então, que os alunos tinham consciência da aprendizagem que aquela atividade propiciava aos colegas e a si próprios. Ao mesmo em tempo que se reconheciam detentores daquele saber, ao “ensinarem” e auxiliarem os estudantes dos primeiros ciclos a responderem as questões propostas pelos educadores, eles se distanciavam daquele conhecimento, o examinavam de maneira diferente para que pudessem “ensiná-lo”.
Pensamos, então, com a turma, na melhor forma de condensar as perguntas e distribuir aquele questionário. Ao mesmo tempo, nós, educadores, desejávamos que eles participassem ativamente de sua elaboração, formatação, distribuição etc. Desse modo, a pesquisa se tornou também um desafio para nós, que precisávamos pensar em uma estratégia que pudesse integrar todos os alunos do grupo na sua sistematização e produção escrita e, ainda, buscar solução para que as alunas da escola, dos diversos períodos, pudessem respondê-la.
Assim, após algumas discussões da própria equipe pedagógica, chegamos à informática enquanto ferramenta para superação de nossos desafios. Através do computador, seria possível dividir a digitação das perguntas entre os alunos, realizar a pesquisa de questionários semelhantes e sobre o tema, distribuir os formulários de pesquisa e até mesmo sistematizar e divulgar os resultados. Foi deste modo que depois de pesquisarmos e aprendermos, nós próprios, um pouco mais sobre uma ferramenta disponível em um site [3] pudemos, então, utilizá-la nas atividades.
Essas atividades foram desenvolvidas, em grande parte, na sala de informática. Nossa intenção inicial era refletir sobre o questionário de pesquisa que, utilizando a língua escrita enquanto ferramenta de comunicação para coletar os dados considerados importantes pela turma, deveria ser elaborado tendo em vista a leitura das mulheres que o receberiam. Foram duas atividades para escolha das perguntas dentre aquelas
levantadas anteriormente e para a adequação da linguagem.
Apresentamos aos estudantes a alternativa de realizar a pesquisa via questionário “online”, tal como havíamos aprendido. Para tanto, preenchemos com eles o questionário do Movimento Nossa São Paulo [4] sobre quais deveriam ser as prioridades da prefeitura de São Paulo em diversas áreas. Nesse dia, os alunos puderam vislumbrar um resultado semelhante ao trabalho que desenvolveriam. Sentados em duplas de alunos dos ciclos iniciais e finais, os estudantes se ajudavam na leitura, manipulação do computador e respondiam o formulário na internet.
Em aula posterior, dividimos o trabalho de digitação do questionário: digitariam as perguntas os módulos finais, e as alternativas os módulos iniciais. O questionário foi, então, publicado online. Os educadores providenciaram a colocação de um link para seu preenchimento no blog “CIEJA na REDE”. Na atividade seguinte, na Rede apreciamos juntos o resultado do trabalho realizado e as alunas inauguraram a pesquisa com o preenchimento do questionário no blog. Havia, nesse dia, apenas um homem na turma, que fez um comentário sobre a pesquisa no blog.
Divulgamos o questionário na escola, essa já era parte da intervenção: chamar a atenção das mulheres para a importância de conhecer mais sobre sua vivência. Por um período de 1 semana, coletamos 57 respostas das alunas que tinham sido incentivadas à preencher o formulário online. Contamos com o envolvimento de todos os períodos, em que os professores e alunos participantes do projeto divulgavam a pesquisa e conduziam as mulheres interessadas à sala de informática para respondê-la.
O site, automaticamente, sistematizava os resultados, que foram apreciados pela turma do projeto. Tivemos duas atividades que “desvendava” a relação entre aquelas formas de registro dos dados sistematizados e a realidade apreendida por eles. A leitura dos dados também foi, portanto, bastante importante para os alunos.
O projeto iria, aos poucos, se aproximando do final. Os alunos comentaram os resultados e elaboraram uma análise dos mesmos em grupos. Essa análise foi condensada e colocada em uma apresentação em PowerPoint e será posteriormente divulgada no blog. Devido ao tempo restrito que nos restava até o encerramento do projeto (apenas 1 atividade), não foi possível realizar essa apresentação ppt por cada dupla, como havíamos planejado.
Na última atividade, os alunos pesquisaram também o resultado de pesquisas semelhantes sobre as mulheres e realizaram diferentes leituras e registros sobre o tema, de acordo com seu estágio de desenvolvimento.
Destacamos que o uso do computador pelos estudantes foi bastante enriquecedor na aprendizagem, pois puderam se sentir mais incluídos no processo todo, além de apontarem maior facilidade para escrita e correção das palavras “aqui tá tudo pronto”, fala da aluna de alfabetização ao se explicar porque gostava de ter aula na sala de informática. Senhora com idade já avançada, ela possui dificuldade para o desenho das letras e encontrou mais facilidade para escrever no computador.
Entre os resultados da pesquisa com as mulheres, nos chamou bastante atenção o fato de a maioria trabalhar fora de casa, mas de poucas delas conceberem as atividades domésticas enquanto o trabalho. Além disso, 100% delas responderam que pretendem continuar os estudos e grande parte encontra incentivo nos filhos ou amigos.
Os resultados da pesquisa serão utilizados, ainda, no próximo ano de atividades do projeto, pois consideramos que ela não é o final de nosso projeto, mas recomeço de outro, já mergulhado na nossa própria experiência e aprendizados, nossa e a dos alunos, que poderão ganhar novas companhias no próximo ano.
No segundo semestre, pudemos, então, trazer a vida das mulheres nas ruas, nas casas, no trabalho para dentro da escola e levar dos aprendizados construídos na escola outra leitura para sua vida na rua. O tempo foi nosso inimigo e também nosso aliado, se por um lado não pudemos intervir mais na realidade através dos dados que coletamos, coletamos dados para muitas intervenções e acumulamos saberes inestimáveis sobre o tempo de aprendizado dos próprios estudantes, que orientava a todo o momento a reorganização das atividades para aquém ou além do que planejávamos.
Inspirados em Guimarães Rosa, sabemos que “o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando” [5]. Por isso, acreditamos que ainda há muito que pesquisarmos junto com nossos alunos, muitas outras escalas serão necessárias para fortalecermos nossos voos, empreendermos consertos, rever rotas. No entanto, se as pessoas não foram terminadas, tampouco foi o nosso lugar ou mundo. Depositamos no projeto a esperança de que os jovens e adultos possam sobrevoar nosso território e continuar mudando conosco. Nosso trabalho não acabou. Ainda existe bastante coisa que ele nos reclama a fazer, nos impulsionando a seguir voo firme mais adiante.
ANEXOS
Material utilizado no PROJETO CIEJA na RUA
Quadro 1 – Plano Geral do Projeto CIEJA na Rua
PLANOS DE AULA
Atividade 1- Sensiblização
Semestre 1- Apresentação do Projeto: outro olhar para a cidade
Semestre 2- Retomar o Projeto: outro olhar para as pessoas
Apresentação
O primeiro dia de atividade, além de apresentar os objetivos e estratégias do curso, pretende sensibilizar o olhar dos estudantes para a configuração espacial de diferentes cidades do mundo, para a relação entre as pessoas, o seu ritmo de vida, as formas de trabalho, as diferentes paisagens.
Semestre 1: Apresentação do Projeto: outro olhar para a cidade
Utiliza-se um trecho do filme Baraka (de 00:42’ a 00:59’), documentário experimental de Ron Fricke, que apresenta através de fragmentos paisagens e situações que retratam as relações humanas e sua intervenção no mundo. Nesse sentido, essa atividade trata não somente da apresentação do curso, mas da construção de um ambiente propício ao diálogo, à crítica e à curiosidade.
Semestre 2: outro olhar para as pessoas
Utiliza-se o documentário A Ilha das Flores, para relacionar a utilização dos espaços com as relações sociais. Faz-se uma relação entre o espaço e o tema da intervenção realizada no primeiro semestre (lixo nas ruas do entorno), com intuito de despertar maior crítica da turma para as causas do problema abordado no primeiro semestre e os efeitos da intervenção realizada no cotidiano das pessoas.
Objetivo
- Apresentar o Projeto;
- Promover a integração do grupo e seu interesse em participar do projeto;
- Levantar perguntas e temas de interesse para estudo do território;
- Provocar o estranhamento ao próprio cotidiano a partir de referências diversas.
Metodologia
Após a apresentação dos alunos e educadores, a atividade tem início com o questionamento sobre o nome do projeto – CIEJA na Rua. Através dos apontamentos do estudante, apresenta-se a possibilidade de que a escola ultrapasse os limites de seus próprios muros, para reconhecer, no espaço em que se insere, novas formas de aprendizado.
Dessa maneira, apresenta-se a possibilidade de aprender através da observação curiosa, investigativa, itinerante e atuante, de maneira que aprender e ensinar possam ser práticas significativas e encontrar meios de desenvolver a relação de pertencimento aos territórios, propiciando também a intervenção dos sujeitos nos mesmos.
Após a apresentação do projeto, é exibido um trecho do filme/documentário que apresenta, entre outros temas, a diferença dos ritmos de vida, as comparações entre paisagens, formas de trabalho e linguagens. Após a exibição do filme, divide-se a turma em grupos menores. Cada grupo deve formular questões que se referem tanto às temáticas, como às linguagens utilizadas no filme, como forma de apresentar não somente o tema, mas de que forma ele é apresentado.
As questões devem ser debatidas nos grupos menores e expostas na roda ao final do tempo estimado. A exposição das discussões dos grupos na turma amplia as relações entre as questões propostas e a percepção da realidade da escola, da rua, do bairro, da cidade.
Encerra-se a aula com o convite para os estudantes retornarem no próximo encontro do projeto e trazerem mais colegas para participação.
Atividade 2 – Sensibilização
- Semestre 1: Olhar para os trajetos à escola
- Semestre 2: Olhar para os sujeitos da escola
Apresentação
Essa atividade trabalha com diferentes linguagens: sonara, visual e verbal. Através delas, pretende-se ampliar a percepção dos estudantes para os espaços que percorrem no dia-a-dia em seu trajeto para escola. Trata-se de um primeiro ensaio do mapeamento, com que se pretende demonstrar a possibilidade de usar uma ou mais sentidos para perceber e representar um espaço ou relações sociais.
Objetivo
- Desenvolver a percepção sobre os espaços e pessoas através da utilização de diferentes sentidos;
Metodologia
Semestre 1: Como estímulo inicial para a atividade do dia, ouve-se a música Esquadros, de Belchior. Em seguida são levantadas as observações do grupo para interpretar a canção. Os educadores procuram ligar essas interpretações à vivência da oficina anterior do projeto. Após várias discussões sobre as diferentes formas de ver e olhar, é proposto aos alunos que elaborem uma espécie de mapa de sua trajetória até a escola da forma como os tenham na memória. Eles podem utilizar diferentes linguagens para realizar o mapeamento: desenho, escrita, colagem, entre outras.
Semestre 2: Após assistir ao documentário “levante sua voz”, divide-se a turma em grupo menores e pede-se que formulem perguntas que o filme provoca, bem como produzam algum registro de como comunicariam o retrato que fizeram da escola no semestre anterior. As perguntas e comunicações são, então, partilhadas e procede-se à seleção dos espaços/temas que serão estudados no segundo semestre.
Avaliação
A avaliação possui como instrumento o diário de bordo e palavras coletadas.
Atividade 3 : Reconhecimento do território
Mapeamento: coleta de dados
Apresentação
Essa é uma das atividades práticas do projeto, que além de promover a experimentação de técnicas
artísticas, instiga o estranhamento do olhar dos estudantes sobre os espaços escolares. Dessa maneira, pretende-se obter registros singulares e significativos sobre eles, de modo que possibilitem a reflexão e construção coletivas de um mapa da escola, além de escolher com o grupo o instrumento de coleta de dados que melhor atende à pesquisa do espaço/tema selecionado.
Objetivo
- Sensibilizar o olhar do estudante para a percepção dos espaços escolares de forma mais crítica;
- Coletar dados sobre os ambientes escolares através da utilização de registros diversos, inclusive através de linguagens artísticas.
- Relacionar os instrumentos de pesquisa aos objetivos do grupo.
Metodologia
Semestre 1:
Apresentam-se três técnicas para registro dos espaços escolares: fotografia, frotagem e gravação, que privilegiam o uso da percepção visual, sonora e sensorial, respectivamente. A turma é dividida em grupos menores, que escolhem uma técnica de registro para iniciar a execução da proposta. No entanto, todos os grupos utilizam as três técnicas, cujos instrumentos são usados em forma de rodízio entre eles. Os estudantes são orientados a registrar lugares, superfícies e sons que mais lhes chamem a atenção ou possam melhor representar os diferentes espaços escolares. Nesse sentido, é possível obter dados mais objetivos e subjetivos sobre o espaço. Após a coleta dos dados através das três técnicas explicitadas, os grupos comentam como foi a execução dos trabalhos, expondo dificuldades e reflexões dos estudantes. Nesse momento, recolhem-se os registros realizados. No final da aula, pede-se aos estudantes que façam um rodízio para registrarem no diário de bordo o que ocorreu naquele encontro e como ele foi. Pede-se também que cada um escreva em papeletas uma palavra que condense o que o encontro representou.
Semestre 2:
No segundo semestre, os estudantes já possuem um retrato do espaço estudado e podem optar por aprofundá-lo ou abordar aspectos ainda não estudados. Desse modo, a coleta de dados deve partir das perguntas formuladas pelo grupo na atividade 1 e 2 em que avaliam o mapa produzido no semestre anterior. Dessa maneira, eles devem pesquisar e selecionar os instrumentos de coleta de dados que mais atenderão seus objetivos.
Avaliação
A avaliação possui como instrumento o diário de bordo e palavras coletadas.
Atividade 4 – Intervenção
Sistematização de propostas de intervenção
Apresentação
Nessa atividade os dados coletados e respectivos estudos são avaliados pela turma com o intuito de hierarquizar as problemáticas estudadas segundo interesse do grupo, levantar e eleger propostas de intervenção.
Objetivo
- Promover a interpretação dos dados coletados;
- Incentivar a seleção e organização dos temas abordados pela turma;
- Buscar soluções e organizar propostas de intervenção;
Metodologia
O material sistematizado pelo grupo durante o curso deverá estar disponível a todos. Solicita-se ao grupo que agrupem os materiais segundo critérios próprios. Segue-se à análise dos critérios utilizados para listar na lousa os temas e/ou lugares apontados. Após dividir a turma em grupos menores pede-se que listem em ordem de prioridade os temas e/ou espaços sobre o qual consideram relevante agir para modificar o retrato encontrado. Após a realização dessa tarefa, apresentam-se as prioridades dos grupos verificando o tema e espaço mais recorrente. Segue-se com a criação de propostas para intervenção, que serão analisadas e eleitas na atividade seguinte.
Avaliação
Essa atividade será avaliada pelos registros do Diário de Bordo e funcionalidade para a atividade subsequente.
Letra da música utilizada na Atividade “Caminhos para escola”
ESQUADROS
Autoria: BelchiorEu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de almodóvar
Cores de frida kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca, Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome nos meninos que têm fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê? As crianças correm para onde? Transito entre dois lados de um lado Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto pra quem? Pela janela do quarto Pela janela do carro Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?) Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle
Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê? Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado
Pela janela do quarto
Pela janela do carro Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Imagem utilizada no 2º Semestre- sensibilização
Releitura de “As Respigadeiras”, de Millet.
Fonte: http://dmusicalizando.blogspot.com.br/2011/02/realismo.html
Leia também:
- [1]Usamos aqui as reflexões de Paulo Freire acerca da consciência ingênua e crítica. ↩
- [2] A palavra “frotagem” é de origem francesa: “frottage”, deriva de “fotter”, esfregar. Frotagem consiste na técnica de colocar uma folha de papel sobre alguma superfície e esfregar lápis ou giz para gravar texturas. Auxiliou o mapeamento, pois registrava diferentes materiais usados na construção da escola e das casas, que se relacionavam a noções de conforto, estética e acessibilidade em termos econômicos. Comparou-se, por exemplo, o uso do “chapisco” em paredes com o uso de pedra sabão ou ardósia, sendo possível discutir a origem e caminho desses materiais para a cidade, seu custo/benefício etc. A técnica também ajudou a demarcar defeitos nas construções como rachaduras ou buracos. ↩
- [3] Google possui a ferramenta “Google Docs” que, entre outros recursos, disponibiliza modelos de formulário para pesquisa, link para seu preenchimento online, sistematização automática dos resultados (com gráficos, inclusive). ↩
- [4]Ao mesmo tempo em que vislumbravam uma possibilidade de realizar a pesquisa via questionário online, os alunos participavam de uma inciativa que, assim como eles, fazia uma consulta pública sobre a percepção da realidade pela população que serviria para intervir nela. A consulta pública esteve disponível no site do Movimento Nossa São Paulo http://www.vocenoparlamento.org.br/↩
- [5]Rosa, Guimarães. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.↩