Autora: Márcia Messias Fernandes
Orientadora: Prof.ª Mestre Marineide Lago Salvador dos Santos
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO
- 1 – UMA ABORDAGEM SOCIOECONÔMICA GLOBAL
1.1. Educação e emancipação
1.2. Alternativa solidária
1.3. Globalização e alienação - 2 – ALFABETIZAÇÃO NUMA PERSPECTIVA DIALÉTICA
2.1. Sensibilização, História e Memória
2.2. Conscientização do operário
2.3. Uma relação dialética - 3 – ALTERNATIVAS PARA A QUALIDADE DE VIDA: FORMANDO CIDADÃOS.
3.1. Relato de atividades
3.2. Alternativas para a qualidade de vida
3.3. A solidariedade por meio da agroecologia - 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 5. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
- 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- APÊNDICES
INTRODUÇÃO
Esta monografia teve o propósito de inquietar o universo que habitamos por meio de perguntas, contextualização e questionamentos é buscar conhecer e transformar o mundo, promovendo social e economicamente a comunidade local a partir da economia solidária, com qualidade de vida e, principalmente, com o desenvolvimento dessas idéias entre os jovens e adultos. Na sociedade há uma sobrevalorização do individual sobre o coletivo, uma competitividade egoísta e maléfica entre os seres humanos. Fruto da globalização seu resultado é perverso. Por isso, os trabalhos realizados em grupo e coletivamente são tão importantes. Dessa forma, a educação, ligada a princípios da economia solidária voltada para a qualidade sócio-econômica da comunidade local (Cf. Apêndice I, pág. 46). Deve contribuir para a formação dos docentes no sentido de educandos: compreensão da realidade; questionar essa realidade; propor soluções; interpretar e atuar na sociedade e no mundo com o objetivo de transformá-lo. Só assim o desenvolvimento do conhecimento ocorre de maneira múltipla, variada, coletiva e social.
Durante as aulas do curso em especialização em Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária na UFABC, ficou constatado que os empreendimentos se apresentam como alternativas para a melhora sócio-econômica e das gestões democráticas tanto locais quanto globais. Acreditamos que as decisões e conscientizações são compatibilizadas entre os seres humanos de maneira integral e assumem, assim, responsabilidades conjuntas. Desse modo, a alienação do valor capital/trabalho é diminuída, se não excluída, consideravelmente.
Projetos da EJA-ECOSOL voltados para a economia solidária foram analisados e também apresentados aos alunos e alunas da Educação de Jovens e Adultos – EJA, no decorrer do ano letivo de 2011 no Pólo Educacional de Santo André – Estado de São Paulo.
Com o objetivo ligado ao ser humano e não ao lucro, apresentamos aos educandos possibilidades de um novo mundo possível aqui na terra. Outro sistema sócio-econômico com crescimento sustentável só é de fato valorizado se estiver relacionado ao todo, isto é, à natureza e aos seres vivos, animal e humano. É dessa maneira que foram priorizados os meios que valorizam a qualidade de vida.
Nos tempos hodiernos em que a crise do sistema mundial, ou seja, o capitalismo está mergulhado numa crise financeira sem proporções na história desse modelo, faz-se necessário apresentarmos nesta monografia subsídios relacionados a economia solidária e a educação de jovens e adultos como alternativa para a melhora de vida dessas classes sociais.. Afinal, esse deve ser um dos papéis fundamentais de toda educação crítica. Em oposição à ditadura do mercado, pretendemos contribuir com uma sociedade pensante que questione imposições vindas de fora. O uso racional dos recursos fornecidos pelo meio ambiente é fundamental para termos um mundo equilibrado social e “naturalmente”. Para o professor Henrique Rattner, da Universidade de Economia e Administração – FEA/USP:
Vivemos o apogeu de expansão voraz do capitalismo dos oligopólios, dos conglomerados e da especulação financeira, cuja penetração subverte corações e mentes de jovens e adultos; homens e mulheres; trabalhadores e intelectuais; e, sobretudo, dos homens de negócios. No contexto de uma era marcada pela marcha vitoriosa da economia de mercado, qual seria a relevância do discurso e da prática de uma economia solidária? (RATNNER, Henrique. Economia solidária – por quê? Apud. Le Monde Diplomatique, Desafios da Economia Solidária, São Paulo, 2008, p. 53).
Essa resposta deve partir da análise do próprio sistema capitalista, sua gênese e desenvolvimento, suas crises e fases prósperas são relevantes para a compreensão e para a transformação desse modelo econômico. Sua distinção entre sua aparência e sua essência se faz necessário. A sociedade do consumo segue em ritmo alucinante nunca antes visto na história.
A proposta de transformar o modelo econômico passa pela transformação das mentes dos criadores – os seres humanos no espaço e no tempo. Uma economia popular solidária é uma utopia possível, pois podemos ver vários projetos serem desenvolvidos e concretizados em diversos espaços sociais pelo mundo. É um avanço e também emancipação dos proletariados quer inegavelmente tende a passar pela educação.
Sendo assim, foi necessário executar trabalhos, ao longo do ano letivo de 2011, referentes a ação e educação transformadora do ser e da sociedade como um todo (Cf. Apêndice III, p. 63).
A relação entre educação popular e economia popular se faz relevante. Para o educador, pensador e professor Paulo Freire (2002, p. 92)
É como seres transformadores e criadores que os homens, em suas permanentes relações com a realidade, produzem, não somente os bens materiais, as coisas sensíveis, os objetos, mas também as instituições sociais, suas idéias, suas concepções (FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, São Paulo: Paz & Terra; 2002 92).
Sendo assim, abrem-se perspectivas para uma economia solidária num universo de incertezas do capitalismo. Crises financeiras globais se tornaram globais. Segundo Paul Singer (2002, p. 114):
A economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia os membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar. Ela poderá ser o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma alternativa superior ao capitalismo. Superior não em termos econômicos estritos, ou seja, que as empresas solidárias regularmente superariam suas congêneres capitalistas, oferecendo aos mercados produtos ou serviços melhores em termos de preço e/ou qualidade. A economia solidária foi concebida para ser uma alternativa superior por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras etc. uma vida melhor (SINGER, Paul. Introdução á economia solidária. São Paulo: Perseu Abramo; 2002 114).
Destarte, a Educação de Jovens e Adultos está direcionada á classe popular, daí que as condições de trabalho, escolaridade e vivência dessa realidade exige sensibilidade e competência teórico-metodológica dos Professores e Professoras da EJA. Para os Professores Moacir Gadotti e José E. Romão (2011, p. 21),
Uma destas exigências tem que ver com a compreensão crítica dos educadores do que vem ocorrendo na cotidianedade do meio popular. Não é possível a educadoras e educadores pensar apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos populares. Os próprios conteúdos a serem ensinados não podem ser totalmente estranhos àquela cotidianedade. O que acontece, no meio popular, nas periferias das cidades, nos campos – trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se para rezar ou para discutir seus direitos -, nada pode escapar á curiosidade arguta dos educadores envolvidos na prática da Educação Popular (GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José E. Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. São Paulo: Cortez; 2011 p. 21-22).
Com esse ponto de partida, esta monografia foi estruturada em três capítulos: o primeiro Uma abordagem sócio-econômica e solidária, pretendeu contribuir para a formação e ampliação do conhecimento cultural dos docentes e educandos em relação à economia solidária na Educação de Jovens e Adultos – EJA. Incentivá-los numa nova cultura, num processo transformador da sociedade foi nosso objetivo preponderante. Despertar novas oportunidades de vida, de trabalho, educação e participação na conquista da cidadania por meio da compreensão crítica da sociedade local e global; Em seguida o segundo capítulo: Alfabetização Dialética foi uma abordagem que levou em consideração a herança cultural e a memória social dos nossos educandos com o objetivo de resgatar o passado desses personagens históricos. Dar vida ao passado e com isso aos nossos alunos por meio de suas experiências de vida contextualizando em sala de aula o cotidiano dos trabalhadores no chão das fábricas. Seus modos de agir e sentir são exteriores e dotados de poderes que os oprimem. Porém, dar voz aos personagens é considerá-los também seres pensantes e transformadores da realidade local e global; Por último no terceiro capítulo: Alternativas para a qualidade de vida – formando cidadãos, os trabalhos desenvolvidos em sala de aula com os educandos da EJA foram contextualizados democraticamente e, consequentemente, sugeriram acerca de preconceitos, discriminação, racismo, desigualdade social e econômico utilizamos como ferramentas filmes, documentários e textos que serviram para aprofundar as discussões sobre o tema conforme estão expostos no apêndice ao final do trabalho (Cf. Apêndice 2, p. 59).
1 – UMA ABORDAGEM SÓCIO-ECONÔMICA GLOBAL
1.1. Educação e Emancipação
Defendemos a metodologia de que é válido supor que o planejamento de um processo de ensino na educação de Jovens e Adultos deve partir de um projeto bem elaborado para atender as necessidades da sociedade local. Isso implica em ações pedagógicas fundamentadas em critérios que orientem o que o aluno deve aprender, como e quando aprender, de que forma a organização do ensino é mais eficiente para o processo de aprendizagem e como e quando avaliar o aluno. Pois, consideramos a educação desses atores nos termos da Plataforma da Educação para cidadãos trabalhadores, Conselho de Escolas de Trabalhadores (1995, p. 3) que relata o:
Processo pelo qual as novas gerações passam a compartilhar das técnicas, conhecimentos, relações e valores que lhes permitem participar da vida social de sua cultura, sociedade, cidade. O trabalho é a característica fundamental da Cidade. Pois as cidades são construídas a partir do trabalho constante e ininterrupto das longas cadeias de gerações de mulheres e homens. A participação no trabalho, entendido como ação criativa, construtiva, mantenedora e transformadora de todas as dimensões da Cultura humana, é a condição básica ao exercício da cidadania: pois o trabalho é que cria os modos e as condições do bem viver – a cultura – de cada cidade (Idem Ibidem).
Desse modo, é imprescindível considerar a diversidade da comunidade escolar com um currículo flexível e com adaptações em seu conteúdo.
Na comunidade local há necessidades especiais que abrangem desde pessoas que apresentam dificuldades de escolarização, decorrentes de situações sócio-econômicas e culturais, a pessoas com todo tipo de deficiência.
Assim, por meio de um enfoque bibliográfico e práticas propusemos aos Docentes a possibilidade de implantação junto aos educandos, de uma economia solidária como alternativa para a melhora da qualidade de vida. Possibilitando e vivenciando modelos de interação que os Professores e Professoras da EJA não costumam ter em outras escolas. Desse modo, favoreceremos seu desenvolvimento econômico, intelectual, social e pessoal.
A divulgação de materiais, trabalhos e pesquisas político-pedagógicas contribuem com a criação de fato de uma economia solidária. Os ambientes escolares são transformados e acessíveis, pois são mais humanizados, socializados, democráticos e acolhedores do Outro, antes de iniciar os trabalhos com os discentes.
Nosso objetivo é garantir aos alunos e alunas a participação de todos, tanto na escola quanto na influência da sociedade, sem discriminação. Portanto, esses princípios humanitários, baseados como alternativas para a qualidade de vida, podem permitir aos profissionais da educação, e também à sociedade civil e ao poder público, compreender melhor os conceitos de economia solidária e promover a inclusão desenvolvendo projetos político-pedagógicos verdadeiramente socializados e democráticos. Consideramos, dessa maneira, importante esclarecer aos docentes: 1) princípios em Economia Solidária e viabilidade na Educação de Jovens e Adultos; 2) uma economia solidária como ciência social e humana por meio das trocas e relações econômicas da comunidade local; 3) o universo cultural da comunidade local ampliado com base em análise bibliográfica e projetos voltados ao tema proposto.
A ampliação do conhecimento dos docentes e educandos em economia solidária valorizam suas relações sociais e experiências pessoais e contribui com a melhora e qualificação dos alunos da Educação de Jovens e Adultos. Assim, colocar esses alunos e alunas no centro do processo transformador e gerador de novas oportunidades de vida, qualificação e cidadania contribuem como papel estratégico junto à comunidade escolar.
Também comungamos da opinião de que é preciso certa autônoma didática como princípio que valorize o ser humano. Destarte, para uma economia solidária cidadã é fundamental autonomia como método didático que só se realiza por meio de uma estrutura social e econômica que esteja relacionada com a política didático-pedagógica e metodológica que favoreça o autogoverno, trabalhos em equipe e em cooperação.
Desse modo, esta monografia pretende contribuir no sentido do exercício do poder de pensar das alunas e alunos da EJA, formar um ser argumentador que pense a realidade social interdependente com ela. E, assim, a economia solidária para a melhoria da qualidade de vida desta população local é uma proposta que dá relevância à autonomia e, considera a sugestão de estratégias que venham a promover um pensamento sobre a realidade, aprender a pensar, criticar, concluir e antecipar. Portanto,
Uma educação capaz de construir o processo de tornar-se cidadão, isto é, um processo voltado à formação de sujeitos sociais participantes do exercício e usufruto do trabalho, da geração e uso dos conhecimentos, e do exercício da responsabilidade de Governo sobre a sua cidade (Idem Ibidem, pág. 4).
Consideramos que refletir e discutir sobre a sociedade, a realidade e as questões políticas e pedagógicas é pensar com os outros. A autonomia, a independência, a democracia e a inclusão são princípios didáticos que supõem o desenvolvimento de uma competência para ensinar. Todo processo ensino-aprendizagem na escola que busca desenvolver uma economia solidária deve ser significativo, isto é, ter significado, desejo, trabalho, comprometimento, responsabilidade e complementaridade entre a parte e o todo. Ou seja, estudantes, professores e comunidade.
Também consideramos fundamental a organização física da escola. A gestão da sala de aula e a competência relacional entre o Corpo Docente e o Discente também são importantes para o bom resultado da melhora da qualidade de vida da sociedade local. Portanto, esperamos contribuir para a formação do ser humano na construção de um mundo de dimensões materiais e intelectuais, através da experiência e da reflexão adquiridas com a autonomia. Uma formação emancipadora do educando da EJA que age e interage na sociedade e tendo a Ecosol como alternativa.
1.2. Alternativa Solidária
A lógica do mercado liberal com sua ética da “mão invisível” que controla o mercado e a sociedade, que desde seu fundador Adam Smith (1776), em seu livro Riqueza das Nações, vem dominando o mundo globalizado demonstrou ser na realidade um modelo falido. Esse modelo hegemônico exclui o ser humano ao invés de incluí-lo na sociedade, pois, o que prevalece é o lucro do capital sobre o valor do trabalho e do ser humano.
Por isso, propomos uma alternativa a essa sociedade de livre mercado com a introdução da economia solidária como fone de qualidade de vida. Desse modo, faz-se necessário transgredir essa ética que resultou em desemprego em larga escala, formou um exército de reserva e, consequentemente, milhões de pobres e miseráveis por todo o globo. Portanto, a economia solidária é uma alternativa a esse castelo de areia construído pelos teóricos neoliberais.
É desejável para a formação de um Corpo Docente que atua na EJA a compreensão, a interpretação, e a análise crítica como alternativa para a transformação social e econômica local e global. Demonstrar que a ética universal do ser humano não é a lei de mercado, que acarretou em desemprego, desesperança e miséria, mas a ética que leva em consideração o apreço, isto é, respeito e consideração pelo outro. Como defendia Paulo Freire (2000), é preciso criticar e recusar a educação bancária que faz do educando um ser passivo diante da sua realidade, e inverter esse conceito de educação é instigar no ser humano seu espírito crítico.
Consideramos a economia solidária capaz de aquecer o mercado interno e contribuir assim para o desenvolvimento econômico e distribuição de renda. É fundamental proteger empregos e renda. Uma economia solidária leva em consideração o mercado interno e também mantém o poder de compra dos cooperados. Além de ser uma justiça social a economia solidária também é um instrumento que garante o desenvolvimento sustentável, econômico e igualitário. Em contraposição às teorias macroeconômicas mastigadas pelo mercado, a economia solidária pode superar e permitir que a comunidade local possa construir sua própria agenda, transpor desafios e estruturas (Cf. SINGER, 2002).
Entretanto, a realidade educacional da população brasileira é triste. Segundo a Secretaria de Educação, Diretoria de Educação Técnica e Orientações Curriculares, a expectativa de aprendizagem para Educação de Jovens e Adultos, segundos dados referentes ao ano de 2008, há desigualdades sociais e econômicas no país. O Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional – INAF elaborado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa apresentou os seguintes números: 26% da população brasileira entre 15 e 64 anos de idade são plenamente alfabetizados; 30% têm nível rudimentar. Desses números, 33% são da classe C; 64% das classes D/E. Somente 6% utilizam o computador etc… Desse modo, o nível escolar dos cidadãos e cidadãs apresenta correlação com a organização social. Pois, a escolaridade é fundamental para a empregabilidade e renda.
A mudança da estrutura produtiva e do mercado de trabalho, a globalização da economia e a acumulação do capital são fatores que resultaram em um processo produtivo dinâmico e complexo.
Em constante mudança decorrente do desenvolvimento da tecnologia e busca da competitividade tendem a aumentar a importância da escolaridade. Porém, a ampliação da oferta da escolaridade fez ampliar o processo seletivo e ser escolarizado é condição para se manter no emprego.
Portanto, é relevante compreendermos as características sócio-culturais e econômicas dos educandos, suas competências e desafia-los como sujeitos históricos na mobilização de recursos, numa situação de problematização que favoreça suas decisões, objetivos e metas. Enfrentamento de situações-problemas como estas são comuns na sociedade discriminadora. Por isso, nosso desafio é propor aos docentes subsídios que favoreçam a qualidade de vida. Sabemos que nossos educandos são jovens e adultos que chegam de áreas rurais empobrecidas, filhos de trabalhadores rurais sem estrutura econômica e desqualificados para o mercado de trabalho. São esses seres humanos que buscam tardiamente a Educação de Jovens e Adultos, após serem explorados como mão de obra barata nos grandes centros metropolitanos, percebe que é preciso um nível maior de escolarização para não permanecerem mesmo na informalidade.
Sabemos no dia-a-dia da sala de aula da EJA que nossos alunos e alunas são pessoas que vivem com um pé no universo pretérito e outro no futuro. Apesar de iniciativas, tímidas é verdade, de melhoria, grande parte desses trabalhadores e trabalhadoras ainda se caracteriza por jornadas exaustivas, más condições de higiene e de moradia e pouca qualificação. E o processo de desenvolvimento tecnológico e mecanização em curso elimina cada vez mais mão de obra contribuindo para a formação de um exército de reserva. Esses fatores contribuem para as alterações nas rotas migratórias Para o Padre Antônio Garcia Peres (2011, p. 13), a defasagem educacional força o trabalhador para qualquer tipo de trabalho. Este é obrigado a aceitar as condições impostas pelo dono de capital. “Esse é o grande drama da mão de obra rural do Brasil” (PERES, APUD. Revista do Brasil, nº 59, 2011, p. 13). Esse modelo de sociedade e economia deve ser transgredido, pois, já é de conhecimento que apesar de lucrativo, as condições de trabalho impostas ao proletariado são péssimas e insalubres no capitalismo.
Reportagem da Revista do Brasil sobre a rota de migração Maranhão-São Paulo, os trabalhadores saem do município de Timbiras, com cerca de 30 mil moradores, situado a 300 quilômetros de São Luís, três a cada quatro famílias possuem um membro retirante para trabalhar na construção civil, corte de cana ou soja. Cerca de 30% seguem para São Paulo por falta de oportunidades nesse local onde predomina a cultura do arrendamento, expansão da soja e eucalipto que exerce forte impacto na agricultura familiar, isto é, uma região de latifúndio tradicional. Em uma passagem citada no Livro Vozes do Eito, da pastoral do migrante,
Em pleno dia de folga a usina (de corte de cana) ofereceu 100% (benefícios). Ficamos sem descanso, mas ganhamos um pouco mais. É que a gente fica pensando nas dívidas que tem, e na família que está também na precisão e tão distante, que a gente faz qualquer sacrifício (Revista do Brasil, São Paulo nº 59, maio de 2011, p. 14).
Para Palácios (1995, p. 315), em sua abordagem psicológica a respeito do desenvolvimento do ser humano percebeu que depois da fase adolescente há uma estabilidade, ou seja, os adultos têm resistência quanto a mudanças. Este autor dá ênfase na relevância dos fatores culturais e nas características da vida adulta, pois, o ingresso no mundo do trabalho e a constituição de um núcleo familiar são fatores estruturais do conservadorismo. Para Martha Kohl Oliveira (1999: 59-73) são relações históricas, culturais e sociais inerentes e interdependentes entre si. Também a linguagem é um obstáculo à aprendizagem. Compreender os projetos propostos em economia solidária, suas instruções e parte escrita são problemas que o corpo docente deve levar em consideração. Desse modo, temos que observar esses pressupostos para não desencadearmos outra forma de exclusão dos educandos da escola em razão dos projetos propostos.
O discurso etnocêntrico dos donos do poder se faz e refaz no espaço e no tempo por meio das Ciências, principalmente ao final do século XIX, para justificar o neocolonialismo como um todo. Um discurso evolucionista da Antropologia em torno do homem primitivo que não teria alcançado o estágio do homem civilizado. Devido a esse discurso ideológico, que penetrou em diferentes processos sócio-culturais e de diferentes grupos sociais, colocamo-nos em contraposição a esse pensamento hegemônico. Pois, as pesquisas desenvolvidas na área da Psicologia Antropológica apresentam uma variedade de modos de vida, crenças, teorias, artefatos culturais e criações artísticas em oposição à teoria e ideologia de que há seres humanos “superiores” e “inferiores”. Destarte, foram propostos aos nossos educandos e educandas da EJA de Santo André, durante as aulas ministradas ao longo do ano letivo de 2011, trabalhos e apresentações referentes a arte como libertária e alternativa de vida, assim como a economia solidária (Cf. Apêndice 1, p. 46).
1.3. Globalização e Alienação
Para o pensador Paulo Freire, em sua obra Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa o autor defende a idéia de que é preciso desenvolver uma resistência ao comodismo, ao anestesiamento que são resultantes da sociedade capitalista. A sociedade de mercado continua o autor, deve ser combatida assim como o individualismo a – social.
Desse modo, concordamos com Paulo Freire e consideramos que é preciso propor uma alternativa a esse sistema sócio-econômico globalizado. Ao despertarmos o espírito investigativo, crítico e social nos nossos educandos da EJA estaremos transformando a curiosidade em epistemologia. Ou seja, desenvolvendo a análise crítica pelos alunos e alunas. Portanto, é dever da Educação – e, claro, dos Docentes, dar condições para que os alunos e alunas interajam na sociedade como atores e autores sociais e históricos. Pensar, comunicar, transformar, criar e realizar sonhos são conceitos inerentes ao ser humano. Destarte, uma educação voltada à economia solidária como alternativa para a melhora da qualidade de vida, na região de Santo André, pobre economicamente e com alto índice de analfabetismo, só é possível com análise histórica, política e social que possa provocar a expulsão do opressor de dentro do oprimido (Cf. FREIRE: 2000).
Paz e felicidade a todas as pessoas do universo é o que propôs Milton Santos (2001) em seu livro Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. A especulação econômica e o monopólio das idéias neoliberais contaminaram o processo educacional que, num universo de produção de mercadorias, descaracterizou-se a globalização para todos, sob o controle de bancos e banqueiros. Esse modelo econômico imposto aos seres humanos do globo gerou desemprego, piora nos índices de qualidade de vida, baixos salários e fome em todos os continentes.
Contribui com o aprofundamento dessas desigualdades sociais o monopólio das comunicações sociais que pregam o mercado de livre comércio como sendo um Deus ex-machina. Há manipulações das informações, dos números. Milton Santos revela a globalização e o poder econômico hegemônico global como persuasor do ser humano através do fetiche da mercadoria. O que impossibilita a compreensão do universo, isto é, interpretação da sociedade, tanto a nível local quanto global. A manipulação da visão da humanidade impede o conhecimento libertador.
A cultura de massas, a sociedade de massas e a aversão a alternativas e pensamentos que não estão em acordo com o poder econômico podem ser caracterizados como totalitarismos. Em seu romance 1984, George Orwell considerou o pesadelo real desses tipos de totalitarismos. Nesse romance escrito pelo autor havia um ministério denominado Ministério da Verdade e em sua fachada estava escrito: “Guerra é paz / Liberdade é escravidão / Ignorância é força.”. Esse Ministério da Verdade se ocupava das notícias, diversões, instruções e belas-artes; Já o Ministério da Paz se encarregava da guerra; Enquanto que o Ministério do Amor mantinha a lei e a ordem; O Ministério da Fartura salvava as atividades econômicas (Cf. ORWELL: 2001, p. 9).
Para o economista Paul Singer, a política econômica social para ser justa e democrática deve contemplar cooperativas de trabalho, ajuda mútua e geração de trabalho e renda aos sujeitos históricos coletivamente (SINGER: 2004, p. 3). Um desenvolvimento e uma economia que valorize e contemple a qualidade de vida deve levar em consideração alguns fatores, tais como: Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT; eliminação da desigualdade social com projetos científicos educacionais; financiamentos públicos e apoio da sociedade civil. Portanto, a organização social, segundo Singer, é condição sine qua non para resolver estes contrastes sócio-econômicos.
Uma nova sociedade é possível na medida em que os trabalhadores, por meio de uma economia solidária, organizem seu espaço público/político com finalidades humanas.
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o movimento operário brasileiro foi conquistando direitos e melhores condições de trabalho. Seu padrão de vida passou a ser comparado com a dos trabalhadores de países desenvolvidos. Porém, a alienação do valor-trabalho deixou de ser questionada pela classe proletária, sindicatos e alguns partidos de esquerda que se esqueceram de criticar a ciência social constituída e desenvolvida pelo pensamento burguês.
Com apoio no humanismo feuerbachiano é que se desvendava a Economia Política como ideologia da propriedade privada, da concorrência e do enriquecimento sem limite. Enquanto Adam Smith e Ricardo salientavam o positivo da concorrência capitalista, o seu caráter de mola propulsora e de mecanismo equilibrante das forças produtivas, Engels insistiu no negativo da concorrência, no seu aspecto desagregador e anti-humano (Gorender, Jacob. Da alienação ao valor trabalho. In: Para a crítica da economia política. Salário, preço e lucro: o rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural; 1982, p.p. VII- VIII).
Concordamos com Karl Marx que considerava o salário pago não como um valor do trabalho, mas sim como um valor da força de trabalho. E esse valor é determinado como as demais mercadorias, ou seja, pelo tempo social de trabalho dispendido para a sua produção. Foi David Ricardo (1988) que forneceu um modelo teórico fundamentado em leis que regulam o valor da mercadoria. Para esse pensador, o valor de uma mercadoria dependeria da qualidade relativa do trabalho realizado para a sua produção. Era o custo do capital que influenciaria fortemente os preços. Entretanto, Marx ultrapassou esse conceito ao apresentar pela primeira vez a diferença crucial entre o valor do trabalho e o valor da força de trabalho. Ora,
A produção da força de trabalho se dá mediante o conjunto de bens que o operário precisa consumir a fim de restabelecer, a cada dia, suas aptidões físicas e intelectuais e ainda sustentar sua família, que inclui uma fração da futura geração de operários. Contratado pelo capitalista para trabalhar determinado número de horas por dia, o operário reproduz, numa parte da jornada, o valor da sua força de trabalho, valor que o patrão lhe retribui sob forma de salário. Mas o restante da jornada constitui trabalho excedente sem retribuição, criador de sobrevalor ou mais-valia – da qual o lucro industrial e comercial, os juros e a renda da terra representam formas particulares – não se processa mediante violação da lei do valor, sob o aspecto de determinante da troca de equivalentes, porém no seu estrito cumprimento (Idem Ibidem, p. XIX.).
A força de trabalho no sistema capitalista é uma mercadoria, isto é, também está sujeita á lei de valor. Oferta e procura. Esse sistema é gerador de um exército de reserva que, segundo Eric Hobsbawm (2007, p. 56-90):
A globalização, na forma atualmente dominante do capitalismo de mercado livre, trouxe também um aumento espetacular e potencialmente explosivo das desigualdades sociais e econômicas, tanto no interior dos países quanto internacionalmente […] a nova globalização de movimentos reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica à imigração em massa e de resistência ao que se vê como ameaças à identidade cultural coletiva. […] A ideologia do capitalismo globalizado dos mercados livres […] fracassou redondamente no estabelecimento da livre movimentação internacional da força de trabalho, ao contrário do que ocorreu com o capital e o comércio. Não há governo democrático que tenha condições de apoiá-la. […] A combinação é naturalmente explosiva (HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das letras; 2007, pp. 56-90).
2 – ALFABETIZAÇÃO NUMA PERSPECTIVA DIALÉTICA
2.1. Sensibilização, História e Memória
A história de nossos alunos e alunas do Pólo Educacional de Santo André requer um mergulho na psicologia social. Suas participações e intervenções políticas são revelações no universo de trabalho do qual estão inseridos. Trabalhadores e Trabalhadoras do mercado informal, tais como: serventes de pedreiro, empregadas domésticas, catadores e recicladores, pintores e serviços informais em geral demonstram o cotidiano desses migrantes operários que desponta com todo seu realismo surpreendente. A fala de pessoas simples e humildes que não aprenderam a ler e escrever, que anteriormente não tiveram objetivo e pretensão de serem autores, nos traz à tona sua capacidade de se comunicar. É uma realidade sensível e vital desses personagens anônimos e históricos. A definição dessa classe social à qual pertencem nossos educandos é classificada por suas ocupações e relações objetivas de trabalho. Conforme nos ensinou Ecléa Bosi:
Quando se fala em Pedagogia do oprimido o endereço tem nome certo: trata-se de uma pedagogia que possa dar conta de uma situação precisa, no universo das relações sociais, de uma certa camada da população subjugada pela dependência. Opressão: dependência. (BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras; 1994, p. 11).
A cultura oral dos nossos alunos e alunas da EJA está intimamente relacionadas pelas noções de trabalho e sociedade. Seguindo esse raciocínio são duplamente oprimidos, primeiro pela dependência econômica, e depois pela idade e consequente velhice. Para Bosi “narrar é também sofrer quando aquele que registra não opera a ruptura entre sujeito e objeto” (Idem ibidem, p. 13). Indivíduos solitários que nos possibilitam a passagem, pura e simples, da memória e da história. Uma sensibilidade do retrato do oprimido, pois as memórias são tristes e quase sempre dolorosas.
Contudo, trabalhar em sala de aula com esses sujeitos históricos é levar em consideração seus arcabouços de conhecimentos, suas práticas de sobrevivências e modos de ser. Assim, por meio de rodas de conversa é possível problematizarmos esses paradigmas da memória. O trabalho da memória defende Virgínia Woolf, é: “alargamento das fronteiras do pensamento, lembranças de promessas não cumpridas […] pois todo dia é o último dia. E o último dia é hoje” Idem Ibidem, p. 18). Sendo assim:
A função social do velho é lembrar e aconselhar – memini moneo – unir o começo ao fim, ligando o que foi e o porvir. Mas a sociedade capitalista impede a lembrança, usa o braço servil do velho e recusa seus conselhos. Sociedade que, diria Espinosa, “não merece o nome de Cidade, mas o de servidão, solidão e barbárie”, a sociedade capitalista desarma o velho mobilizando mecanismos pelos quais oprime a velhice, destrói os apoios da memória e substitui a lembrança pela história oficial celebrativa […] cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição dos vencidos. […] Como reparar a destruição sistemática que os homens sofrem desde o nascimento, na sociedade da competição e do lucro? […] Eis um dos mais cruéis exercícios da opressão econômica sobre o sujeito: a espoliação das lembranças (Ibidem, pp. 18-20).
É preciso reconstruir a história que o século XX destruiu, isto é, os mecanismos sociais que vinculam as experiências sociais desses educandos aos seus familiares, às suas comunidades. Pois é marcante e característico o fantasma do final do século XX que faz com que “quase todos os jovens de hoje cresçam numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem” (HOBSBAWM: 1995, p. 13).
Uma sensibilização quanto ao espaço e do tempo se fez necessária e, desse modo, começamos a aula do dia 7 de novembro de 2011 com fundo musical que contribuiu pedagogicamente com nossa atividade desenvolvida em sala de aula. Pedimos para que os alunos se tranqüilizassem da “correria” do seu dia-a-dia. Em seguida os educandos fecharam os olhos e viajaram pelo “túnel do tempo”. E, consequentemente, surgiram vários pensamentos e idéias das suas infâncias, dos seus tempos múltiplos e diversas culturas e situações sócio-econômicas desiguais.
No conto popular, o depoimento de Dona Risoleta, uma fonte desconhecida, foi utilizado para reflexão, contextualização e problematização sócio-econômica e cultural. Isso nos ajudou a esclarecer um pouco a história do Brasil aos nossos alunos e alunas da EJA. Uma memória viva e atual. Dona Risoleta, que nasceu filha de escravos em 20 de março de 1900, no Arraial de Souzas, localidade próxima a Campinas, Estado de São Paulo, dizia em seu relato que:
Levantava de madrugada e trabalhava o dia inteirinho. De noite, acendia cinco ferros de carvão para engomar a roupa de linho que tinha que passar ainda úmida. O ferro era pesado […] Se recebia ou não ordenado eu não sabia, porque meu pai é que ia ao fim do mês receber. Ele dizia que não fazia questão de dinheiro, queria que me ensinassem a ler um pouco. Até 22 anos, nunca recebi um ordenadinho do que trabalhei. Quando ele me pôs na casa da sinhá moça, disse: “Eu quero que a senhora ensine a menina a trabalhar, ler e escrever”. Eu levantava ás 4 horas da manhã, trabalhava o dia inteirinho. Só tinha eu de empregada e uma preta bem velha, mais velha do que eu estou, agora, com o dedão do pé torto, na beira do fogão, arcadinha.Eu tinha dó dela , botava o caixão de sabão e trepava para alcançar o fogão de lenha e fazia comida para ela. “Ela dizia:” Que boa vontade essa menina tem! “Eu tinha era dó daquela senhora”. Depois de onze horas, a patroa me chamava para aprender a ler e eu começava a cochilar vou contar para seu pai que você não quer estudar. Não é que eu não queria estudar, meus olhos é que não queriam ficar abertos, estava com tanto sono. (Fonte desconhecida).
Este é um relato e podemos considerar como sendo um resumo da história social do Brasil colônia que persiste até os dias hodiernos. É um fardo do passado escravocrata do país que, por meio de políticas públicas e incentivos econômicos do Estado, é possível transformar essa realidade. A identificação de Dona Risoleta com o seu passado negro, trabalhando na Casa Grande como escrava é a genealogia dos nossos educandos que, considerando suas especificidades no espaço e no tempo, podem-se identificar com a história de Dona Risoleta. É uma reflexão sobre escravidão e liberdade, história e memória.
Todos os alunos participaram das reflexões e fizeram comparações com suas vidas , lembrando-se de sua infância e das dificuldades que encontraram para dar continuidade nos estudos, esse momento foi muito emocionante e rico para todos, pois muitos alunos se achavam únicos em suas dificuldades.
2.2 Conscientização do Operário
Trabalhar com a lembrança dos alunos e alunas da EJA é uma forma de fazer sobreviver um passado ignorado pelos donos do poder econômico e simbólico de uma sociedade que aliena o trabalhador com sua ideologia capitalista. As funções e representações que as idéias dos nossos educandos exercem na sociedade local é um fenômeno psicológico, consciente e histórico. A subjetividade de nossos alunos e alunas através de seus espíritos exteriores que fazem parte da matéria, portanto, podem ser percebidas.
É preciso um tratamento da memória como fenômeno social. Para Émile Durkheim (1987, p. 20) “Os fatos sociais consistem em modos de agir, pensar e sentir, exteriores ao indivíduo e dotados de um poder coercitivo pelo qual se lhe impõem”. Já Maurice Halbwachs estudou os quadros sociais da memória. Nesse sentido, as relações não estão restritas aos indivíduos, pois são pesquisadas as realidades interpessoais das instituições sociais. Para Ecléa Bosi, as lembranças, as memórias estão relacionadas e dependem do relacionamento do indivíduo com a “família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo” (BOSI: 1994, p. 54).
O trabalho como alicerce da vida humana e a tomada de conscientização da classe trabalhadora pode ser despertado nos alunos e alunas da EJA partindo do questionamento da alienação do valor-trabalho. No poema de Vinicius de Moraes (1956) O operário em construção “tudo desconhecia/de sua grande missão”. Desse modo, não sabia que a residência que ele próprio construía e sua liberdade nada mais era do que escravidão. Simbolicamente, esse poema de Vinicius de Moraes aborda a tomada de consciência individual de um trabalhador. Sua resistência ao utilizar frequentemente a palavra não. Seu trabalho na construção das coisas e sua completa ignorância que desconhecia a importância de sua profissão. Sangue, suor e lágrimas numa sociedade que dá valor às coisas materiais. O poeta narra em versos a alienação da população que carrega tijolos misturados com suor e cimento. “Mas ele desconhecia esse fato extraordinário: que o operário faz a coisa e a coisa faz o operário”.
A conscientização do valor-trabalho junto aos alunos e alunas da EJA pode ser percebida ao constatar no poema que “Tomado de uma súbita emoção”, percebem que são eles quem construía tudo o que existia. Até “casa, cidade, nação!” A força dos trabalhadores e trabalhadoras ocorreu “dentro desta compreensão. Desse instante solitário que, tal sua construção cresceu o operário…”.
A importância desses sujeitos históricos pôde ser despertada com base na poesia utilizada como recurso didático na EJA. A sociedade que o próprio operário construiu e o seu direito de dizer não. “O que o operário dizia / Outro operário executava / E foi assim que o operário / Do edifício em construção / Que sempre dizia ‘sim’ / começa a dizer ‘não’”. Ao perceber as coisas a sua volta o operário em construção nota que as relações sociais entre ele e o patrão são de parecidas com a escravidão. Ao adquirir consciência política e social diz não a essa exploração. Em outra parte do poema o patrão contrata delatores que o agridem e exigem que o operário diga sim. Dá se início às agressões simbólicas e físicas:
Em vão sofrera o operário / Sua primeira agressão / Muitas outras seguiram / Muitas outras seguirão / Porém, por imprescindível / ao edifício em construção / Seu trabalho prosseguia / E todo seu sofrimento / Misturava-se ao cimento / da construção que crescia (Poema de Vinicius de Moraes, Operário em construção, 1956).
Entretanto, ao constatar que o operário não fora convencido após as agressões, o patrão tenta persuadi-lo com a proposta de poder, dinheiro, fama, jogatina e mulheres. O seu bairro é observado pelo operário e vê aquilo que o patrão não consegue enxergar. Esse último está preocupado com a obtenção do lucro a qualquer custo, enquanto o primeiro percebe as construções realizadas pelas mãos dos trabalhadores operários como ele e diz: ao patrão: “Não pode me dar o que é meu”.
É essa amplitude de percepção que vai além das aparências que pretendemos “suscitar” aos alunos e alunas da EJA, isto é, olhar em perspectivismo. Fazer desses sujeitos históricos seres responsáveis pela construção da história social, pessoas com capacidade de pensar solidariamente. Esperança construída para além de toda a esperança. Aquilo que a pensadora alemã Hannah Arendt (2003, p. 290-291) compreendeu como perda da Certitudo Salutis – Certeza da Salvação Para essa autora:
Tal como a certeza imediata desta perda da certeza da salvação foi um redobrado zelo em praticar boas ações durante a vida, como se essa fosse apenas um longo período de provação, também a perda da certeza da verdade levou a um novo zelo, inteiramente sem precedentes, no tocante á veracidade – como se o homem só pudesse dar-se ao luxo de mentir enquanto estava seguro da existência imutável da verdade e da realidade objetiva, que certamente sobreviveriam e derrotariam as suas mentiras. (ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2003, pp. 290-291).
O sociólogo alemão Max Weber foi o único que levantou certos erros de detalhe. O primeiro que levantou a questão da era moderna com a profundidade e importância que merecia. Para ele não foi apenas a perda da fé como inversão de valores entre trabalho e labor, mas a perda na certeza da salvação. Essa foi apenas uma entre várias certezas que se perderam com o advento da modernidade.
Destarte, fazer de nossos educandos seres engajados no mundo e conscientes de suas intervenções na sociedade é, pois, “dentro da tarde mansa / [Arregimentar]-se a razão / De um pobre e esquecido / Razão que fizera / Em operário construído / O operário em construção” (Vinicius de Moraes, 1956).
Essa edificação poética do operário, sua consciência política e social nega a ideologia e a ordem de uma sociedade que exclui e não reconhece seu trabalho. A capacidade dos educandos da EJA em transformar a natureza e o ambiente em que vivem como quando observou o operário que tudo que há “garrafa, prato, facão” era por ele construído. A mão calejada do operário constrói as coisas mais belas. Está no sujeito da EJA a capacidade de criar algo novo e transformar a natureza local em que vivem. E está em nós professores e professoras incentivar o “espírito” da arte de nossos alunos e alunas por meio da dimensão da poética.
Trabalhamos esse poema tanto com os alunos quanto com os professores , com objetivo de refletirmos sobre as condições de trabalho e de vida dos alunos da EJA.
2.3 Uma Relação Dialética
Esse tipo de abordagem teórico-metodológica nos conduz à experiências que consideramos relevantes, pois contribui para a interdisciplinaridade cultural e popular. É uma mudança social que leva em consideração a luta do operário migrante nordestino. Nessa pluralidade cultural há algo em comum que devemos considerar: ouvir o que os nossos educandos têm a falar sobre suas experiências de vida. Pode se observar um centro de memória, de relatos e idéias que se passa na história do cotidiano local desses migrantes. É uma espécie de laboratório de estudos ao perceber que o migrante nordestino foi relevante na construção do Grande ABC. O mundo do trabalho é um mosaico de trabalhadores. Seus estados sociais, trabalhos e padrões de vida caracterizam suas condições psicológicas. Por outro lado, é uma espécie de cativeiro aquilo que prometia ser uma vida nova. Horas e horas apertando parafusos nas linhas de produção das grandes indústrias são exílios que o capitalismo promove. É a destruição do ser humano. Por outro lado, suas religiosidades e medicinas populares são aspectos da cultura nordestina que podemos perceber vivas nas feiras do migrante nordestino. Sua alimentação, conversas, hábitos, artesanatos e literatura de cordel são exemplos de uma cultura que subsiste no espaço e no tempo.
Destarte, consideramos importante o trabalho em sala com nossos alunos da EJA do Pólo Educacional de Santo André a partir de um texto de Hegel: Fenomenologia do Espírito. Formamos uma roda de discussões sobre o tema e a pergunta inicial foi: Quem é o escravo e quem é o senhor? Todos de imediato responderam ser o senhor o patrão e o empresário; enquanto que o escravo seria o trabalhador e o empregado. Pois bem, analisando junto com os alunos e alunas essa teoria de Hegel, considerando que na visão do vencedor há um combate e que nesse combate o senhor é aquele que prefere a morte a perder a liberdade, e o escravo é o indivíduo que optou pela vida a perder a liberdade, outra conclusão a que chegamos foi que: a morte do outro implica arriscar a própria vida.
E, consequentemente, nessa luta entre as consciências de si só podem ser determinadas dessa maneira: por meio de uma luta de classes. Essa luta é o motor da história, e é uma luta de morte. Forçar a verdade de si significa matar o outro. Desse modo, outra conclusão a que chegamos foi a de que só se pode chegar à liberdade arriscando a própria vida. E assim quem não arriscou a própria vida é reconhecido como ser, porém não conquistou a verdade consciente de sua independência.
Na segunda parte da aula as professoras da EJA partiram da discussão: Quando o indivíduo torna-se senhor? Alguns responderam que é quando ele trabalha e junta dinheiro para comprar escravos; outros disseram que é quando os portugueses chegaram e escravizaram os índios e negros africanos. Em seguida colocamos a questão: não seria quando o escravo, que tem consciência de si, não reconhece o senhor como tal? Se o senhor é independente pois o escravo é seu dependente, então ele próprio não é independente. A consciência que o senhor possui de si mesmo é mediada por outra consciência que está intimamente relacionada com a consciência da natureza que é unida a um ser independente de todas as coisas da natureza. Então chegamos à conclusão de que esse senhor, que tem consciência de sua independência somente graças à dependência que o escravo tem dele, desse modo, o senhor não é verdadeiramente um ser livre. A independência do escravo por ser externa a ele o tornou dependente do senhor.
Por conseguinte fizemos novamente a problematização inicial junto aos alunos e alunas da EJA: quem é o senhor e quem é o escravo? Nesse momento foram várias e diversificadas as respostas dos educandos, pois alguns responderam: o senhor é aquele que tem condições de se sustentar; outros argumentaram dizendo que é aquele que possui propriedades e faz do trabalhador seu escravo; em menor quantidade disseram que é quem tem condições de se sustentar sem assistência de ninguém.
Na análise de Hegel, explicamos aos educandos da EJA que o senhor ao combater o escravo e sair-se vitorioso, faz deste sua propriedade que passa a trabalhar para o seu senhor. Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, o senhor domina o ser externo (escravo). O escravo domina o trabalho, a natureza que indiretamente se relaciona com o senhor. Este último tem suas vontades saciadas pelo escravo. Para o senhor só há escravo para saciar seus desejos, ou seja, é uma força de trabalho, nada mais que um proletariado.
É por meio da mediação do trabalhador (escravo) que o patrão (senhor) se relaciona com a coisa. Isto é, a negação da coisa e do seu gozo. Aquilo que o apetite do senhor não conseguiu o escravo consegue, pois este domina a natureza. Ou seja, o senhor tem dependência da coisa (escravo/trabalhador) enquanto que o escravo possuiu o aspecto independente da coisa (senhor/patrão). Hegel está analisando duas consciências, a do senhor e escravo. A primeira ganhou o combate, a segunda preferiu a vida à liberdade. Esse escravo que preferiu a vida à liberdade torna-se escravo também da vida. O senhor que arriscou sua vida pela liberdade é superior a ela. Nessa luta de classes o senhor conserva (servus) a vida de seu escravo e faz deste um símbolo de sua superioridade. A posição de senhor é apenas em relação ao seu escravo, pois o escravo não produz para si mas para o seu senhor. Porém, o escravo domina o processo de produção, transforma a natureza e entrega o produto final ao seu senhor. Lapidar a matéria-prima em seu estado natural é função do escravo, portanto, a relação do senhor com a natureza é indireta.
Para finalizar propusemos aos alunos da EJA a seguinte questão: quem tem relação direta com a natureza e a domina? A afirmação da turma foi unânime em dizer que é o trabalhador, portanto, o escravo. E desse modo, trabalhar como jardineiro, pedreiro, camponês, carpinteiro, cozinheiro, marceneiro, pintor, pescador, escultor, oleiro e artesão entre outras várias profissões são atributos de pessoas que dominam a arte, a natureza e a transforma para proporcionar prazer ao patrão e a sociedade burguesa/capitalista.
Enquanto estes não sabem fazer nada disso e encontram-se distantes cada vez mais da natureza, a liberdade do senhor/patrão/sociedade burguesa só existem devido à dependência total, assim como a submissão total em relação ao escravo, isto é, ao trabalhador e trabalhadora. Podemos considerar que o senhor é o escravo do seu escravo. O senhor não faz nada com suas próprias mãos. Não podemos negar que o escravo é submisso ao seu senhor, no entanto, tem o poder de transformar a natureza, ou seja, nessa linha de raciocínio ele é livre. O proletariado (escravo) é o senhor da natureza, a domina e transforma.
Nessa relação dialética, proposta aos educandos da EJA, tivemos por objetivo apresentar os trabalhadores e trabalhadoras, reconhecidas muitas vezes como escravos e escravas, como senhores e senhoras dos seus ditos senhores, pois estes possuem os poderes de domínio e modificam a natureza. Assim, concluímos que é o “senhor” quem deve aprender com o “escravo” a chegar ao domínio de si mesmo.
3 – ALTERNATIVAS PARA A QUALIDADE DE VIDA: FORMANDO CIDADÃOS
3.1. Relato de Atividades
Propomos neste capítulo apresentar a dinâmica realizada em sala de aula com os educandos da EJA por meio da “Viagem aos mares distantes”. Os educandos escolheram uma pessoa para levar a uma viagem e após a escolha, deram suas justificativas e todos revelaram as identidades de cada um. Abaixo está o conteúdo do texto acima citado:
Imagine que durante anos você economizou dinheiro para fazer a viagem dos seus sonhos com aquela pessoa muito especial.
Dias antes da viagem esta pessoa se depara com um sério problema pessoal e não poderá te acompanhar, mas insiste e faz questão que você não perca esta viagem tão desejada e planejada.
Você vai até a agência explica toda a situação e pede para adiar a viagem, mas não é possível, diz então que irá levar uma outra pessoa, mas também não é possível. Pede então para cancelar a viagem, mas a agência lhe informa que você não conseguirá restituir nada!!
A agência então, lhe faz a seguinte proposta: você poderá levar outra pessoa, indicada pela própria agencia e terá todas as despesas pagas, não irá arcar com mais nenhum gasto, porém terá que conviver com essa pessoa durante uma semana, terão que dividir tudo, passeios, hotel, almoço, jantar, etc.
Então, a agência lhe mostra um cartaz com fotos de várias pessoas diferentes, você terá que escolher o seu (sua) mais novo (nova) companheiro (a) de viagem única e exclusivamente, através da imagem eu vê.
Quem você levaria? (Viagem aos mares distantes, Santo André, Pólo Educacional, 2011).
Em seguida, solicitamos aos educandos que: 1) observassem as fotos e escolhessem uma das pessoas para levar na viagem; 2) feitas as justificativas que cada um revelasse a identidade do personagem escolhido. Os personagens sugeridos para as escolhas foram:
- Travesti;
- Serial Killer;
- Freira de Irmandade Joaquina;
- Fazendeiro riquíssimo atrás de um herdeiro;
- Professor Acadêmico;
- Político corrupto;
- Procurasse um companheiro por tempo determinado e paga-se muito bem;
- Psicopata maníaco possessivo;
- Homossexual em busco de descanso e tranqüilidade;
- Pessoa em busca de um grande amor.
A intenção dessa dinâmica em sala de aula foi abordar e debater a questão do preconceito. Após as escolhas dos educandos buscamos analisar e trabalhar juntos as aparências. Pois, nas escolas julgamos e somos julgados, assim como nossos alunos, jovens, idosos, deficientes, etc. que são vítimas de preconceitos raciais, sexuais e sócio-econômicos.
Utilizamos como subsídios o Filme Curta-metragem: A Ilha das Flores, de Jorge Furtado. Curta-metragem que foi produzido em 1989 e é uma rara profundidade que exprime toda a banalidade a que foi submetido o ser humano, por mais racional que este seja. Um ácido retrato da mecânica da sociedade de consumo que ocasiona a desigualdade social e toda perversidade de um sistema provocador justamente por seres humanos que procuram viver em seus casulos de forma egocêntrica e egoísta, fingindo não ver a realidade da exploração do homem sobre o homem esquecendo-se da solidariedade e afeto entre seus semelhantes.
Com objetivo de abordar o preconceito despertamos a curiosidade em relação ao tema sensibilizando a comunidade escolar tanto nas relações sociais, quanto nas relações com o meio ambiente em que vivemos. Sendo assim buscamos contribuir com a formação dos cidadãos por meio das atividades propostas. Essas atividades forneceram subsídios para a formação de cidadãos críticos e participativos do meio em que vivem, tanto da realidade local e nacional quanto transnacional. Estabelecemos critérios, tais como: consumo responsável, pois o consumismo exagerado provoca desequilíbrio ambiental; priorizamos a sustentabilidade com atos e ações voltados para a economia solidária entre os jovens e adultos da comunidade escolar.
Numa roda de conversa discutimos as necessidades que esses educandos têm a relação entre os trabalhadores de materiais recicláveis, a produção de lixo no planeta e seus impactos ambientais. Num primeiro momento refletimos sobre as atividades propostas e, a partir de práticas já ocorridas estabelecemos análises, discussões e a formação de um pensamento coletivo que respeite as diferenças do indivíduo e proporcione, dessa maneira, troca de conhecimentos, tanto científico quanto popular. A memória dos alunos está presente nas suas falas e reflexões durante a atividade. Como na dinâmica “Mares Distantes”, após esta se iniciou uma roda de conversa e cada aluno foi colocando causos de suas vidas sobre preconceitos tantos sofridos quanto como todos também julgam.
A atividade apresentada no texto da Professora Kruppa apresenta ternos como a metodologia de sistematização que é colocada no teor da aula dada. Apresentou-nos a Professora os resultados apresentados pelos alunos: Cícero, aluno EJA I – alfa: “Nem tudo que é bonito presta, né?”; Isabel, aluna EJA I – alfa: “Nem tudo é o que é parece ser.” Sobre preconceito também houve relatos como “…A mulher era branca e a família dela não aceitava, eu não servia pra filha dela.” – Cícero. Isabel: “A minha sogra não queria que eu casasse com o filho dela, porque meu pai era pobre e bebia muito e ela achava que eu morava em favela. Ai ela até arrumou uma noiva pra ele,…” Ainda houve outros relatos dentro deste assunto.
Retornando ao filme “A Ilha das Flores”, surgiram outros comentários e discussões como reflexões que antigamente era muito melhor, com mais empregos e oportunidades, porém outras situações melhoraram como a cidade.
Ao trabalharmos teoria e prática, assim como sua sistematização, notamos a importância do registro em todos os seus passos como a organização, classificação e analise, para que este ainda possa expressar a riqueza da pluralidade dos conhecimentos envolvidos.
Além do roteiro construído e pensado para uma melhor execução da atividade e de seu resultado, privilegiamos a fala de todos os sujeitos, e contamos com a efetiva participação de todos, como ficou claro nas intervenções dos alunos, tanto nas falas após as perguntas disparadoras, como nos tópicos já discutidos e nas atividades realizadas na finalização dos trabalhos.
Assim, a economia solidária agrega muito do tema sugerido, pois, seus princípios humanitários, sociais e culturais são norteadores para o trabalho desenvolvido, e que apresentou um ótimo resultado, tanto nas perspectivas de continuidade, por parte das professoras e dos educandos, e no sentimento da necessidade da discussão para o enriquecimento do próprio conhecimento, mesmo que timidamente.
3.2. Alternativas para a Qualidade de Vida
Apresentamos aos alunos da EJA uma reportagem exibida no dia 22 de setembro de 2011, pela Revista Carta Capital, e serve como alternativa para a qualidade de vida por meio de uma economia solidária e, consequentemente, abordamos como exemplo um comércio do bairro Cidade de Deus, do município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro. Nesse local são usadas notas de Real que apresentam como ilustração a imagem de uma mulher, uma efígie, que inspira a liberdade. Como no quadro A liberdade guiando o povo, do autor Eugênie Delacroix. Esse modelo de circulação de notas é reconhecido como moeda social. São pessoas da própria Comunidade como Dona Geralda Maria de Jesus, que possui sua imagem numa das cédulas equivalentes a um Real. Moradora da Cidade de Deus, dona Geralda se senti reconhecida e agradecida pelo reconhecimento da Comunidade. Com 82 anos de idade é uma das primeiras moradoras do local. Diz dona Geralda que chegou ao bairro em 1965, “Sou muito agradecida a todos aqueles que entenderam o que eu faço e compreenderam que eu estava sendo merecedora de passar por esse momento”, emociona-se a mineira de Carangola, na região da Mata, que aos 36 anos de idade chegou no Rio junto com 8 filhos.
Dona Geralda também participa de ações sociais, tais como servir café da manhã (com pão, leite, manteiga, assim como almoço) para gestantes e crianças carentes. Esse serviço ela faz há mais de 20 anos. Dona Geralda descrê como é feita a assistência social prestada por ela: “Tudo é distribuído aqui na minha casa, com a ajuda de umas 200 pessoas e dois de meus filhos, Ana Regina, 50 anos de idade, e Nilo Sergio, de 39 anos de idade” (Carta Capital: 2011). O trabalho é socializado pela comunidade sem apoio governamental, ou seja, tudo lá é realizado com doação da população local, enquanto Dona Geralda faz as refeições e diz ela que: “Eu estava para me aposentar, quase com 70 anos, e fiquei pensando o que é que eu poderia fazer para continuar trabalhando e surgiu a boa vontade de ajudar crianças e grávidas” (Idem Ibidem). Esse trabalho é efetuado de segunda a quinta-feira de graça para essas pessoas e serve como exemplo de humanidade e solidariedade. São moradores do local que contribuem para o desenvolvimento da comunidade da Cidade de Deus. A nota social serve para as transações comerciais nos comércios e vendas da comunidade. Desse modo,
Quem troca o Real pela moeda social, consegue desconto de até 10% nas compras. Com isso, espera-se colocar em prática o objetivo do Banco Comunitário, que é o de incentivar a produção e consumo de produtos e serviços locais, promovendo a economia da comunidade. ( Revista Carta Capital, Sociedade, “Líderes estampam notas na Cidade de Deus”, Paula Thomaz, 22 de setembro de 2011).
Destarte, a reprodução da nota social desenvolve o trabalho voluntário na Cidade de Deus. Com uma moeda própria os moradores terão uma linha de crédito em reais, pois, esse incentivo servirá para os moradores da comunidade desenvolverem a produção e a geração de emprego e renda no local. Isso só será possível com a ajuda de
Uma carteira de crédito disponível no banco na ordem de 250 mil reais, captados junto ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Produzida dentro de um conceito de segurança em camadas, a moeda social passa por dois sistemas de impressão, offset e calcográfico, e em cada um deles recebe múltiplos elementos que, superpostos, impedem sua reprodução ou adulteração. O sistema é o mesmo utilizado na fabricação de cédulas de quase todos os países e recomendado pela Interpol para impressão de documentos de segurança. (Idem Ibidem).
Além de Dona Geralda, há outras personalidades na Comunidade de Deus que também são representados nas cédulas solidárias. É a Dona Benta Neves do Nascimento, que está representada na nota de 5 CDD (Cidade de Deus), que possui o mesmo valor que a nota de R$ 5,00 (Cinco Reais). Dona Benta foi a criadora da Organização Não Governamental – ONG Comitê da Terceira Idade que já foi responsável pela formação de pessoas no ramo de corte e costura, tecelagem, artesanatos e bordados. Também estão representados o pároco já falecido São Júlio Grooten, primeiro vigário do bairro e está nas cédulas de 10 CDD; também criou a primeira creche da Comunidade de Deus; e João Batista, que dirigiu a Associação Beneficente Obra Social Estrela da Paz, que cuida de crianças e adolescentes desnutridos; e a cédula de 0,50 CDD que representa a Casa do Barão relevante na história da região.
É importante demonstrarmos aos alunos e alunas da EJA que o protagonismo dos moradores da Comunidade da Cidade de Deus faz parte de iniciativas que integram ações da Agência de Desenvolvimento Local, essa Agência tem por objetivo buscar de diversas maneiras melhoras no bairro. A organização da comunidade serviu para combater a imagem negativa dessa população, pois,
Em 2002 pelo filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, que gerou grande insatisfação nos moradores. Para eles, o filme retrata a comunidade como um local violento, insuflando, assim, o preconceito e a criminalização da pobreza. E foi justamente esse sentimento que serviu para mobilizar 20 diferentes instituições locais, empenhadas em mostrar ao poder público que precisavam muito mais do que ações contra o tráfico de drogas e o crime organizado. Na pauta comunitária, despontaram temas básicos, como educação, trabalho, renda e saúde – plataforma de partida do Comitê Comunitário da Cidade de Deus, criado em 2003 com a finalidade de discutir as demandas da comunidade e influenciar políticas públicas. (Ibidem).
Assim, foi necessário demonstrar aos educandos que a organização e representação democráticas devem nascer da vontade dos moradores, ou seja, a administração deve ficar em suas responsabilidades baseado num modelo de economia solidária. Por meio de eleição democrática deve ocorrer a eleição do Presidente dos moradores. Relata Dona Geralda que:
Tudo era mais difícil na Cidade de Deus, conta dona Geralda. Para comprar comida, era preciso “ir a pé à Freguesia”, bairro vizinho à Cidade de Deus. Com a chegada do banco, dona Geralda comemora: “Nossos filhos passavam grande sacrifício para procurar emprego. Não podia nem dizer que morava na Cidade de Deus, porque não conseguiam vaga. Agora, todos entram aqui sorrindo, conversando, e chegar um banco na comunidade é algo muito gratificante. O pessoal vai ter respeito, vão ver o que a gente passou, vão divulgar o que nós fizemos. Hoje eu sou uma rainha, porque quando eu cheguei aqui não tinha nada. E hoje tem tudo”. (Ibidem).
Desse modo, o Banco Comunitário e a Moeda Social servem como instrumento que faz com que os recursos, as moedas e as transações comerciais permaneçam com os moradores da Comunidade de Deus. O estímulo das atividades econômicas produzem riquezas internamente. Negócios e estímulos de atividades econômicas ocorrem através do consumo local. A Economia Solidária é uma alternativa para a exclusão na medida em que promove qualidade de vida aos seus integrantes. Portanto, a tecnologia social serve como enfrentamento da pobreza no real. Utilizamos o próprio filme como cenário de discussão.
3.3 A Solidariedade por Meio da Agroecologia
Outro exemplo de economia solidária é o maior polo de agroecologia do país, localizado no município de Capanema, extremo oeste do Estado do Paraná, situado a 550 Km de Curitiba e 20 Km da fronteira com a Argentina, nesta cidade 150 agricultores produzem em núcleos familiares com práticas sociais e ambientais justas e honestas. O produtor Alberto José Fritzen garante que nunca usou agrotóxico. Ele aduba suas terras com esterco num clima quente do mês de maio. A lavoura de mandioca, milho, feijão, batata, cebola, alho e repolho são orgânicos. A qualidade de vida é garantida tanto aos produtores quanto aos consumidores. É uma cultura do tempo dos pais e avós, pois, até a primeira metade do século XX, a humanidade por dezenas de milhares de anos se alimentou de produtos sem agrotóxicos, sem “defensivos” agrícolas. A revolução da indústria agroquímica prometeu produzir mais, com menor custo e com um preço menor ao consumidor a partir de algumas substâncias químicas. Porém, alguns produtores que partiram para essa prática hoje se arrependem e voltam a utilizar os métodos tradicionais.
Trabalhamos em sala de aula com os alunos e alunas da EJA o tema em questão para conscientização e responsabilidade de todas as pessoas com o meio ambiente, e consequentemente, por meio da Economia Solidária no campo já que a grande maioria desses educandos advém do meio rural para a cidade. Ao debatermos essa questão propusemos alguns subsídios para que esse processo possa ser introduzido na região, pois, por meio da agricultura econômica solidária é possível garantir a preservação ambiental do solo já que essa cultura não se utiliza de agrotóxicos. Na reportagem de João Peres,
A Gebana Brasil tem o propósito de garantir um mercado consumidor a agricultores preocupados com a qualidade de vida. O trabalho começou com a comercialização de soja, ainda seu carro-chefe, e com o tempo foram surgindo mercados para feijão, milho e trigo. O preço é acertado com o produtor no começo da colheita. (Revista do Brasil, Trabalho, nº 62, agosto de 2011, p. 23).
Desse modo, as garantias que o agricultor e a agricultora não voltem para os métodos convencionais propomos aos educandos que é possível fazermos uma parceria desse tipo com o pagamento de bônus por meio da empresa Gebana. Assim, a agroecologia se torna mais atrativa. O trabalho é mais duro já que as ervas daninhas devem ser retiradas com a enxada e não com venenos.Porém, os avanços obtidos são impressionantes. O município de Capanema
De 18 mil habitantes, ruas arborizadas e planejadas. As máquinas trabalham a todo vapor no processamento de soja, que é ensacada e levada ao porto de Paranaguá, de onde é enviada à Europa, o principal mercado consumidor. Hoje, toda a produção é aproveitada: vira farelo, farinha, lecitina – usada na produção de chocolate orgânico – e até mesmo tufo, do qual são feitos outros 25 produtos. A maior parte da soja colhida em Capanema chega ao Velho Continente sem industrialização. Numa outra sala se processa o trigo. A farinha obtida vai para padarias e restaurantes de algumas cidades brasileiras. (Idem Ibidem).
Ao apresentarmos esses resultados aos educandos ocorreram algumas intervenções, tais como: “não é possível realizarmos isso aqui em nosso município, pois estamos na cidade grande”; Outros argumentaram dizendo que “aqui não há terra!” Explicamos aos alunos e alunas que há possibilidades de implantarmos na comunidade local várias estufas ligadas a produção de hortaliças em estufas, por exemplo. Pois, há espaço para isso na região. Outras possibilidades são: o cultivo de peixes em tanques-rede; produção de ervas; cultivo de cogumelo para exportação entre outras culturas que podem trazer desenvolvimento, geração de emprego e renda na comunidade e, principalmente, a qualidade de vida. como exemplo utilizamos o modo de vida de Pedro Rama, do município de Capanema. Sua vantagem é não ter patrão. Pode, sem que ninguém reclame, sentar-se à sombra de uma frondosa árvore em uma tarde de outono. […] Capanema foi fundada por filhos de imigrantes alemães e italianos migrados do Rio Grande do Sul […] e de Santa Catarina.” (PERES, 2011, p. 23).
Sabemos que a região da Grande São Paulo possui grande parte do seu solo contaminada por chumbo e outros metais pesados que podem contaminar produtos agrícolas como os acima citados. Mas, é possível utilizarmos o solo que ainda não foi contaminado e, ao mesmo tempo, preservarmos o meio ambiente e vigiá-lo de possíveis indústrias que possam vir a contaminá-lo. Outras vantagens da agricultura familiar com base em uma economia local é a segurança de se ter sempre unido os membros das famílias participantes, pois essa cultura demanda gente, e uma família unida é raro nos grandes centros e periferias como o Grande ABC. Um comércio justo por meio de uma moeda social tal como o exemplo demonstrado na Comunidade Cidade de Deus, é até de certo modo, um retorno às origens. Sem exploração da mão de obra como as empresas tradicionais no capitalismo praticam, a economia solidária é o método para garantir uma qualidade de vida aos nossos alunos e alunas da EJA.
Comentamos com os educandos o selo Fair Trade, isto é, Comércio Justo, concedido a produtores que levam em consideração questões sociais, a eliminação do trabalho infantil, degradante, preservação ambiental, eliminação de queimadas e agrotóxicos. Além de garantir um Bônus da Fair Trade, também é assegurado um extra pago pela produção orgânica. Um diferencial: o dinheiro do Bônus e seu destino é decidido pelos integrantes da cooperativa ligados à economia solidária. Levamos aos educandos da EJA a importância do tema ao apresentarmos que:
A principal certificadora do Fair Trade é a FLO, uma organização internacional. “O FLO garante um preço mínimo. Quem quer usar o selo vai pagar ao produtor esse preço. Se o preço de mercado estiver acima do mínimo, paga-se o preço de mercado”, explica Janice Rosman, responsável pela Gebana por esses certificados. Não é um trabalho simples, mas altamente rentável, e a expectativa é que se desenvolva no próximo ano no Brasil, acompanhando o crescimento do mercado de orgânicos e a preocupação dos consumidores com a origem daquilo que adquirem. É um trabalho fundamental para que o polo de agroecologia se mantenha e, mais que isso, deixe de ser exceção. (Ibidem, p. 25).
Destarte, é necessário levar em consideração que a região deve proporcionar essas oportunidades e desenvolver em todos os municípios do Grande ABC um modelo de economia solidária em forma de cooperativas que garantam a sustentabilidade. Porém, essa cultura tem um concorrente sério. É o capitalismo neoliberal que de certa maneira estimula os jovens a migrarem para as grandes industrias abandonando a produção de produtos orgânicos em forma de cooperativas. As consequência são que: os mais velhos não suportam o trabalho sem a ajuda dos filhos. Uma produção ecologicamente correta precisa de ajuda financeira dos governos municipais, estaduais e federal respeitando as particularidades e individualidades das cooperativas, ou seja, sua autonomia e independência nas tomadas de decisões de maneira democrática.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos contribuir por meio desta monografia com subsídios para a compreensão do mundo de nossos alunos e alunas da EJA. Assim, reconhecendo e respeitando nossos educandos como protagonistas da história, sujeitos portadores de cultura e experiências de vida que faz da sala de aula um mosaico de seres humanos diversos em suas singularidades. Crenças, valores e saberes constituídos ao longo de suas vidas fazem com que nossas teorias sejam enriquecidas por meio de suas práticas e conhecimentos adquiridos durante suas vidas e criatividades pela sobrevivência.
Suas visões do universo são influenciadas pelo cotidiano e pelas experiências culturais em sociedade, na família e no trabalho. Nosso desejo foi fazer com que esses educandos olhassem e observassem o mundo com olhares diversos, numa perspectiva que a escola lhes proporciona ao conceder o “direito” de pensar teoricamente, cientificamente. Nossa missão aqui foi despertar nesses alunos e alunas a curiosidade e a esperança de que é possível viver bem num mundo de incertezas. O caminho que propomos é o da Economia Solidária como meio para se atingir uma qualidade de vida digna de todo ser humano.
Valorizar o conhecimento das pessoas que estão em sala de aula é reconhecer o outro como sujeito da história. E vice-versa. Pois o educando deve também ser receptivo aos conhecimentos científicos da Instituição Educacional. Saber pensar que é possível a construção de um novo mundo aqui na terra foi a tarefa que desenvolvemos com esses alunos e alunas na EJA, e tentamos expressar por meio deste trabalho. A reflexão e a análise acerca da economia solidária como alternativa para a qualidade de vida foi desenvolvida em grupo, tanto com os alunos quanto com os professores.
Procuramos assim discorrer sobre as condições de vida e de trabalho tanto no mundo capitalista quanto na economia solidária. Por meio de uma dialética da educação caracterizada por fontes bibliográficas sólida. Tratamos do tema e dos valores éticos e morais da economia solidária como alternativa para melhora na qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs da comunidade do Jardim Santo André. Comparamos a indústria capitalista e seus privilégios que só beneficiam o capital em detrimento do ser humano. Por outro lado, argumentamos que na Economia Solidária o desenvolvimento humano é privilegiado assim como a democracia no ambiente de trabalho. Suas decisões coletivas, integral e responsável que contribuem para a eliminação da alienação do valor capital/trabalho. São princípios diferenciados que procuramos apresentar através de suas diferentes organizações produtivas.
Se na economia convencional o lucro é necessário para a sua existência, discutimos ao longo desse processo de realização do Curso em Economia Solidária e Alfabetização de Jovens e Adultos a quem esse excedente de capital de servir. Ao mercado ou ao ser humano? Portanto, na sociedade contemporânea o mundo do trabalho perdeu seu valor humanitário. Prevalece o progresso e o desenvolvimento científico e tecnológico como moral e “espírito” do capitalismo. Os seres humanos se transformaram em números. A racionalização da produção transformou o local de trabalho em mecânico e tecnicista. Isto é, desumano.
Trabalhamos com os educandos da EJA que no capitalismo a competição prevaleceu em detrimento da cooperação. Os interesses da coletividade não são levados em consideração no capitalismo, isto é, prevalece a vigilância e o controle do proletariado. É um ambiente depressivo, ansioso, angustiante e totalitário. Destarte, levamos em consideração ao longo do nosso trabalho no Pólo Educacional de Santo André, a importância de se construir em coletividade um ambiente de trabalho solidário, cooperativo e humanitário que desenvolva qualidade de vida aos nossos sujeitos históricos. Essas possibilidades acreditamos que devem ser conquistadas com os princípios democráticos e éticos que façam com que os seres humanos sintam o significado do trabalho como uma arte, e não um castigo.
Para isso é muito importante o apoio de ONGs , universidades , associação amigos de bairro , incubadoras, etc.
5. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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