Construção e Execução da I Feira de Economia Solidária de Suzano

Ficha Síntese da Prática Pedagógica
Objetivos da Prática Pedagógica: 

  • Experimentar na prática a Economia Solidária estudada na aula ao longo do ano letivo.
  • Proporcionar ao aluno o protagonismo dentro do grupo participando ativamente das decisões.
  • Usar a moeda social como instrumento facilitador para a troca e remuneração do trabalho.
  • Desenvolver o senso coletivo e do trabalho em grupo.

Característica do grupo a quem foi aplicada a prática:
Alunos de faixa etária entre 18 e 70 anos, em um grupo misto de alfabetização e pós alfabetização, com uma sala de aproximadamente 25 alunos frequentes. Alunos que em sua maioria são nordestinos, e não tiveram a oportunidade de estudar na infancia, tendo como primeira referência a educação de jovens e adultos do município de Suzano.

Dinâmica de trabalho adotada na prática pedagógica:
As aulas foram desenvolvidas através de momento teóricos, leitura de diferentes gêneros textuais (jornal, livro, folders, tabelas, sites), práticas de confecção de artesanatos, televisão de DVD, diálogos, Palestra

Recursos necessários para aplicação:
Internet, livros específicos, televisão e aparelho de DVD, DataShow, garrafas pet, tampinhas, EVA, embalagens de danone, leite em pó e chocolate, jornal.

Breve currículo do autor da prática pedagógica:
Liliane Vital- Pedagoga, professora da prefeitura municipal de Suzano há 5 anos, com um ano de experiência em EJA, participante da especialização em Educação de Jovens e Adultos e Economia Solidária da UFABC.


CONTEXTO

Após a visita a feira de trocas do centro de São Paulo, junto com os alunos, decidimos fazer uma feira de trocas em nosso bairro. Em uma conversa com a professora Sandra Goreth, da EMEIF Antônio Marques Figueira, expliquei a ela nossa vontade e a mesma propôs que a feira fosse feita por todos os alunos dos professores envolvidos no curso da UFABC. No decorrer da conversa pensamos que poderíamos ir além da troca e mostrar aos alunos que era possível gerar renda com o trabalho em grupo.
Levamos a ideia ao grupo de professores de Suzano que logo aceitaram e repassaram aos seus alunos.

Os alunos da escola que leciono acharam interessante o fato de outras salas participarem e também da possibilidade de geração de renda.

Para que a feira pudesse acontecer nas aulas, alunos, alunas e professores debateram os princípios de Economia Solidária, Comércio Justo e Solidário, Feira de Trocas, Moeda Social e Feira de Economia Solidária. Além dos debates, os alunos tiveram que produzir as peças de artesanato para levarem a feira.

Ficou decidido na sala, que uma vez por semana, nas sextas-feiras, haveria uma parada no conteúdo para fazer os produtos da feira.

Durante as semanas, também seria necessário reservar uma parte do tempo para estudar melhor os temas gerados pela feira. Desta forma, a feira passa a ter um significado aos alunos que vai além de um mero trabalho escolar. Para o sucesso do projeto, é necessário que os alunos estejam envolvidos, comprometidos e principalmente motivados pela ação solidária a qual o evento é destinado.

A principal fonte de estudo com os alunos, para a produção da feira, foi o livro: “Como criar uma rede de trocas em sua comunidade”, de Dídac Sanches Costa. Algumas extrações deste livro auxiliaram a entender melhor sobre a construção da feira.

“Nas feiras, cada um traz os produtos e anuncia os serviços que quer oferecer, ganha com eles Moeda Social, e adquire com ela produtos e serviços que os demais membros da Rede oferecem”…

“Nestas feiras há comida, artesanatos, produtos industrializados, roupas usadas, móveis e uma infinidade de novas ideias, limitadas unicamente pela imaginação dos que participam”. (Pag. 7, 2003).

A turma decidiu que para a feira de Suzano, levaríamos novamente as bonecas e os pufes. Desta vez, que tínhamos um pouco mais de tempo, acrescentamos também cofres feitos com embalagens de leite em pó ou de chocolate envoltas em jornal, que a aluna Roseane se dispôs a ensinar.

Usando o livro, levei para a sala de aula um quadro comparativo entre troca clássica, as redes de troca e o dinheiro, que facilitou aos alunos a compreensão e assimilação das principais diferenças entre cada tipo de intercambio e gerou uma discussão interessante entre o grupo. (Pag. 4, 2003)

A partir deste quadro, além dos conhecimentos por ele gerados, foi possível trabalhar outros conteúdos escolares, como: verbos, recursos usados no texto para a comparação, estrutura de uma tabela, leitura em voz alta e interpretação de texto.
Como recurso para as aulas foi usado o vídeo da reportagem sobre a moeda social da Cidade de Deus no Rio de Janeiro, que gerou uma das discussões mais ricas sobre o assunto.

Assim que acabou o vídeo, perguntei o que eles acharam, logo disseram que era muito interessante. Ao questioná-los se em nosso bairro isso também seria interessante, a resposta do aluno Otoniel foi rápida: NÃO! Por falta de estrutura: farmácia, açougue, quitanda, e muitos outros comércios. Nenhum aluno discordou dele. Alguns inclusive acrescentaram que realmente isso não funcionaria em Palmeiras porque o povo é desunido e não tem interesse nessas coisas.

Questionei se eles costumavam comprar no bairro e a resposta foi negativa. Apenas em emergências, quando estava faltando alguma coisa. Continuei perguntando, se um deles tivesse dinheiro para abrir um açougue e pudesse abrir no bairro ou no centro, onde eles preferiam investir? A resposta da maioria foi no centro porque tem mais gente comprando.

A partir desta resposta, foi possível mostrar que o bairro só cresce se eles consumirem dentro do bairro. Só terá comércio se tiver consumidor. Se eles gastam o dinheiro deles no centro de Suzano, apenas lá as pessoas irão criar seus empreendimentos.

Ainda assim, os alunos questionaram que o preço costuma ser muito mais alto dentro do bairro. Concordei com eles, porém tentei argumentar usando o exemplo dos atacadistas, onde comprando em quantidades maiores o preço é menor. Com poucos consumidores, os comércios compram pouco de cada produto e sai mais caro para o comerciante que por outro lado precisa revender, também, mais caro. O comércio torna-se injusto uma vez que grandes redes de supermercados conseguem comprar em grandes quantidades e tem um preço muito inferior ao que é pago por pequenos comerciantes dos bairros.

Contei que em Vitória – ES há um projeto, nomeado de Bem, em que várias comunidades carentes participam, dentro dele, existe a proposta da compra coletiva, onde os comércios se unem para fazer seus pedidos, podendo assim comprar em quantidade, vender mais barato e concorrer com as grandes redes multinacionais de comércio em geral. Neste caso, os comerciantes deixariam de ser concorrentes para serem parceiros de uma rede comunitária que favorece o crescimento e fortalecimento da região.
Houve um consenso de que era uma tarefa muito difícil, mas todos concordaram que é possível. Foi um diálogo longo, e bastante interessante, para a criação do conceito de comércio justo e solidário.

Ainda na parte dos estudos, fomos a EMEIF Antônio Marques Figueira. Onde junto com os alunos da escola citada e da EMEIF Augustinha Raphaela Malda Molteni fizemos uma pequena palestra aos alunos com o recurso do Datashow para falar um pouco mais sobre moeda social e desenvolvimento dentro da comunidade. Nesta oportunidade, eu e a professora Sandra Goreth, que estivemos em Vitória, pudemos explicar detalhadamente como a comunidade Bem está organizada, quais os avanços que eles já tiveram e principalmente qual o foco do Banco Bem que empresta dinheiro a comunidade em Bem, totalmente sem juros, ou em Real com juros muito abaixo dos bancos tradicionais e sem os pedidos de comprovação de renda que os mesmos oferecem, baseando-se apenas na confiança.

Alguns alunos questionaram o que o banco “ganha” com isso. Explicamos que o banco é um facilitador, ele não tem que ganhar nada, mas sim a comunidade, porque o banco é comunitário, ele é de todos e se a comunidade está ganhando, o banco teve o seu papel exercido de maneira satisfatória.
Em seguida, foram mostrados exemplos de moedas sociais e os alunos tiveram a tarefa, em grupo, de desenhar uma moeda social, criar um nome e um logotipo e apresentar aos demais.
 
Alunos reunidos na EMEIF Marques Figueira para assistir a palestra com as professoras. Na segunda foto o vídeo dos Maristas usado como introdução para o tema abordado, as moedas sociais e a Economia Solidária.


Os alunos, após a palestra, desenharam e apresentaram as moedas sociais que eles criaram.

Dentre os temas gerados pela feira, ainda trabalhamos com os alunos a história do dinheiro, como ele passou de facilitador de trocas a uma mercadoria escassa e valiosa.
O processo de produção de materiais foi executado por todos os alunos, em divisões de tarefas que possibilitassem a colaboração de todos. Na sala há, por exemplo, um aluno com um problema na perna que dificulta sua locomoção, por isso, ele ficou com as tarefas que eram possíveis de se fazer sentado. Uma outra aluna com labirintite, disse que também não conseguia ficar em pé, e na hora de fazer os pufes, ficou sentada passando cola nas coisas. Assim, ninguém ficou parado e todos se sentiram protagonistas no processo de confecção de materiais.

Em alguns momentos, alunos foram colocados como monitores por serem mais habilidosos ou caprichosos com a confecção dos materiais. Os mesmos tinham a tarefa de ajudar os outros, distribuir fazeres, verificar erros na produção dos materiais e ajudar a consertar. Os alunos monitores foram decididos em conjunto e ao longo do processo, foram bem aceitos pelo grupo que entendeu a necessidade de ter alguém com um pouco mais de facilidade ajudando os outros.
As decisões de quais produtos seriam comercializados, dias de produção dos materiais, escolha de monitores, valores de venda, e como o dinheiro arrecadado poderia ser gasto, foram decididos em coletivo através de assembleias feitas sempre na sala de informática, que ficou conhecida como sala de reuniões e tomadas de decisões do grupo Artes na EJA.


Momento de produção de materiais para a feira, em grupo, e assembleia de tomada de decisões

RESULTADO

No dia 3 de dezembro de 2011 aconteceu em Suzano, em frente a EMEIF Antônio Marques Figueira, na Rua Sarah Cooper região central de Suzano, a primeira feira de Economia Solidária, na qual os alunos participantes tiveram acesso a um vale-troca. Desta forma, todos os alunos que contribuíram para a construção da feira puderam consumir ao menos um produto da feira sem ter que fazer uso da moeda oficial.
A feira foi aberta ao público as 12h e os visitantes podiam trocar Reais por SEJAS, a moeda social criada pelos alunos participantes. Com esta moeda era possível adquirir os produtos confeccionados pelos alunos.
Na feira de Economia Solidária, participaram as sete escolas envolvidas no processo da UFABC, além do grupo da escola aberta e da agricultura familiar.


Barraca de pães e receitas da EMEIF Antonio Marques Figueira, professores: Gisele Almeida, Paulo Osni e Sandra Goreth e Barraca de artesanatos da EMEIF Victor Salviano, da professora Vera Silva.


Barraca de plantas e mudas na garrafa pet da EMEIF Augustinha Raphaela Malda Molteni, professora Lúcia Rosa e Barraca de artesanatos da EMEIF Theresinha Muzzel, professora Marta Kobayashi.


Barraca de trabalhos manuais da Escola Aberta Municipal e da Agricultura Familiar e Barraca de quadros da EMEIF Amália Maria de Jesus, professora Márcia Alves


Nossa barraca: artesanatos com reaproveitamento de materiais EMEIF Lídia Lima da Silva, professora Liliane Schuh

Os alunos chegaram à feira por volta das 11h. Montaram as barracas, organizaram os produtos e foram embora às 17h após o término da feira. Onze alunos da EMEIF Lídia Lima da Silva estiveram na feira e dez produtos nossos foram doados para a troca. Além desses produtos, duas alunas da escola Amália Maria de Jesus, levaram dois produtos em troca de um quadro para uma aluna que havia chego muito tarde e ficado sem trocas.
O valor arrecadado foi de R$ 139,00 na feira. Os produtos que não saíram na feira foram vendidos às professoras e a alguns alunos, gerando um valor total de R$ 299,00 que foi usado para a festa de confraternização dos alunos.


Alguns alunos ao lado da churrasqueira na festa de confraternização com o dinheiro da feira.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
A visita a feira, foi uma grande lição aos alunos e também a professora e possibilitou que erros da primeira feira, não se repetissem.

Todos os alunos participaram da confecção dos materiais, onze estiveram na feira de Economia Solidária e dezessete alunos foram na confraternização. O valor arrecadado possibilitou inclusive que os alunos levassem seus familiares no dia sem ter que dar nenhum dinheiro adicional.

Foi proposto aos alunos, que poderiam participar da festa, todos juntos, ou ficar com a sua parte no dinheiro, que seria de R$ 12,00. Levando em conta o que foi vendido, R$ 299, 00 e dividindo por todos os alunos, no caso, 24 pessoas. Apenas uma aluna não quis participar da festa e preferiu o dinheiro, isso demonstra bastante a união que o grupo conquistou ao longo do ano e que as tomadas de decisão coletiva exercidas trouxeram a todos o entendimento de que suas decisões são importantes e podem ser tomadas independente do que o outro vai pensar.

O resultado foi bastante satisfatório e mostrou que o caminho foi traçado com sucesso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Dídac Sanchez. Como criar uma rede de trocas, ONG Voluntários pela verdade ambiental, 2003
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.